Situação na Síria em 19/Dez/24.
Pepe Escobar [*]
Pequim e Moscou encaram a Síria como um revés temporário para os BRICS, infligido por um império desesperado, pelo seu aliado desesperado Israel e por um sultão turco que ladra mas não morde.
A Síria, tal como a conhecíamos, está a ser esventrada em tempo real – geográfica, cultural, econômica e militarmente – por uma confluência assustadora de turbas de mercenários jihadistas a soldo e de genocidas psicopatológicos que rezam no altar de Eretz Israel.
Tudo isto é totalmente apoiado pelas hienas raivosas da OTAN – mestres do controle narrativo – e está totalmente interligado com a erradicação da Palestina.
Há um sentimento na declarada Maioria Global de que o Eixo da Resistência, momentaneamente esgotado, terá de enlouquecer para se reorganizar, reabastecer e recalibrar a defesa da Palestina.
Previsivelmente, na esfera da OTAN, não se ouve nem um pio sobre o bombardeamento selvagem e indiscriminado de Telavive e a tomada de território sírio soberano, uma ilustração flagrante da “ordem internacional baseada em regras” em ação.
O think tank coletivo do Ocidente está entusiasmado. A Chatham House prega uma reconstrução síria neste “momento decisivo” liderada pelos EUA, a UE, o Qatar, a Arábia Saudita e a Turquia, capaz de “forjar um consenso em torno da Síria” que “poderia servir de base para uma nova ordem regional”.
O Center for a New American Security (CNAS), raivosamente anti-BRICS, apela a “expulsar a presença militar russa” da Síria e a “fechar o país como uma via para a projeção de poder iraniano”.
O Eixo da Resistência está de luto? Não tão depressa. O significado mais profundo do “cessar-fogo” entre Israel e o Hezbollah é que, para todos os efeitos práticos, os psicopatas foram derrotados, apesar de terem provocado uma devastação terrível no Sul do Líbano e nos subúrbios de Beirute.
A mudança de narrativa – e de enfoque – face à ofensiva da Grande Idlibistão permitiu uma vitória tática maciça não só para os bandidos de Eretz Israel mas para a OTANstão/Turquia no seu conjunto. No entanto, o verdadeiro cerne da questão começa agora, mesmo quando a divisão da Síria já está em vigor.
A máfia jihadista de aluguel, teoricamente sob o controlo do pretenso califa do Al-Sham, o saudita al-Jolani, cujo verdadeiro nome é Ahmad Ibrahim al-Sha’a, poderá, mais cedo ou mais tarde, voltar-se contra o projeto de Eretz Israel, tendo em conta que manteve relações cordiais com o Hamas em Gaza.
Pelo menos por enquanto, tudo parece estar a correr bem para o plano de Oded Yinon e/ou Bernard Lewis de subjugar a Ásia Ocidental através da estratégia “dividir para reinar”, testada pelo tempo. Isto faz-nos lembrar não só o Sykes-Picot de 1917, mas também o de 1906, quando o primeiro-ministro britânico Henry Campbell-Bannerman declarou
“Há povos [árabes] que controlam vastos territórios repletos de recursos manifestos e ocultos, dominando as intersecções das rotas mundiais. As suas terras foram o berço das civilizações e religiões humanas”.
Assim, se estes “povos” se unissem, “tomariam o destino do mundo nas suas próprias mãos e separariam a Europa do resto do mundo”.
Daí a necessidade de “plantar um corpo estranho” [mais tarde constituído como Israel] “no coração desta nação para impedir a convergência das suas asas de forma a esgotar o seu poder em guerras intermináveis. Poderia também servir de trampolim para o Ocidente atingir os seus objetivos mais cobiçados”.
Piratas do Levante
A alucinação de Eretz Israel não coincide exatamente com o sonho neo-otomano do sultão Erdogan, embora coincidam no impulso mais vasto de redesenhar o mapa do Mediterrâneo oriental e da Ásia ocidental.
Quanto aos excecionalistas, mal podem acreditar na sua sorte. Com um golpe de caneta, acabam de se apoderar do nó estratégico fundamental de uma ideia agora enterrada: o arabismo ou anti-imperialismo no Levante.
Desde que Obama, no início da década de 2010, declarou guerra à Síria – por ordem de Telavive –, o Império do Caos atirou tudo o que tinha a Damasco durante, pelo menos, 13 anos: a mais longa e dispendiosa campanha de mudança de regime da história dos Estados Unidos, completa com sanções tóxicas e fome forçada, até que, de repente, o grande prémio lhe caiu no colo.
O prémio envolve – em teoria – esmagar um aliado dos três principais BRICS, Rússia, Irã e China, com o benefício adicional de o transformar num buraco negro geoeconômico, ao mesmo tempo que se manipula a narrativa para vender “o fim do ditador” à Maioria Global como condição prévia para o surgimento no estilo de um novo Dubai.
Ainda não sabemos como será o que resta da Síria, nem mesmo durante quanto tempo será governada por um bando de salafistas-jihadistas neoliberais de barba aparada e fatos novos e baratos.
O fato é que o Hegemon já controla pelo menos um terço do território sírio há pelo menos uma década e continuará a roubar o petróleo e o trigo sírios com absoluta impunidade: os Piratas do Levante em toda a sua glória.
Em segundo plano, o MI6 do Reino Unido continuará a ser um excelente fornecedor de operações de relações públicas, de lobbying generalizado e de oportunidades de tráfico de armas para o crédulo e heterogéneo grupo mercenário salafista-jihadista.
No que diz respeito a Telavive, estão a destruir a maior oposição militar árabe que resta a Eretz Israel; a roubar/anexar território sem parar; e a sonhar com o domínio total, aéreo e naval, se a Rússia perder as suas bases em Tartus e Hmeimim (é um grande “se”). Para não falar do fato de controlarem indiretamente o novo califa, que lhes pediu docilmente que não conquistassem demasiado território sírio.
A divisão será feita segundo três vetores principais.
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Bases militares e terrestres controladas pelo hegemon, que poderiam ser utilizadas para atacar o Iraque. Esqueçam uma falsa Síria soberana que recupere os seus campos de petróleo.
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A anexação de terras pela Turquia conduzirá inevitavelmente à tomada total de Alepo (já proclamada pelo Sultão). Damasco é dirigida por um ramo do ISIS diretamente manipulado pelos serviços secretos turcos.
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tudo isto poderá conduzir, já no primeiro trimestre de 2025, a uma espécie de acordo de sionização salafista-jihadista com um único objetivo: aliviar as sanções dos EUA e da UE.