Carlos Zucolotto (à esquerda) e Moro tietam Samuel Rosa, do Skank (Divulgação)
por André Barrocal — Carta Capital
Diálogo via celular consta de livro do ex-advogado da Odebrecht. Refugiado na Espanha, ele falará à CPI da JBS dia 30
Um personagem misterioso prestará à CPI da JBS na quinta-feira 30 um depoimento que promete emoções. Não que tenha algo a dizer sobre o frigorífico que atazana a vida do presidente Michel Temer, motivo da criação da comissão parlamentar de inquérito. Seus alvos são outros: a República de Curitiba e a Odebrecht.
À CPI, Rodrigo Tacla Duran dará seu primeiro depoimento formal a alguma autoridade brasileira, apesar de ser um dos investigados da Operação Lava Jato.
O advogado de 44 anos trabalhou para a Odebrecht de 2011 a 2016 e é acusado pelo Ministério Público (MP) de participar de esquemas de lavagem de dinheiro e pagamento de propina. Foi preso em novembro de 2016, na 36a fase da Lava Jato, por ordem do juiz Sérgio Moro.
Como tem cidadania espanhola, já estava na Europa, pois se sabia investigado, e foi capturado pela Interpol. Saiu da prisão em janeiro deste ano e, em julho, conseguiu que a Justiça da Espanha negasse sua extradição. É tratado por Moro e a força-tarefa como “foragido”.
Ele negociou uma delação com o MP mas não chegou a assiná-la, pois teria de confessar crimes que, diz, não cometeu. E aí foi para o ataque, com acusações aos métodos da força-tarefa, suspeitas sobre Moro e denúncias de uma “indústria da delação” em Curitiba.
Pelo que diz, recorreu a uma “panela” de advogados em Curitiba para conseguir facilidades junto ao MP ao negociar a delação. O escolhido para negociar em seu nome foi o advogado Carlos Zucolotto Jr., padrinho de casamento de Moro e sócio de uma banca que já teve a esposa do juiz, Rosângela.
Zucolotto tinha sido correspondente do escritório de Duran em Curitiba. Sua entrada em cena teria conseguido baixar de 15 milhões para 5 milhões de reais a multa que a força-tarefa queria de Duran numa delação. A redução teria sido costurada na base de grana, 5 milhões.
Duran diz ter duas provas dos contatos e dos resultados da ação de Zucolotto, que nega tudo. Uma das provas é uma conversa tida por eles pelo celular através do aplicativo Wicker, que destrói as mensagens assim que estas são lidas. Ele fotografou a conversa e a submeteu a uma perícia.
CartaCapital teve acesso ao conteúdo alegado da conversa, o qual está reproduzido em um livro que Duran prepara, intitulado por ora de “Testemunho – O que sei sobre Odebrecht e a Operação Lava Jato”.
A ocorrência dos contatos entre Duran e Moro já tinha sido noticiada pela Folha, em agosto. Na época, Moro divulgou nota a chamar de “absolutamente falsa” a afirmação do “foragido” de que Zucolotto teria lhe ajudado. Para o juiz, o nome de seu amigo foi usado “para denegrir-me”
A outra prova da intermediação de Zucolotto seria um e-mail enviado à defesa de Duran por três procuradores da força-tarefa, Carlos Fernando do Santos Lima, Roberson Pozzobon e Julio Noronha, com uma minuta de acordo de delação.
Nessa minuta, segundo Duran, haveria uma pista sobre os 5 milhões que seriam usados para azeitar o acordo. A multa de 15 milhões seria paga com dinheiro de uma conta sabidamente sem fundos. Nesse caso, a multa ficaria automaticamente reduzida a 5 milhões.
Na nota de agosto, Moro também defende o MP das alegações de Duran. “Nenhum dos membros do Ministério Público Federal da força-tarefa em Curitiba confirmou qualquer contato do referido advogado sobre o referido assunto ou sobre qualquer outro porque de fato não ocorreu qualquer contato.”
Pelo que diz Duran, a delação da Odebrecht seria praticamente uma fraude, construída dessa forma com a cumplicidade da força-tarefa de Curitiba.
A empreiteira revelou somente sobre uma das contas utilizadas para pagar “por fora” o casal de marqueteiros João Santana e Monica Moura, a Shellbill. A dupla receberia dinheiro por outras três contas também, a Deltora Entreprise Group, a Zeal e a Nicolas Sawne Barake.
Outra informação pela metade, conforme o advogado: ao abrir o jogo sobre seu sistema eletrônico usado para gerenciar o pagamento de propinas, a Odebrecht falou apenas do Drousys, mas preservou das vistas da Justiça e do MP aquele que seria o sistema completo da propinagem, o My Web Day. Este último conteria informações até do suborno a juízes.
Será que existe mesmo? Se sim e nos termos de Duran, ao escondê-lo da Justiça a Odebrecht conseguiu preservar um bocado de capital político para o dia em que se livrar dos processos. Seus executivos já cumprem pena em decorrência da delação.
A fonte das informações prestadas pela Odebrecht na delação é de fato um mistério, mesmo no caso do Drousys. No acordo de delação, há uma cláusula que permite ao MP guardar o sistema para si e negar o acesso a quem quer que seja.
Trata-se da cláusula 2 do anexo. Diz ela: “O órgão custodiante dos Sistemas no âmbito do MPF será a Procuradoria Geral da República, à qual caberá:”. E, no item IV da cláusula, diz: “não autorizar o fornecimento de cópia integral dos Sistemas a terceiros”.
A defesa do ex-presidente Lula, por exemplo, tenta sem sucesso ter acesso a todos os sistemas de propinagem, já que no processo sobre o sítio de a Atibaia há acusações odebrechtianas. No início do mês, pediu a Moro para que Duran fosse ouvido, mas o juiz negou.
“Nós da defesa do presidente Lula queremos abrir o My Web Day. Temos certeza de que o nome dele não está lá”, diz o deputado Paulo Pimenta (PT-RS), membro da CPI da JBS.
No fim de outubro, Pimenta esteve com Duran na Espanha, juntamente com o deputado Wadih Damous (PT-RJ), a negociar o depoimento do advogado por vídeoconferência.
A dupla petista gravou uma conversa de uma hora e dez minutos com o advogado e, na volta ao Brasil, protocolou seu conteúdo nos arquivos da CPI. Foi com base na gravação que o comando da comissão marcou o depoimento para o dia 30.