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A Ucrânia ofereceu auxílio e evacuou 25 latino-americanos da província de Hubei, epicentro do coronavírus. Mas o que era para ser um gesto de amizade virou um verdadeiro caos.
Na semana passada, a Ucrânia se ofereceu para evacuar cidadãos latino-americanos da província de Hubei, epicentro do coronavírus, na China. Kiev se dispôs a evacuar oito argentinos, cinco dominicanos, cinco equatorianos, quatro salvadorenhos e um panamenho, num total de 25 indivíduos.
O acordo feito com o governo de Kiev era que os latino-americanos fossem submetidos à quarentena na Ucrânia, antes de seguir sua jornada rumo a seus países natais.
Mas, ao chegarem na cidade de Novye Sanzhany, na Ucrânia, aonde deveria ter início o isolamento médico, o grupo de evacuados – que era composto em sua maioria por ucranianos – foi recebido com pedras e barricadas por manifestantes locais.
Centenas de moradores, temendo a propagação do vírus, bloquearam a estrada rumo ao hospital que abrigaria os evacuados, jogaram pedras, queimaram pneus e entraram em confronto com a polícia.
A unidade de operações especiais ucraniana teve que ser chamada às pressas e precisou utilizar dois tanques para romper as barricadas.
Exaustos e com medo, os latino-americanos permaneceram dentro de um ônibus e só puderam seguir viagem com intensa escolta policial.
Iniciativa de Kiev
A iniciativa ucraniana de evacuar os latino-americanos que, por motivos diversos, não obtiveram auxílio de seus governos, foi tomada em meio aos preparativos da visita do presidente do país, Vladimir Zelensky, à América Latina.
Kiev está empenhada em utilizar a visita para aprofundar o relacionamento com essa importante região, com a qual mantém relacionamento aquém do potencial, reportou o jornal local Evropeiskaya Pravda. A última vez que um presidente ucraniano foi à Argentina, por exemplo, foi em 1995.
Portanto, a fim de preparar o terreno para a viagem, Kiev avaliou que a evacuação de cidadãos latino-americanos poderia ser uma iniciativa positiva de relações públicas e na construção de uma boa imagem da Ucrânia na região.
A iniciativa não poderia ter dado mais errado. O jornal argentino El Día escreveu “moradores locais recebem evacuados com pedras”. “Estudante panamenha vive momentos de terror na Ucrânia”, acrescenta o Mi Diário, do Panamá. “Ucranianos jogam pedras contra evacuados, inclusive dominicanos”, escreveu o veículo local Hoy.
As autoridades ucranianas condenaram a reação dos manifestantes de Novi Sanzhary e o “inferno local” que criaram para os evacuados, escreveu o Evropeiskaya Pravda.
O presidente ucraniano, Vladimir Zelensky, lamentou que, naquele dia, os ucranianos mostraram ao mundo “nem de longe o melhor lado de nosso caráter”.
Para a surpresa de muitos, os manifestantes não canalizaram sua frustração e violência contra estrangeiros evacuados de Hubei, mas contra os próprios ucranianos.
“Não há perigo bacteriológico. Mas há um outro perigo, sobre o qual eu gostaria de falar”, disse Zelensky. “O perigo de que nós esqueçamos que somos todos humanos, e que nós todos somos ucranianos. Cada um de nós. Inclusive, aqueles que estavam em Wuhan durante a epidemia.”
Apesar das palavras do presidente, as imagens dos ônibus apedrejados e de cidadãos apavorados em uma terra estrangeira devem prevalecer na mente dos leitores latino-americanos, muitos dos quais têm pouco conhecimento sobre a Ucrânia, lamentou o Evropeiskaya Pravda.
Em 20 de fevereiro, protestos violentos eclodiram na Ucrânia em resposta à chegada de cidadãos ucranianos e estrangeiros evacuados da cidade de Wuhan e da província de Hubei, epicentro do coronavírus. As autoridades ucranianas ainda investigam o incidente, que pode estar ligado à propagação de notícias falsas sobre o coronavírus.