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quarta-feira, 4 dezembro, 2024

A política está pautando o judiciário, e não o contrário.

Entrevista especial com André Duarte

IHU – Unisinos
Adital

“O que está em jogo agora não é a defesa deste governo, deste Partido, desta Presidenta, mas sim a defesa do estado de direito e da própria democracia”, diz o filósofo.

*Por Patricia Fachin e Márcia Junges

A tese de que a política está subordinada ao judiciário, que ficou conhecida como “judicialização”, não é “suficiente para abordar o pedido de impeachment da Presidenta Dilma, pois dá a entender que a política está sendo subordinada a argumentos de caráter estritamente jurídico, quando me parece que é o contrário: o que está acontecendo agora no país é que a política está pautando o direito e o próprio judiciário”, argumenta André Duarte à IHU On-Line, na entrevista concedida por e-mail.

De acordo com o filósofo, apesar de o impeachment ser um “dispositivo constitucional”, está “evidente” que o pedido de afastamento da presidente da República “baseia-se em argumentos jurídicos bastante pobres, carecendo de provas cabais e contundentes de que ela tenha cometido crimes de responsabilidade, como requer a Lei do Impeachment”. Na avalição dele, o pedido de impeachment “recorre a ilações não comprovadas de suposto envolvimento da Presidenta com atos de corrupção, sugere que Dilma teria se omitido quando poderia ter estancado esquemas de corrupção da Petrobras, bem como lança mão das tais pedaladas fiscais, que certamente constituem irregularidade administrativa, praticada, aliás, por inúmeros governadores”.

Na entrevista a seguir, Duarte frisa que uma análise da crise política “mais de perto” não garante que se possa explicá-la “recorrendo à noção de crise de representatividade”. E explica: “Talvez fosse mais adequado falar em crise e deformação específicas do nosso sistema político” porque, “depois de vitórias sucessivas do PT no nível Executivo, elegeu-se um Congresso Nacional que é considerado por muitos como o mais conservador desde 1964”.

A crise atual, reforça, “parece ser mais do próprio sistema político brasileiro, isto é, parece estar mais relacionado às suas distorções internas, tais como o financiamento privado de candidatos e Bancadas inteiras”. Apesar de apostar na necessidade de uma “profunda reforma política” para “fortalecer a nossa democracia”, dado o atual momento político e as denúncias que recaem sobre o ex-presidente Lula, “já não há mais como compor o tecido político recorrendo a Lula”. E questiona: “Como imaginar um entendimento entre situação e oposição a esta altura dos acontecimentos? Esse entendimento não interessa, sobretudo, à oposição, que está vendo se desenhar à sua frente a incrível chance de chegar à Presidência sem passar pela via eleitoral, pela via indireta”.

André Duarte é coordenador do Programa de Pós-Graduação em Filosofia da Universidade Federal do Paraná – UFP. É autor de Vidas em Risco: crítica do presente em Heidegger, Arendt e Foucault (RJ: GEN/Forense Universitária, 2010); O pensamento à sombra da ruptura: política e filosofia em Hannah Arendt (RJ: Paz e Terra, 2000).

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Como o senhor está acompanhando o atual momento político do país?

André Duarte – Com muita apreensão. Jamais imaginei que chegaríamos a esse ponto de não saber quem governará o país amanhã de manhã. O clima de incerteza político é altíssimo e as perspectivas são efetivamente sombrias, mesmo que o pedido de Impeachment não seja aprovado, hipótese que me parece um tanto remota. E se finalmente for aprovado, a situação política e econômica do país pode piorar, e muito. Se é certo que o impeachment é um dispositivo constitucional, está cada vez mais evidente para muita gente que ‘este’ pedido de afastamento da presidenta Dilma Rousseff baseia-se em argumentos jurídicos um tanto quanto pobres, pois carece de provas cabais e contundentes de que ela tenha cometido crimes de responsabilidade, como requer a Lei do Impeachment.

Apesar de haver uma nítida reviravolta na opinião pública desde as manifestações populares dos dias 18-03 e 31-03, quando finalmente muitas pessoas manifestaram seu desacordo com relação aos riscos institucionais e políticos implicados neste processo de Impeachment, ainda assim acredito que a Comissão aprovará o pedido e que a Câmara votará pela deposição de Dilma. E isso pode abrir as portas do inferno, instaurando uma incerteza institucional muito grave no país, por longo tempo. Ou alguém imagina que todo mundo aceitará pacatamente a deposição de Dilma por parte de Cunha e seus aliados e com base num processo que é questionado por diversos juristas, inclusive?

IHU On-Line – Como avalia a discussão que tem sido feita sobre a judicialização da política neste momento? Quais as causas e consequências da judicialização?

André Duarte – Falar em judicialização da política não me parece suficiente para abordar o pedido de Impeachment da Presidenta Dilma, pois dá a entender que a política estaria sendo inteiramente subordinada a argumentos de caráter estritamente jurídico, quando me parece que é o contrário o que está acontecendo agora no país, ou seja, é a política que está pautando algumas interpretações do direito e algumas ações do próprio judiciário. São muito questionáveis os argumentos jurídicos para o pedido do impedimento, pois até o momento não se apresentaram provas cabais de que a Presidenta tenha cometido atos criminosos.

O atual pedido jurídico recorre a ilações não comprovadas de suposto envolvimento da Presidenta com atos de corrupção, sugere que Dilma teria se omitido quando poderia ter estancado esquemas de corrupção da Petrobras, bem como lança mão das tais pedaladas fiscais, que certamente constituem irregularidade administrativa, praticada, aliás, por inúmeros governadores. No entanto, este é um argumento cuja validade depende de boas “pedaladas hermenêuticas” para embasar um pedido de afastamento, como disse um jurista que conhece bem o assunto.

Tudo isso mostra que o direito comparece no pedido de Impedimento um tanto a título formal, uma vez que o que importa de fato é a motivação política do pedido. Temos então a ideia de que somente depondo-se a Presidenta se conseguirá restaurar a ordem política e econômica do país, o que também é questionável, visto que se pode argumentar com plausibilidade que a aprovação do impedimento acenderá um barril de pólvora atrás do outro.

É certo que direito e política estão sempre relacionados e que não é simples pensar um perfeito equilíbrio entre ambos, talvez essa situação ideal nem exista. Mas na crise atual me parece haver um nítido desequilíbrio entre direito e política no sentido de uma indevida e perigosa politização do direito.

Penso que isso é muito danoso para a democracia, pois na ausência de claro embasamento legal, que possa dar legitimidade a um ato político tão drástico como o Impedimento, o que estamos fazendo é brincar com fogo. Se houvesse prova cabal de que Dilma cometeu atos criminosos não creio que estivéssemos sujeitos a tamanhas incertezas políticas. Também não custa lembrar que o recurso ao instituto do Impeachment foi anunciado por Reinaldo Azevedo no seu blog da Veja como o último recurso para os derrotados, e isso no exato momento em que o TSE declarou a vitória de Dilma nas eleições de 2014. É a história do 3º turno de uma eleição que não parece terminar nunca.

“Na crise atual me parece haver um nítido desequilíbrio entre direito e política no sentido de uma indevida e perigosa politização do direito”

IHU On-Line – Como está analisando a discussão sobre o impeachment da presidente Dilma Rousseff e do vice-presidente Michel Temer neste momento?

André Duarte – Acho que o processo de Impedimento está corrompido desde o princípio, a começar pelo fato de que quem o conduz é réu em investigações criminais. Como é que nós vamos explicar um absurdo desses às nossas crianças daqui a alguns anos nos cursos de História? Todo mundo sabe que o pedido de Impedimento somente foi aceito por Cunha no momento em que os parlamentares do PT votaram pela instauração de uma investigação que o atingia diretamente, isto é, a título de pura retaliação política.

Antes disso, o próprio Cunha havia reconhecido que o pedido era desprovido de base legal; aliás, Temer também havia dado declarações nesse sentido no ano passado. Então o que se percebe é a motivação política para derrubar a Presidenta eleita, o que transparece para muitos como um grave atentado contra a soberania popular democrática. Todo mundo pode ter inúmeras discordâncias e críticas em relação a este Governo, eu mesmo as tenho e não conheço quem não as tenha, em maior ou menor grau.

Por outro lado, num regime Presidencialista não faz sentido recorrer a um Impeachment inspirando-se em procedimentos políticos que lembram os do Parlamentarismo, isto é, recorrendo a um voto de desconfiança do Parlamento em relação ao primeiro Ministro diante de grave crise política ou econômica. Além disso, ao contrário do que ocorreu no caso do Impeachment do Presidente Collor, não tivemos sequer a instalação de uma CPI que pudesse instaurar investigações para estabelecer provas que pudessem então ser examinadas e avaliadas no Congresso.

Nem a Operação Lava Jato conseguiu produzir essas provas contra a Presidenta: tudo que há são suspeitas não comprovadas. E a mídia, que no caso de Collor desempenhou importante papel investigativo, agora se limitou a decretar que Dilma teria cometido crimes de responsabilidade, dando assim embasamento político para o pedido de Impedimento que agora se encontra no Congresso. Há uma total perversão deste instituto constitucional, que está sendo empregado para destituir do poder uma Presidenta fragilizada politicamente, mas contra a qual ninguém conseguiu, ao menos até agora, descobrir qualquer prova de que ela tenha cometido crimes passíveis de tal punição. Por fim, se vão decretar o impedimento de Dilma por conta das pedaladas fiscais, pareceria apenas natural que todos os demais governantes que também as praticaram fossem impedidos, o que mostra claramente o absurdo desse processo.

IHU On-Line – Como avalia os discursos que tentam reduzir a discussão política atual em uma defesa ao governo ou em uma oposição a ele?

André Duarte – Acho contestável esse argumento que reduz a discussão política atual a uma oposição dual entre governistas e oposição. Muita gente que contesta o pedido de Impedimento não é favorável aos rumos do segundo Governo Dilma. O que está em jogo agora não é a defesa deste Governo, deste Partido, desta Presidenta, mas sim a defesa do estado de direito e da própria democracia. É como disse um dos ministros do STF, Impeachment sem base legal comprovada transparece como golpe. Pode-se tecer quantas críticas quiser a este segundo Governo Dilma, mas o melhor remédio para um governante que seja considerado ruim num regime Presidencialista ainda é aguardar as próximas eleições e eleger a oposição.

O problema é que a oposição, particularmente o PSDB e o PMDB, não parecem confiar que possam vencer as próximas eleições. Em suma, acho que nesse momento não se pode assumir um ar altivo e dizer: não sou nem a favor nem contra o Impeachment ou o Governo, sou independente, acho que as duas partes estão erradas. Há uma situação política crítica e aqui é preciso ter uma opinião e assumir as consequências dessa opinião, para um lado ou para outro. Essa independência ou autonomia política pode ser muito salutar em diversos momentos da vida política ordinária do país; mas há momentos decisivos em que é preciso assumir uma posição.

“Não estamos assistindo ao desenrolar de um Fla x Flu político”

IHU On-Line – Em que sentido esses discursos reducionistas terminam por fomentar um clima de ódio e instabilidade política?

André Duarte – Volto a insistir que, de meu ponto de vista, não estamos assistindo ao desenrolar de um Fla x Flu político, metáfora frequente, mas que me parece equivocada, pois faz supor que haveria algum equilíbrio entre as duas forças em disputa, os vermelhos e os verde-amarelos, digamos. Não é isto o que temos assistido. Acho que a situação política tornou-se extrema e perigosa porque foi desequilibrada de maneira unilateral desde o começo do segundo Governo Dilma, em vista do acirramento da já intensa campanha midiática no sentido de desmoralizar um dos lados do espectro político, aquele situado um pouco mais à esquerda, o qual passou a ser sistematicamente identificado negativamente como o lado dos corruptos, dos Petralhas, dos bandidos, dos comunistas, dos vermelhos, dos ditadores, dos aloprados, etc.

O desequilíbrio na correlação de forças foi absurdo até as manifestações de 18 e 31 de março deste ano, ou seja, até ontem! Até ali muita gente tinha medo de se dizer contrária ao Impeachment. As pessoas já estavam sendo hostilizadas pelo simples fato de usarem roupas vermelhas em público, incluindo-se aí bebês e cachorrinhos! Por outro lado eu não vi hordas de pessoas vestindo roupas vermelhas e agredindo ou hostilizando de maneira violenta outras pessoas que por ventura estivessem vestindo a camiseta verde e amarela da CBF.

IHU On-Line – Em que sentido o momento político brasileiro aponta para os limites da representatividade?

André Duarte – Essa é uma questão importante e difícil e tem de ser pensada em níveis distintos de alcance, desde uma reflexão geral sobre os limites da democracia representativa, até aspectos mais limitados da crise atual em suas circunstâncias particulares, instância em que talvez não seja tão adequado falar em crise de representatividade. Se pensarmos em termos gerais, creio que há uma crise de representatividade que não é apenas brasileira, mas talvez mundial, mas que no Brasil adquire forte gravidade. Há entre nós uma desconfiança muito grande com relação ao sistema político e, sobretudo, contra os próprios políticos.

As pessoas votam pelos motivos mais variados e rapidamente se esquecem em quem votaram, não controlam seus representantes nem sabem o que eles de fato estão fazendo; quando muito, lembram-se deles quando seus nomes aparecem envolvidos em escândalos de corrupção, e pouco se importam. Aliás, o fenômeno da indignação com a corrupção tem de ser referido à atual campanha midiática de demonização do PT. Se a indignação não fosse tão seletiva e se não estivéssemos tão acostumados a uma atitude complacente ou resignada diante da corrupção generalizada, já não teríamos mais o Eduardo Cunha como Líder da Câmara, em vista de todas as provas existentes e atestadas publicamente de que ele recebeu dinheiro escuso. Nesse sentido a crise de representatividade está ligada à ausência ou à carência de cultura política no país e creio que isso tem que ver com motivos históricos profundos e de longa duração: ao longo da história republicana do país, o grosso da população sempre esteve muito apartado da cena política e, ainda mais, da classe política.

Em certo sentido o PT foi uma tentativa de modificar essa situação, embora não creia que o Partido tenha sido bem-sucedido nessa tarefa, sobretudo depois de ser eleito para a Presidência em 2002. O PT, uma vez na Presidência, se afastou de suas bases populares e estabeleceu pactos políticos com setores conservadores, embora, cumpre notar, não tenha aberto mão da implementação de um projeto político de inclusão que produziu efeitos sociais jamais antes vistos no Brasil. Mas o PT perdeu uma oportunidade histórica de politizar as parcelas mais pobres da população, preferindo investir na integração social pela via do consumo – o que, convenhamos, tampouco é criticável em sentido absoluto num país como o nosso.

Por outro lado, quando analisamos a crise política atual mais de perto, já não estou certo de que possamos explicá-la recorrendo à noção de crise de representatividade. Talvez aqui fosse mais adequado falar em crise e deformação específicas do nosso sistema político. Explico-me: depois de vitórias sucessivas do PT no nível Executivo, elegeu-se um Congresso Nacional que é considerado por muitos como o mais conservador desde 1964. É claro então que a composição desse Congresso tem de ser entendida em termos de uma rearticulação do campo político conservador pela via do Legislativo, com o surgimento de Bancadas muito específicas e fortes, de perfil muito conservador e articulado, a mais evidente delas sendo a Bancada Evangélica. Ou seja, a crise política de agora diz respeito à impossibilidade de entendimento entre Legislativo e Executivo.

O Congresso atual representa muito bem os setores conservadores do país. No entanto, também há distorções muito fortes do próprio sistema político brasileiro que permitiram essa composição particular do Legislativo, tais como o financiamento privado de candidatos e Bancadas inteiras, o tempo de televisão, a multiplicação de partidos sem consistência política e ideológica, meras legendas de aluguel à espera de quem mais lhes ofereça poder, cargos e benesses econômicas, em troca de apoio fisiológico e oportunista. Sem uma profunda reforma política, não haverá alternativas positivas para fortalecer nossa democracia.

“Sem uma reforma política e sem uma reforma da mídia, não haverá democracia digna desse nome no Brasil”.

IHU On-Line – O que seria um uso adequado do espaço público para discutirmos o atual momento de crise que o país vive, sem pender para discursos autoritários?

André Duarte – Penso que não poderemos lograr uma democracia mais saudável sem uma profunda reforma da mídia e de seu papel informativo, que precisa se tornar mais plural e menos homogênea, mais diversificada e menos monopolizada. Os grandes meios de comunicação estão concentrados nas mãos de pouquíssimas famílias e isso gera distorções políticas muito intensas.

Não conheço país onde uma única rede de televisão tenha tamanho poder como no Brasil. Como construir uma democracia forte nesta conjuntura em que há um 4º poder que pode fazer e dizer o que bem quiserem seus donos? Como pensar a possibilidade de uma discussão público-política na ausência de uma mídia plural? Como construir uma cultura política de massas na ausência de uma multiplicidade de meios de informação? Em geral os países democráticos mais desenvolvidos têm mídias que operam por nichos culturais e ideológicos mais ou menos bem estabelecidos: há jornais com tendências editoriais mais ao centro, mais à direita, um pouco mais à esquerda, ou francamente de esquerda. Claro que eles não têm o mesmo poder de alcance entre si, mas ao menos se preserva um pouco mais a multiplicidade de pontos de vista.

No Brasil tornou-se impossível ler a maior parte das revistas semanais, pois não passam de lixo editorial oportunista. O mesmo está acontecendo com os grandes jornais, cuja parcialidade travestida de neutralidade e objetividade vem sendo sistematicamente desmascarada pela atividade de blogueiros independentes, mas isso é pouco e não chega a ser propositivo em termos de reformas necessárias. Sem uma reforma política e sem uma reforma da mídia, não haverá democracia digna desse nome no Brasil. Mas o problema é: como imaginar que o Congresso que aí se encontra terá interesse em promover reformas que significariam a própria extinção de muitos de seus deputados em eleições futuras? E ainda mais: como imaginar a possibilidade de uma reforma da mídia por parte de um Governo completamente acuado e desmoralizado por essa mesma mídia?

IHU On-Line – Que propostas sugere no sentido de pensar alternativas para refazer ou recompor o tecido social e político do país? O que seria uma alternativa para solucionar a crise política?

André Duarte – Aqui só posso afirmar coisas muito gerais, aquelas que quase todo mundo menciona: reforma política, reforma da mídia, reforma tributária, controle da evasão fiscal, controle da corrupção são alguns dos elementos indispensáveis para começarmos a restabelecer a confiança da população na democracia brasileira. Mas não vejo como isso possa ocorrer no clima polarizado e hostil que se instaurou desde a posse do segundo governo Dilma.

Realmente a situação ficou muito complicada. Se derrubarem a Presidenta a instabilidade política será mais do que previsível; se o Impedimento não for aprovado no Congresso ou for questionado no STF, tampouco haverá paz política e econômica pelos próximos dois anos. Mas não deixa de ser significativo todo o esforço concertado do Judiciário, da oposição e da mídia para impedir Lula de se tornar Ministro. Isso parece mostrar que talvez ele pudesse conseguir costurar acordos que viessem a pacificar o clima político no país, sobretudo se tivesse sido chamado a participar do Governo há mais tempo, talvez já desde o final de 2015. Nenhum outro político nacional tem maior capacidade negociadora do que ele. Mas agora é tarde demais, houve uma campanha bem articulada para impedir que isso acontecesse.

Como imaginar agora um entendimento entre situação e oposição, a esta altura dos acontecimentos? Mas note-se bem: esse entendimento não interessa, sobretudo, à oposição, que está vendo se desenhar à sua frente a incrível chance de chegar à Presidência sem passar pela via eleitoral, pela via indireta.

IHU On-Line – Como analisa os desafios da democracia brasileira para os próximos anos?

André Duarte – Houve uma interrupção do processo de amadurecimento e estabilização das instituições democráticas no país, que, vale notar, ainda são jovens. Aprove-se ou não o Impedimento, o estrago político está feito, e ele começou a se agravar desde o dia em que a oposição decidiu partir para o tudo ou nada. Se o Impedimento for aprovado, ele será interpretado por muitos como um acontecimento traumático, como um golpe contra a democracia. Se não for aprovado, haverá imenso descontentamento de vastas e diversas parcelas da população. Mas ao menos esse sentimento poderá ser canalizado eleitoralmente em 2018.

Para o futuro da democracia brasileira, penso que o melhor cenário seria o de que o Impedimento não fosse aprovado – o que acho pouco provável. Não passando o Impeachment, que venham as eleições de 2018 e que ganhe quem mais votos tiver. Essa é a lógica do jogo democrático. Se isso puder acontecer, talvez possamos aprimorar nossa democracia em menos tempo. Talvez. Mas se o Impedimento for aprovado, temo pelo futuro de nossa democracia, pois então levaremos muito mais tempo para restabelecer a confiança de boa parte da população no sistema político democrático brasileiro.

Fonte:IHU/Unisinos

IHU – Unisinos

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