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sábado, 7 setembro, 2024

América Latina sem soberania – Crônicas de arrogância, rapina e maldade. (03)

 

3ª Crônica:

A IMENSA AMÉRICA ESPANHOLA E A PROJEÇÃO DA EUROPA NO NOVO CONTINENTE

 Pedro Augusto Pinho*

As independências nas Américas das potências coloniais europeias resultaram de processos muitas vezes complexos, com coligações, confrontos e unidades que se estabeleceram e se separaram no tempo. As fronteiras dos países foram estabelecidas por guerras e acordos que ocuparam todo século XIX.

O primeiro país a obter a independência nas Américas, da colonizadora França, foi o Haiti na luta iniciada em 1791 e encerrada em 1804. O Haiti foi a primeira república de escravos auto libertados contra o domínio colonial, sob a liderança do escravo negro Toussaint l’Ouverture (1743-1803). Não apenas se tornou independente da França, como aboliu a escravidão.

O caso dos Estados Unidos da América (EUA) será tratado separadamente, até porque as Treze Colônias, que ficaram independentes em 1776, correspondiam a menos de 10% do atual território estadunidense (970.306 km²/9.833.517 km²). Os EUA cresceram territorialmente após sua independência, apropriando-se das áreas indígenas, de espanhóis, franceses e, por compra do tzar da Rússia, o Alasca, em 1867.

Na América Espanhola as independências do vasto território têm início em 1810 e vão até 1898 (Cuba).

COLONIZAÇÃO DA AMÉRICA ESPANHOLA

A América Espanhola foi constituída pelos:

a) Vice-Reinado da Nova Espanha, que ocupava, nos EUA, seus atuais estados de Novo México, Arizona, Califórnia, Nevada, Utah e Colorado, representando 1.811.981 km², o México e a América Central continental da Guatemala e Belize até à Costa Rica, tendo como capital a Cidade do México;

b) Vice-Reinado de Nova Granada, no noroeste da América do Sul, correspondendo o Panamá, Colômbia, Equador e Venezuela, estendendo sua influência a porções dos atuais territórios das Guianas e de Trindade e Tobago, tendo por capital a cidade de Santa Fé de Bogotá;

c) Vice-Reinado do Peru, compreendendo o atual Peru, Bolívia, Chile, governado a partir da capital Lima;

d) Vice-Reinado do Rio da Prata, com os territórios da Argentina, Paraguai, Uruguai, e pequenas partes dos territórios que atualmente pertencem ao Brasil e à Bolívia, tendo por capital Buenos Aires.

Além destes Vice-Reinados, havia as Capitanias Gerais da Flórida, de Cuba, da Guatemala, da Venezuela e do Chile, como suporte à estrutura burocrática e administrativa da presença espanhola.

De início não houve obra de colonização, somente de pilhagem. Na segunda metade do século XVI, quando rareava a extração de ouro, e dizimados muitos nativos, teve início incipiente processo de gestão colonial.

Era consequência da própria Espanha, que custou a se unir, se organizar para explorar as colônias e, assim, obter capitais para manter a perdulária coroa de Carlos V, que comprara sua eleição para Imperador do Sacro Império Romano Germânico do Ocidente.

O parasitismo da classe dominante espanhola levou-a a entregar a terceiros a exploração colonial. Modelo também adotado pela classe dominante portuguesa, no Brasil, com as Capitanias Hereditárias. Porém houve os que exploravam os recursos extrativos e os que constituíam grandes propriedades territoriais para produção agrícola de exportação.

As formas de trabalho eram tipos de escravidão, a denominada encomienda, e outra, igualmente compulsória, a mita, para extração mineral.

A vida colonial reproduzia a metropolitana: excludente, fechada, aristocratizada. No topo estavam os espanhóis, chapetones, com os altos cargos da administração terrena e divina. Seus filhos, nascidos nas colônias, criollos, dedicavam-se ao comércio e a explorar as grandes propriedades. Abaixo dos criollos vinham mulatos e mestiços, executores de serviços, e, na mais baixa condição, sem direitos, os escravos negros e índios.

COLONIZAÇÃO INGLESA, HOLANDESA E FRANCESA

Darcy Ribeiro (“As Américas e a Civilização”, 1970) distingue países que são mera projeção dos colonizadores daqueles outros que formam sua identidade a partir da cultura que se desenvolve de acordo com o ambiente físico e humano: povos testemunho ou originários (mexicanos, peruanos, bolivianos, equatorianos, guatemaltecos), povos novos ou miscigenados (venezuelanos, colombianos, paraguaios e brasileiros) e povos transplantados (estadunidenses, canadenses, argentinos) resultantes de grandes massas migratórias que buscaram refazer, nas Américas, o modo de vida europeu.

Os Estados Unidos da América (EUA) são nitidamente resultantes da projeção colonial inglesa e holandesa e, com menor influência, francesa e de outras populações europeias. Já a América Espanhola, assim como a Portuguesa, constituíram diversidades culturais facilmente identificáveis nas ruas do México, de Bogotá, de Lima e do Rio de Janeiro, como exemplos originários e mestiços.

O poder na Inglaterra começa a ser construído com a Dinastia Plantageneta (século XIII), quando foram celebradas as “Magnas Cartas”, também denominadas “Tratados”, “Estatutos” e “Provisões”, e fica nas mãos da aristocracia fundiária inglesa, e, em menor proporção, das galesa e escocesa.

A Inglaterra se transforma com a passagem dos “Tudor” para os “Stuart”; das primeiras manifestações está a vitória da esquadra inglesa sobre a “Invencível Armada” de Felipe II, em 1588, seguida, em 1600, com a criação da Companhia Inglesa das Índias Orientais.

Os Países Baixos, até o século XVI, eram parte do Império Espanhol, porém desenvolveram competente e ativa burguesia de negociantes e financistas, com protestantes e judeus. Em 1609, formaram a República das Províncias Unidas e passaram a ocupar possessões espanholas pelo mundo. Já nos anos 1600 era modelo de país capitalista: mercantil, financeiro e industrial.

Nas Províncias Unidas são fundados, em 1602, a Companhia Holandesa das Índias Orientais, e, em 1609, o Banco de Amsterdã, quando também é firmada trégua de 12 anos entre estas Províncias Unidas e a Espanha. Em 1619 é constituída a Batávia, estado neerlandês que existiu até 1806. Em 1621 é criada a Companhia Holandesa das Índias Ocidentais.

Entre 1652 e 1780, foram travados quatro conflitos navais entre a Inglaterra e a República das Sete Províncias Unidas dos Países Baixos pelo controle das rotas comerciais marítimas: as guerras anglo-holandesas.

A ausência do poder central, como existia no século XVI na Espanha e em Portugal, atrasou a construção do sistema de administração colonial para a Inglaterra e para a Holanda. Foram aristocratas e “burgueses” que o constituíram como mercado para manufatura e escravos.

Na França, o caminho foi traçado por Armand Jean du Plessis, o Cardeal Richelieu (1585-1642), que, formando a Monarquia Nacional Francesa, criou um dos mais poderosos países da Idade Moderna.

Com as transformações na Inglaterra do século XVII e o processo de industrialização, alterando perspectivas e modos de vida, acrescidos dos insucessos das nobrezas espanhola e portuguesa, o processo colonial tomou outro rumo, tendo os EUA, cujas terras eram menos valiosas, constituído novo modelo colonial.

ESPECIFICIDADES ESTADUNIDENSES

A primeira colônia inglesa, Virgínia (1607), não foi obra do Estado Inglês, mas de companhia comercial que a constituiu como feitoria, para escoar o ouro a ser encontrado. Não havendo descoberto ouro, iniciou então a produção de tabaco.

A Companhia Plymouth foi autorizada a estabelecer assentamentos entre as latitudes 38° e 45° N, aproximadamente entre o curso superior da Baía de Chesapeake e a atual fronteira dos EUA com o Canadá. Em 13 de agosto de 1607, a Companhia Plymouth estabeleceu a Colônia Popham ao longo do rio Kennebec, no Maine. No entanto, foi abandonado após cerca de um ano e a Companhia Plymouth se desfez. A empresa sucessora acabou estabelecendo um assentamento permanente, em 1620, quando os peregrinos chegaram a Plymouth, Massachusetts, a bordo do Mayflower (John Patterson Davis, “Corporations: a study of the origin and development of great business combinations and of their relation to the authority of the state”, Putnam’s Sons, NY, 1905).

Herbert Aptheker (1915-2003), historiador estadunidense, em “Uma Nova História dos Estados Unidos A Era Colonial” (tradução de Maurício Pereira para Editora Civilização Brasileira, RJ, 1967) comenta que o aparecimento do capitalismo pôs em marcha o processo de colonização e transcreve as palavras do Marquês de Carmarthen na Câmara dos Lordes: “para que fim se permitiu que os colonos fossem para aquela terra, a não ser para que o lucro de seus trabalhos retornasse a seus senhores daqui?”.

E Aptheker conclui: “ao implantar colônias, os soberanos implantaram rebelião. A rebelião fez parte orgânica dos interesses contraditórios dos colonizadores e colonos”.

A doutora pela Universidade de Chicago, Nancy Priscilla Naro, escreve em “A Formação dos Estados Unidos” (Editora da Universidade Estadual de Campinas, 1985): “com o Tratado de Paris, em 1783, terminaram oficialmente as hostilidades entre os americanos e os ingleses. Durante a guerra, os estadistas americanos não buscaram implantar nova ordem social. Não se propuseram a fazer uma revolução total que levasse os grupos de condição social inferior, ou sem poder, a exercerem o poder político e levarem a efeito uma mudança drástica no caráter da sociedade. A união das treze colônias foi estimulada por líderes privilegiados que visavam o controle local americano e a ruptura do pacto colonial com a metrópole inglesa”.

Voltemos a Aptheker, na obra citada: “Os ricos viviam na América Colonial como viveram em toda parte. Uma casa na cidade e a do campo; centenas ou milhares de acres; dezenas de empregados ou escravos; refeições lautas; festas incessantes; seda e cetim; veludo e pérolas; carruagens e baixela de ouro; peças da moda e música e livros; negócios, alianças, intrigas; altas e poderosas funções; e intensa preocupação com a conservação de tudo isso e em manter a “gentinha” em seu lugar. Essas diferenças eram a obra e a vontade de Deus, porque de outro modo não existiriam”.

O QUE NOS RESTOU DA COLONIZAÇÃO

As Américas, de modo geral, passaram a ter independência política a partir do século XIX, menos mal do que a África que levou para meados do século XX esta condição. Hoje, povos da faixa do Sahel se revoltam contra a permanência da dominação colonial, numa segunda onda independentista.

Mas que tipo de independência, se perto de 90% da população nativa foi exterminada em menos de 300 anos? E para suprir a falta de mão de obra foram trazidos, nas mais duras e cruéis condições, entre 1514 e 1866, perto de 13 milhões de africanos. Confronte-se esta quantidade com o número de habitantes que era necessário para que um estado pudesse ser incorporado à União nos EUA: 60 mil, homens, mulheres e crianças. E, nesta contagem, cinco escravos equivaliam a três homens livres.

Da reflexão de Herbert Aptheker, concluímos que a religião judaico-cristã, trazida pelos conquistadores, dominante por todas Américas em diversas organizações e denominações, influenciou negativamente a formação da sociedade americana: preconceituosa, excludente e hipócrita.

Veja-se, como exemplo, o “Destino Manifesto”. Havia a ideia vaga de unir o leste atlântico ao oeste do Oceano Pacífico. Tinha, além do interesse expansionista econômico, um fundo religioso, catequético. O Congresso estadunidense aprovou lei, em 1787, para facilitar a incorporação de terras ao norte e a oeste, mas faltava o incentivo psicossocial: um lema ou desafio. Ele surgiu com a expressão “Destino Manifesto”, posteriormente ampliado para o modelo colonizador estadunidense; os EUA não podiam ser menores do que a América Espanhola.

“A “democracia” jacksoniana” (Andrew Jackson, 1829-1837), expõe Nancy Naro, “resultou numa política expansionista, que não poupou o uso da força contra as resistentes tribos indígenas da Geórgia e da Flórida. Jackson manifestava forte solidariedade com os abastados habitantes do interior, que defendiam, pelo mando do poder militar (Jackson era general), a sua hegemonia sobre os novos territórios”. “Não houve negro beneficiado pelo poder do voto em qualquer dos estados incorporados de 1819 até a Guerra Civil (12 de abril de 1861 a 09 de abril de 1865)”.

A crise do ocidente: social, econômica, tecnológica, artística, familiar, que cada vez mais se aprofunda neste século 21, e, diante dos êxitos obtidos pelo contexto euroasiático, com a multipolaridade, faz-se prever proliferações das atitudes do Níger, Mali, Burkina Fasso, Sudão, Etiópia entre outros países da faixa do Sahel.

 

*Pedro Augusto Pinho, administrador aposentado.

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