Pedro Augusto Pinho*
“Lá fora, amor
Uma rosa morreu
Uma festa acabou
Nosso barco partiu
Eu bem que mostrei a ela
O tempo passou na janela
Só Carolina não viu” (Chico Buarque de Holanda, “Carolina”, 1967).
“Os discursos de ódio, a dificuldade de interpretar um texto, o desaparecimento das metáforas, a incapacidade de perceber os deslocamentos de sentido, a incompreensão das ironias, a divulgação de notícias falsas ou manipuladas e a desconsideração dos valores democráticos são fenômenos que podem ser explicados a partir de uma causa: o empobrecimento subjetivo” (Rubens Casara, “Bolsonaro o Mito e o Sintoma”, Editora Contracorrente, SP, 2020).
O juiz de direito, filósofo, professor Rubens Roberto Rebello Casara atribui ao atual estágio do capitalismo esta reorganização da personalidade do indivíduo, “alterando sua relação com o conhecimento, com o tempo, com a identidade, com a cultura e com o projeto de modernidade”.
Efetivamente diversas descobertas e situações ocorridas, principalmente após a II Grande Guerra, contribuíram para o acirramento e a ampliação de condições que somente não possuíam designações específicas nem detinham as novas tecnologias informacionais e termonucleares, mas já aconteciam no Brasil desde sua formal independência de Portugal.
Em 20 de novembro de 2024, a porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da Rússia, Maria Zajárova, afirmou que a comunidade mundial testemunhava o colapso da ideologia ocidental.
“O mundo inteiro, o mais do mundo, viu o monstruoso colapso da ideologia ocidental que não pode ser escondido. Eles só podem se esconder de seus próprios cidadãos porque, por assim dizer, eles têm a mão no botão de canais de televisão, reguladores, mídia e comunicações”, criticou a diplomata” (RT, 21/11/2024, 09h59min GMT).
Em 17/11/2024, no Portal PÁTRIA LATINA, escrevi, sob o título “Ambientalismo, identitarismo e outros modos de extinguir um país”: “Os BRICS representam o fim da era do dólar estadunidense (USD) que, pelos próprios méritos, vem se deteriorando desde o início do século XXI, aceleradamente após a crise financeira de 2008/2010. As riquezas do Brasil, não só do petróleo, como de minerais estratégicos, da Amazônia, das possibilidades de produção agrícola, tornam-nos colônia para lá de desejada, principalmente de países em decadência. Além da propagação deste ambiente bélico por outros “inimigos” dos Estados Unidos da América (EUA), como a Venezuela e a Bolívia. Portanto o Brasil é uma aposta razoável para onde a Organização do Atlântico Norte (OTAN) e os EUA deslocarão a guerra na Ucrânia”.
DO MAU MILITAR AO PRETÉRITO MAIS REMOTO
Jair Messias Bolsonaro nasceu em 1955, no pequeno município paulista Glicério, que em 2022 era habitado por 4.132 pessoas. Quando as Forças Armadas (FFAA) brasileiras forem finalmente ao divã, saberemos melhor as razões do Presidente General Ernesto Geisel ter afirmado que se tratava de um “caso completamente fora do normal, inclusive um mau militar” (Maria Celina D’Araujo e Celso Castro, organizadores, “Ernesto Geisel”, Fundação Getúlio Vargas Editora, RJ, 1997).
Expulso, mas readmitido para ser aposentado na patente de capitão, foi acusado de planejar plantar bombas em unidades militares, e resolveu, na reserva remunerada, se dedicar à política, sendo eleito vereador, no Município do Rio de Janeiro, em 1989, como membro do Partido Democrata Cristão (PDC). Iniciava a vida parlamentar sem brilho, na Câmara dos Deputados, onde por 27 anos mudando seis vezes de partido, foi caracterizado apenas pelo radicalismo de pronunciamentos contra os direitos identitários sexuais e por declarações classificadas como discurso de ódio, que incluem a defesa das práticas de tortura e assassinatos cometidos pela ditadura militar brasileira.
Ao votar pelo afastamento da Presidência da eleita Dilma Rousseff, Bolsonaro destacou-se por louvar, em plenário, o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, declarado torturador pela Justiça.
Como pessoa tão pouco capacitada intelectualmente, de comportamento antissocial, é eleita presidente só podemos imaginar recorrendo ao nosso passado e como o brasileiro se vê, não com os próprios olhos, mas com os de seus colonizadores.
O Tratado de Tordesilhas tem início com a Bula Inter Coetera (Entre outras coisas) que o Papa Alexandre VI, Aragonês de Valência (agora unificada com Castela), apresenta em 3 de maio de 1493, estabelecendo nova linha de marcação, separando as terras de Portugal e de Castela. O meridiano passava a cem léguas a oeste das ilhas de Cabo Verde. As novas terras descobertas, situadas a Oeste do meridiano, pertenceriam a Castela. As terras a leste, pertenceriam a Portugal. A bula excluía todas as terras conhecidas já sob controle de um Estado cristão.
O Brasil surge portanto antes da chegada dos portugueses, com o Tratado de Tordesilhas, assinado entre o Reino de Portugal e a Coroa de Castela, ampliando as 100 léguas do Papa para 370 léguas, pelo Tratado firmado em 7 de junho de 1494.
Este limite voltou a ser revogado, na prática, quando ocorreu a União Ibérica e Portugal ficou subordinado aos Felipe II, III e IV, de Castela (1581 a 1640), até quando se dá a Restauração portuguesa com João IV, aclamado em 15 de dezembro de 1640.
Porém estes limites geográficos também são identificados como limites culturais. A parte das Américas que foi destinada à Castela (Espanha) compreendia civilizações que competiam com as europeias em questões como escrita, arquitetura, organização social, e muitas características civilizatórias, exceto as de natureza bélica. Como ocorrera com os primitivos habitantes, saídos do extremo oriental da Ásia, os maias, astecas, incas não tinham o ímpeto conquistador, dominador, dos europeus, eram neste particular mais próximos aos ancestrais chineses.
Porém, muito provavelmente, estas terras atribuídas à Espanha, em 1491, eram mais habitadas do que toda Europa; cidade como Tenochtitlán, capital asteca, era muito maior do que qualquer capital europeia; eram agricultores mais sofisticados do que os europeus e apresentavam antiga riqueza cultural desde o período dos faraós egípcios.
Do lado português, notava-se apenas o cuidado da manutenção da floresta amazônica, fonte de vida e saúde para seus habitantes. No mais do Brasil eram ainda bastantes selvagens, bem mais próximos do que os europeus fizeram crer serem as características dos habitantes de todas as Américas.
Quando os portugueses aqui chegaram, havia entre oito e dez milhões de indígenas, residindo em aldeias, sem conexão, ou seja, eram unidades independentes. A população mais numerosa era constituída pelos Tupis, espalhados pela costa do atual estado do Ceará até São Paulo. Não tinham um sistema organizacional semelhante ao dos habitantes da América Espanhola.
Na Amazônia eram encontrados os Aruaques e os Caraíbas, mais ao norte. Os Jês ou Tapuias viviam no Planalto Central brasileiro.
Os guaranis estavam na parte espanhola do Tratado de Tordesilhas, ao sul de São Paulo.
Houve também para as Américas a vinda de povos africanos contra suas vontades. A grande maioria da etnia banto que era a maior na costa oeste do continente, predominante em Angola. Destacamos na região costeira do Oceano Atlântico: os hauçás, povo do Sahel; os iorubás ou nagôs, dos maiores grupos étnico-linguísticos da África Ocidental; e os Fulas, habitando o centro e o oeste africano, majoritários na Guiné. Os escravizados africanos constituíram a mais numerosa população brasileira no século XVIII.
Entre 1531 e 1575, 1626 e 1650, 1651 e 1670, 1676 e 1700, e entre 1701 e 1710, o número de escravizados africanos desembarcados no Brasil foi, respectivamente, 100.000, 185.000, 175.000, 153.700, e 139.000, ou seja, 752.700 pessoas (IBGE – Desembarque estimado de africanos no Brasil).
Por conseguinte, se os povos de língua espanhola ganharam suas independências em lutas de libertação (1810 a 1850), nós, brasileiros, aceitamos a concessão portuguesa, mantendo não apenas o regime político da monarquia como a própria família do monarca titular, em 1822, governando o Brasil.
Diferente da América Espanhola que, até o século XVIII, já construíra suas primeiras universidades: Universidade de São Domingos, em 1538, a mais antiga universidade das Américas; a Universidade Nacional Maior de São Marcos, em 1551, criada pelo rei Carlos I da Espanha, em Lima, Peru; a Universidade do México, em 1553, a Universidade de Bogotá, em 1662, a Universidade de Cuzco, em 1692, a Universidade de Havana, em 1728, e a Universidade de Santiago, em 1738; no Brasil, a Universidade Federal do Paraná, de 1912, é considerada nossa universidade mais antiga.
Quando o mundo ocidental entrava na II Revolução Industrial, a que usou a energia do petróleo, por volta de 1870, o Brasil era país de agricultura de exportação, escravista e de analfabetos, politica e tecnologicamente atrasado.
Aprendemos ser dóceis, submissos, despersonalizados, buscando as esmolas dos que nos exploravam; ontem portugueses, depois ingleses, estadunidenses, e, ao fim, dos capitais sem pátria.



