Pedro Augusto Pinho*
“O desemprego, que se agrava nas crises, hoje mais frequentes, não é cíclico”, assim começa o consultor Luiz Affonso Romano seu artigo, “Expirou o seu prazo de validade corporativo?”, no Monitor Mercantil (08/04/2021, página 2 Opinião). Neste mesmo jornal e data, Marcos de Oliveira, na coluna Fatos & Comentários, sob o título Paridade, nos informa que “o especialista Marcelo Gauto computou a média mensal gasta por grandes petroleiras com cada empregado em 2020: Equinor, US$ 10.061; BP, US$ 9.300; Shell, US$ 8.837; Total, US$ 7.032; Petrobrás, US$ 5.148 por trabalhador”. E ironiza ao final: paridade de preços só vale para os combustíveis.
Não é o covid-19, vírus que espalha universal pandemia, o culpado do desemprego nem das desigualdades salariais; e ambos só tendem a aumentar.
É uma nova ideologia, que tomou o poder na maioria das nações do mundo e se espalha como doença na mente das pessoas: o neoliberalismo.
Para o neoliberal só existe a moeda, o ganho financeiro. Tudo e todos agem para o maior lucro possível do capital financeiro. E este capital vem, desde os anos 1980, controlando as empresas, os países, as riquezas naturais e, obviamente, as pessoas. Logo o valor do trabalho, aquele que sob a égide da industrialização dignificava a pessoa, perdeu lugar para o valor da moeda.
Tal situação não se faz impune, sem outras consequências. Neste mesmo Monitor Mercantil, na primeira página, está a notícia que as “vendas no varejo paulistano caem 38,1%”, em março em relação a fevereiro de 2021. Nada surpreendente, não só pelas precauções da pandemia, como pelo crescente desemprego e reduções das rendas familiares.
Este é o mundo que se desenha no cenário neoliberal brasileiro e do mundo ocidental. Greves, manifestações de rua, agressões, tumultos, violências domésticas e das forças repressoras são e serão cada vez mais frequentes. Não há também entendimento do que está ocorrendo, e a comunicação de massa, já dominada pelos capitais financeiros há décadas, ajuda nesta incompreensão das causas do aumento da miséria e da fome, onde antes era apresentado o ápice da civilização.
Vemos na verdade a regressão à nova escravidão. Luiz Affonso Romano, no artigo citado, apresenta a automação, as pessoas trabalhando por mais tempo, a concentração dos negócios, o rearranjo da oferta de emprego, como causas. Tudo isso contribui, sem dúvida, mas em escalas diferentes.
Vejamos o que colocaria como o ponta pé inicial da tragédia. Não são mais os empreendedores industriais, os inventivos homens de negócio que descobrem novos produtos ou novas formas de produzir aqueles mais desejados. Tudo agora é conduzido pelas finanças que assumem o controle das empresas, onde antes estava a produção ou a venda.
E há um deslocamento dos objetivos; saem do mercado dos consumidores para o lucro maior e mais rápido. As empresas também perdem clientes e receitas.
Tomando o mesmo segmento de negócio da comparação apresentada na coluna Fatos & Comentários examinemos a ExxonMobil.
A junção destas duas grandes petroleiras se deu em 30 de novembro de 1999, ambas surgidas em 1911 da divisão da Standard Oil Company, para evitar o monopólio privado. O nome Exxon aparece em 1972, onde tivera designações tais como Esso, Enco e Humble, nos Estados Unidos da América (EUA) e em outros países.
Este novo nome da antiga Standard Oil, surge nas “crises do petróleo”, movimentos orientados pelas finanças, majoritariamente inglesas, na luta contra o industrialismo estadunidense e soviético. E a Exxon logo ganha posição privilegiada nos EUA. Antes da fusão com a Mobil, a Exxon havia desenvolvido negócios em todas as fases da indústria do petróleo, de campos de petróleo a estações de serviço (do poço ao posto). Também liderou no transporte de petróleo por oleodutos e operou uma das maiores frotas de petroleiros do mundo. Os interesses da Exxon incluíam gás natural, carvão, combustíveis nucleares, produtos químicos e minérios como cobre, chumbo e zinco.
Vieram as desregulações dos anos 1980, as finanças dominam o mundo na década de 1990, passam a controlar todos os negócios com suas gestoras de ativos, no século XXI.
Em 04 de setembro de 2020, The Washington Post publicou artigo de Dino Grandoni com título “Gigante petroleira não é tão grande quanto antes” e com subtítulo: “A expulsão da ExxonMobil do índice industrial Dow Jones é apenas o último sinal de que as grandes empresas de petróleo não são tão importantes para a economia como já foram” (Big Oil just isn’t as big as it once was – ExxonMobil’s expulsion from the Dow Jones industrial average is just the latest sign that major oil companies aren’t as important to the economy as they used to be).
O valor de mercado da gigante do petróleo é hoje, informa o artigo, cerca de um terço do que era em 2008, quando se aproximou de US $ 500 bilhões. A Exxon também saía, após 92 anos, do índice Dow Jones.
Seria um sinal do declínio do petróleo como principal motor das economias mundiais e estadunidense?
De certo modo é o fim do comando da economia pela produção de bens, pelo desenvolvimento tecnológico, pelo incentivo permanente ao consumo que ampliará negócios e lucros. Hoje é a especulação financeira que comanda a economia e corrompe a política, a justiça e a própria vida das famílias. Associada à informatização da vida, pois antes dos outros segmentos, há quase um século, viu na Teoria Matemática da Comunicação, surgida nos Laboratórios da Bell (A Mathematical Theory of Communication, por Claude E. Shannon, The Bell System Technical Journal, Vol. 27, julho/outubro, 1948), o recurso para voltar ao poder que perdera desde a I Grande Guerra.
Com o lucro máximo e mais rápido como única meta, as indústrias, dirigidas pelas finanças, eliminam seus centros de pesquisa e desenvolvimento, operações de risco tecnológico, aperfeiçoamento de pessoal e mesmo empregos. A indústria do petróleo que exige permanentemente tecnologias mais avançadas e assumir risco a cada novo objetivo exploratório, que manterá os volumes produzidos, foi a mais atingida.
O artigo de Dino Grandoni também lembra a pandemia do coronavírus, pois as pessoas pararam de viajar, sair de casa, consumir, enviando volumes e, consequentemente, os preços do petróleo para baixas históricas. O setor de energia foi o menor componente do índice de ações S&P 500, nos meses de junho a agosto de 2020, depois de cair abaixo de serviços públicos e imóveis entre outros.
São fatores que tornaram dispensáveis o trabalho, e provocaram sua volta à escravidão dos uber, da humilhação das incontáveis filas pela vaga que, eventualmente, surja, e onde não há mais direitos que lhe deem dignidade.
*Pedro Augusto Pinho, administrador aposentado.