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sexta-feira, 19 abril, 2024

ABAIXO A INTELIGÊNCIA E VIVA A MORTE

Pedro Augusto Pinho*

Entre 10 de maio e 21 de junho de 1933, diversas cidades alemãs ergueram fogueiras, piras pelas ruas, para celebrar a ignorância. Foram queimadas obras de Thomas Mann, Hermann Hesse, Walter Benjamin, Heinrich Heine, Friedrich Nietzsche, Erich Maria Remarque, Sigmund Freud e de escritores, em idiomas distintos do alemão, como André Gide, Franz Kafka, Marcel Proust, Scott Fitzgerald, André Malraux, H.G. Wells.

Na década de 1940, a tragicômica figura de José Millán-Astray y Terreros clamava por Burgos, Salamanca e Madri seu infame bordão: “viva la muerte”, sob a proteção do Generalíssimo Francisco Franco Bahamonde.

Nossas, breve, fugitiva ou extremamente evangélica, personalidades públicas da educação bolsonara, nem gozarão da discutível celebridade dos piromaníacos germânicos ou do aleijão mental galego.

Mas sentiremos a degradação sistemática da educação universal e de qualidade, com a redução de conteúdo, tempo e outros obstáculos ao ensino no Brasil.

Admitindo, ad argumentandum tantum, existirem mazelas em profusão, deixadas por governos anteriores, o que se poderia esperar de um governante interessado na educação? Ficar no palanque vociferando: comunistas, comunistas, ou implementar rapidamente um programa de ensino para que todos vissem o que é conhecimento ao invés de doutrinação.

Em 19 meses do atual governo, o Brasil se envergonhou com os seguintes ministros da educação:

Ricardo Vélez, por 94 dias, o breve;

Abraham Weintraub, o fujão, para evitar condenação penal;

Carlos Decotelli, o sem currículo;

Renato Feder, o do currículo comprometedor; e

Milton Ribeiro, teólogo presbiteriano, o inimigo do sexo. Em atividade.

Colocar os recursos já existentes e ociosos do rádio e da televisão para levar aos mais remotos pontos do País a palavra de mestres, com diversas capacitações, mas coerentes, que possibilitasse difundir a instrução para todos brasileiros, nem foi aventado. Embora a pandemia que nos assola recomende fortemente o uso desses recursos, evitando assim o contágio e a expansão, entre crianças e jovens, do corona vírus.

No programa Linha Direta, das TVs Comunitárias do Rio e Brasília, em 11/08/20, sob o título “Educação Remota e Canais Ociosos”, discutiram os jornalistas Moysés Corrêa, Beto Almeida e Chico Sant’anna, os dois últimos de Brasília, sobre as formas de educação nestes tempos de pandemia.

O artigo de Chico Sant’anna, publicado no Correio Braziliense, “Pandemia, educação e meios de comunicação de massa” deu motivo ao debate na televisão. Escreve este jornalista, doutor em ciência da informação:

“Falar em meios de comunicação de massa em pleno século 21, tempo de webplataformas, aplicativos, redes sociais, pode parecer um papo meio sobre pré-história das tecnologias da informação. Evoluímos muito nas últimas décadas, mas a evolução não foi socializada para todos e muitos ainda vivem profundo apartheid tecnológico e, consequentemente, social”.

E, então, enumera o que se deixou de fazer ou nunca se quis verdadeiramente construir para a educação brasileira. Transcrevo do citado artigo:

“O Brasil possui larga tradição de ensino a distância via rádio e TV. Só para citar exemplos mais recentes, tivemos, na TV, o Telecurso 2º Grau e, no rádio, o Projeto Minerva, que ocupava meia hora de transmissão a partir das 20 horas para educar adultos. Tudo foi deixado de lado com o discurso fácil da informática. Na era Collor, trocaram o projeto Minerva por inserções institucionais do Ministério da Educação em rádio e TV. O Telecurso migrou para a internet. Deveríamos retomar com urgência essas experiências. O momento é de encontrar soluções que assegurem o aprendizado universal.

Não seria difícil tarefa nem mesmo aqui em Brasília. O Governo do Distrito Federal possui a Rádio Cultura FM, que poderia transmitir os conteúdos necessários aos estudantes em diferentes horários e até em rede com uma trintena de rádios comunitárias operando nas cidades do Distrito Federal.

A tecnologia da TV digital permitiu o milagre dos peixes: a multiprogramação. Um canal vira quatro. TVs Senado, Câmara, Justiça e Brasil se valem desse recurso tradicionalmente. Os canais legislativos o usam para transmitir mais de uma comissão ao mesmo tempo. Como não há sessões das comissões, esses canais, agora ociosos, poderiam, mediante acordo ou convênio, transmitir na capital federal aulas para diferentes níveis”. Em canais abertos, sem qualquer ônus para o povo.

Mas serão a educação, a saúde, a higiene, o saneamento objetivos deste governo, ou apenas a transferência de trilhões e mais trilhões de reais para os bancos aplicarem em títulos públicos, fazendo-nos devedores de volumes de dinheiro crescentemente maiores.

Sob o manto do combate à corrupção e ao comunismo, o Governo Bolsonaro vem demolindo o Brasil, deixando o povo sem emprego e sem assistência, o que a covid 19 está expondo.

Educação não é plano de governo. É um projeto de Nação soberana. Um projeto permanente pois as relações do homem com a natureza e entre si estão em contínua transformação.

Educar também não é um projeto etário. Educa-se continuamente, pois o saber é necessário para as atividades humanas, e estas nunca se esgotam, e consequentemente nem a necessidade de conhecimentos.

O Brasil, desde o Império, teve pedagogos de reconhecida competência; com as condicionantes das diversas épocas elaboraram propostas de ensino. Mas sofremos o mal da descontinuidade, das ideologias e dos modismos.

O saber, como se entende atualmente, se dá a partir da realidade vivida, das referências que temos e que, a partir delas, respondendo a suas demandas e nossas necessidades, erigimos nosso conhecimento.

O saber é como o descascar sem fim, a cada volta se aplica um letramento, agora a designação, agora a qualidade, agora a forma, a beleza, o prazer, o domínio, e a cada volta vai se conhecendo mais e melhor a realidade que nos envolve.

O ensino se desenvolve nas comunidades, nas vilas, nos distritos, nos falares e referências locais. Por isso o rádio, que tem esta capacidade e mobilidade, é um instrumento poderoso neste país de mais de oito milhões e quinhentos mil quilômetros quadrados. As condições brasileiras não têm iguais na Europa. Apenas a Rússia, a China, os Estados Unidos da América (EUA) e, eventualmente, a Austrália poderiam se defrontar com questões semelhantes.

Mas destes todos, pelos resultados alcançados, reconhecemos o exemplo bem sucedido da educação na Rússia.

Foi o primeiro país a colocar um satélite e um homem no espaço e agora, passados mais de 60 anos, é o primeiro a desenvolver a vacina para a pandemia que mudou a vida nas cidades, em todo mundo.

Apenas um projeto de educação com a mesma continuidade e dedicação do projeto de defesa nacional pode alcançar os feitos da Rússia. E é um projeto que se manteve malgrado as alterações profundas de poder e da ideologia dominante.

Apesar disso não é um modelo a ser copiado. Cada país precisa ter o seu próprio modelo. Mas é um exemplo a ser estudado. Se o povo, em algum momento, entender a importância da educação e obrigar o governo a desenvolver um projeto que atenda ao Brasil, a todos os rincões de nossa Pátria, em instrumentos, materiais didáticos, adequação regional, com sentido nacional, e muitas mais variáveis, deveremos estudar a Rússia.

*Pedro Augusto Pinho, avô, administrador aposentado.

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