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sábado, 21 dezembro, 2024

América Latina sem soberania- Crônicas de arrogância rapina e maldade (5)

Pedro Augusto Pinho*

5ª Crônica: As independências na América espanhola.

Filha do Século das Luzes, as Independências na América Latina ocorreram no século seguinte, o XIX. Apenas os Estados Unidos da América (EUA) foram contemporâneos do iluminismo. E esta saída à frente lhe possibilitou açambarcar senão terras, também as ideias, que moveriam os movimentos ao sul do rio Grande.

As fake news não começaram com a redemocratização no Brasil, mas, nas Américas, com os puritanos chegados a Plymouth Rock que, a lenda diz, encontraram o índio wampanoag, de nome Squanto, a lhes dar boas-vindas em inglês.

E é o historiador estadunidense Ray Raphael quem nos desvenda os Mitos da história narrada para os estudantes e todos estadunidenses e estrangeiros (“Founding Myth: Stories that Hide our Patriotic Past”, 2004).

Muitas denominações surgidas com o protesto de Martin Lutero (1517) vieram para o atual EUA, então uma série de colônias separadas por idiomas, religiões e costumes de suas origens. A Guerra Civil de 1865 deu a feição nacional que as treze colônias não conseguiram, além da Constituição Plutocrática de 1787. O genial pensador brasileiro Darcy Ribeiro analisa, nos cinco volumes dos “Estudos de Antropologia da Civilização”, o que se passou naquele país e o que ficou no nosso e nos demais latino-americanos.

Retiramos do terceiro volume, “O Dilema da América Latina” (1971):

“O efeito mais dramático deste condicionamento das promessas da nova civilização a uma ordem privatista obsoleta é que ele frustra as próprias capacidades humanas. As do povo estadunidense que, marchando para Revolução Termonuclear dentro do atual enquadramento, tem unicamente diante de si perspectivas de maior repressão e defraudação. As dos povos pobres de todo mundo que veem nessa progressão a negação de qualquer possibilidade de erradicar a pobreza, a fome e a desigualdade, em tempos previsíveis”.

De 1810 a 1886, os Vice-Reinos da Nova Espanha, da Nova Granada, do Peru e do Rio da Prata se estilhaçaram em múltiplos países, que se tornaram politicamente independentes. Efetivamente, mudaram de dono. A potência em queda, desgastada, defasada tecnologicamente para guerra e para administrar seus territórios, a Espanha, cede a América Hispânica à emergente Inglaterra, que construía o maior império em terras descontínuas sob seu mando imperialista.

Face à tragédia que assola atualmente o Equador, tomaremos este país para exemplo do que ocorreria em todos os países, do México à Argentina, no processo de independência política, claro que ressalvando as condições geográficas, naturais de cada um, e da dominação teocrática anterior sob os astecas, maias e incas.

Do ponto de vista interno às colônias, o tratamento diferenciado prejudicando interesses dos nativos e mesmo dos mestiços, nos campos político, social e econômico, para benefício dos europeus e descendentes dos espanhóis, formou o desejo de independência que se confundia, muitas vezes, com o nacionalismo.

Do ponto de vista externo, a presença dos EUA, que adotaram a forma republicana e eletiva de escolher seus governos, era muito forte, e a ela se somavam os ecos da Revolução Francesa. Travava-se a luta ideológica entre a submissão e a liberdade, ainda que cercada das fraudes produzidas por ambas as partes. O modelo econômico extrativo exportador de produtos primários não permitia sentir os efeitos da Revolução Industrial. Porém a tentativa de constituir grande Estado, como seriam as Províncias Unidas de Nova Granada, também naufragaram por ambições, identitarismos e circunstâncias locais, episódicas e corruptoras, principalmente favorecendo os interesses estadunidenses.

Estes últimos foram estabelecidos pelo presidente dos EUA, James Monroe, em 02/12/1823, em sua Mensagem ao Congresso, e veio a ser conhecido como Doutrina Monroe. Reforçou a hegemonia dos EUA no continente, no aparente freio para que as nações europeias recolonizassem suas antigas possessões. Como se conhece da história, houve a troca de senhores, a colonização deixou de ser política e ideológica, que se tornara onerosa, para ser econômica, sempre mantida a ideológica, de submissão a um poder externo.

Os mais estudados casos dizem respeito ao México e ao Vice-Reinado do Prata, mas nos voltaremos para aquele que sofre a transformação mais nefasta, neste século XXI, por força da ideologia que tomou o mundo ocidental desde 1980: a neoliberal.

O MUNDO SEM ESTADO NACIONAL?

Quando os povos, unidos pelos mesmos desafios da natureza, constroem seu modo de vida, podemos dizer que se forma a cultura que erigirá seu Estado Nacional.

Portanto os nacionalismos nada mais são do que a construção, no tempo, das melhores respostas que uma ou várias etnias concluíram atender ao modo de vida saudável, harmônico e único para aquelas pessoas naquele lugar. Não há nacionalismo como ideologia, ele existe como a resposta da nação a seus desafios.

Rogério Cézar de Cerqueira Leite, cientista brasileiro de renome internacional, escreveu, em 1983, para Editora Brasiliense, “Quem tem medo do nacionalismo?”, de onde transcrevemos:

“A ausência de nacionalidade implica perda de identidade”.

E acrescenta o elemento que assusta todo entreguista, todo alienado, todos que não são leais à construção do Estado Nacional: o fator político. Cerqueira Leite acrescenta do “Dicionário Moderno de Sociologia”, (Theodorson, G. A. e Theodorson, A. G. “A modern dictionary of sociology”, Methuen, London, 1970):

“Nacionalidade é a participação e identificação com nação particular. Neste sentido do termo, que é essencialmente político, nacionalidade frequentemente envolve cultura comum”.

Porém o mundo foi tomado, nas duas últimas décadas do século 20, por uma ideologia que não aceita as nacionalidades, na verdade as ignora, pois seus fundamentos têm a mesma característica do tomismo medieval: a inexistência de governos na Terra, pois tudo vem dos Céus.

Armando Piovesan e Edméa Rita Temporini, da Universidade de São Paulo, em “Pesquisa exploratória: procedimento metodológico para o estudo de fatores humanos no campo da saúde pública”, na Revista Saúde Pública, 29 (4), 1995, desafiam:

“Se a população pensar que Deus é quem manda a doença, portanto, contra tal desígnio nada há a fazer, ou, que a pessoa se cura somente pela vontade de Deus, quais as ações preventivas a realizar ou, que mensagens teriam efeito? As crenças populares, em geral, são fortemente arraigadas e de difícil mudança. Assim, a argumentação técnica a ser utilizada em trabalho dessa natureza deve ser elaborada com base no conhecimento dessas variáveis e na linguagem popular, ao invés da linguagem científica”.

A ideologia neoliberal não busca somente aprisionar os Estados Nacionais, ela evita a formação e desenvolvimento dos saberes, que, mais dia menos dia, questionarão o imenso retrocesso cognitivo a que as igrejas neopentecostais, as “do cofrinho”, com “encenações milagrosas”, shows de mágicas, acompanhando as pregações e os pedidos, vão desconstruindo a realidade sobre a qual se vive.

Neste mundo do faz de conta floresce a corrupção dos mais fortes, dos mais poderosos, retirando o quase nada dos demais, como relatamos nas condições internas, formadoras do desejo de independência.

É avassalador e imenso o âmbito do retrocesso neoliberal.

Vamos para economia, que virou a “verdade” do século, em exemplo trazido por Cerqueira Leite na obra citada.

“A filial brasileira do grupo francês Saint Gobain Pont-à-Mousson trouxe, de 1951 a 1975, ao Brasil, o total de recursos igual a 11% de seu capital registrado ao final desse período. Foi, portanto, a poupança brasileira, por intermédio de reinvestimentos sucessivos, que constituiu quase 90% de seu capital. Apesar da política de reinvestimentos maciços, a remessa de lucros da companhia alcançou, nesse mesmo período, 236% do investimento inicial. Os ganhos totais dessa empresa em 15 anos foram 1.015% do investimento inicial”.

Este não foi um caso excepcional, mas é a regra do capital estrangeiro no Brasil e por toda América Latina.

Cerqueira Leite conclui: “a afirmativa, reiterada a cada oportunidade, de que a poupança externa foi essencial para o desenvolvimento brasileiro é uma das mais perniciosas falácias que ferem os interesses nacionais”.

E, com os “incentivos” pode-se com tranquilidade e certeza afirmar que muito pouco, se houver algum, o capital externo é formado por capital de risco. Ele chega aqui e por todas Américas, sob domínio neoliberal, com a certeza do lucro e retorno.

EQUADOR, HOJE

O Equador é uma miniatura maravilhosa de diversidades: de praias com o sol e alegria das nordestinas brasileiras, aos Andes, das manifestações culturais indígenas e resquícios do período colonial espanhol, dos melhores momentos do barroco ibérico, à exuberância tropical da Amazônia, onde está o petróleo equatoriano, maior fonte de recursos do País.

E como cereja do bolo, ainda pertencem ao Equador as Ilhas Galápagos, amostra do mundo de onde nascemos, onde Charles Darwin, a bordo do Beagle, obteve elementos para sua teoria da evolução das espécies.

Porém desde 1809 e 1820, com as revoluções de Quito e Guayaquil, com a participação do mesmo Lord Cochrane, almirante aventureiro, especulador financeiro, que atuou na independência do Brasil, e favoreceu ao Equador com sua ação contra os espanhóis no Peru, travavam-se as batalhas pela Independência da qual participaram os grandes libertadores Bolívar e San Martin.

Em 1830, o general venezuelano Juan José Flores assume a presidência do novo Estado Nacional, o Equador. Em 1835, com apoio de Flores, o primeiro equatoriano, Vicente Rocafuerte y Bejarano, é empossado presidente.

Como ocorrerá por toda latinidade americana, as questões orçamentárias, mais especificamente financeiras, dada ao protagonismo dos banqueiros ingleses, conduzirão as decisões do Estado. Na prática, saiu-se da colônia política para colônia financeira; os lucros continuavam a fugir do país e alimentar Estados Nacionais estrangeiros.

Com governos eleitos, ditaduras civis e militares, uns nacionalistas, outros agentes de interesses estrangeiros, assim com ocorreu com o Brasil, o México, a Venezuela, a Argentina, também o Equador obteve alguns êxitos, talvez o maior tenha sido a criação da Petroecuador, em 1989, durante a presidência de Rodrigo Borja Cevallos (1988-1992). Borja pagou caro por essa ousadia, iniciada no triunvirato militar de 15 de fevereiro de 1972 a 10 de agosto de 1979, pois foi derrotado nas eleições seguintes.

Lá como por todos países americanos, a exceção de Cuba, Venezuela, Bolívia e Nicarágua, a comunicação de massa está entregue aos interesses estrangeiros, que ofuscam a realidade, falseiam a verdade, ludibriam a população e mantém a espoliação dos recursos e a escravidão mental. O Equador se preparou, ao rejeitar Borja, para ser a colônia das finanças apátridas, o estado de traficantes e de lavagem de dinheiro, como o que “preside” hoje o jovem, nascido em Miami, Daniel Noboa.

*Pedro Augusto Pinho, administrador aposentado.

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