‘Por trás do desmonte da Petrobras está a desnacionalização da economia brasileira’, avalia Guilherme Estrella em entrevista para Luis Nassif na TV GGN
O geólogo é considerado o “Pai do Pré-Sal”, por ter coordenado os estudos que levaram à descoberta de um dos maiores depósitos de petróleo e gás natural do mundo, em 2006, na costa brasileira.
Em entrevista para o jornalista Luis Nassif, na TV GGN, Estrella fala da sua percepção sobre o processo de vendas de subsidiárias da Petrobras e leilão de campos do Pré-Sal para empresas estrangeiras. Nacionalista e desenvolvimentista, o geólogo não vê com bons olhos esse processo.
“A Petrobras está sendo esquartejada. Já vendemos os gasodutos, que compõe um ativo fundamental para a operação de todo o sistema”, destacou.
Em abril deste ano, a Petrobras anunciou a venda TAG (Transportadora Associada de Gás), companhia responsável por uma rede de 4,5 mil km de extensão de gasodutos localizados nas regiões Norte e Nordeste, para um grupo formado pela francesa Engie com recursos do fundo canadense CDPQ. Alguns anos antes, em setembro de 2016, a companhia brasileira já havia vendido a Nova Transportadora Sudeste (NTS), um dos braços da TAG com 2,5 mil quilômetros de gasodutos, para o consórcio liderado pela canadense Brookfield.
O processo de desmonte da companhia de petróleo brasileira, chamado de “plano de desinvestimentos”, inclui ainda a venda de refinarias e campos de petróleo, mesmo aqueles localizados no Pré-Sal.
“Se há interesses empresariais, financeiros e estrangeiros que querem conquistar o mercado brasileiro pela ‘competição’, a bandeira que eles levantam à torto e a direito, porque eles [grupos privados e estrangeiros] não constroem uma refinaria para concorrer com as refinarias da Petrobras?”, questiona Estrella.
“O patrimônio da Petrobras é precioso e a gente precisa citar isso. A empresa tem como seu acionista majoritário o governo, a União, que representa o povo brasileiro”, completa.
O geólogo explica que a integração de sistemas produtivos na cadeia de petróleo e gestão pela Petrobras é fundamental ao desenvolvimento, ainda mais em se tratando de energia.
“Você produz a matéria prima, beneficia a matéria prima, agrega valor à matéria prima, distribui e completa o sistema. No que se refere à energia isso é fundamental, especialmente em petróleo e gás, porque você cria competência para integrar todo o sistema congregando conhecimentos científicos, tecnológicos, de engenharia que são extremamente sofisticados e avançados, obtendo assim um melhor resultado final em termos de custo”, pontua.
Em relação à exploração do Pré-Sal, Estrella destaca que a descoberta da reserva de energia precisa ser usada para a sustentabilidade de todo o sistema de abastecimento energético do país “a longo prazo”.
“Nós temos informações que estamos produzindo no Pré-Sal a menos de 6 dólares o barril. Então, numa economia em desenvolvimento, num país emergente e que precisa de energia com segurança e a longo prazo, ter um sistema de suprimento energético no longo prazo é fundamental”, explica.
“No Brasil, o petróleo e gás natural correspondem a aproximadamente 55% da nossa matriz energética e ter um suprimento energético permanente, otimizado e com baixo custo é ideal para montar um projeto de desenvolvimento nacional de longo prazo”, completa.
O jornalista Luis Nassif questiona porque, apesar de ser hoje produtor de gás natural, o Brasil mantém os preços do produto iguais aos praticados no mercado internacional. “Isso foi uma maneira de tentar atribuir à Petrobras ineficiência?”, concluiu a pergunta.
“A base econômica-financeira desse movimento de escancarar o mercado brasileiro para os interesses estrangeiros, a base de tudo isso, está na prática dos preços internacionais no nosso mercado interno”, confirma Estrella.
O geólogo explica ainda que, nesse setor, dificilmente investidores estrangeiros serão atraídos para um país onde o governo controla os preços de combustíveis. “Eles estão onde não tenha ingerência governamental, onde tenham total liberdade e permissividade para as empresas”, prossegue.
“Então, o preço do gás entrou logo nessa jogada”, diz Estrella. Seguindo a lógica da desnacionalização da economia, mesmo que o Brasil apresente hoje capacidade e autossuficiência na produção de gás natural no Pré-Sal, e por um custo relativamente baixo, os preços internos precisam ser os praticados no exterior.
“Toda a sustentabilidade do sistema de produção e o preço ao consumidor, depende basicamente do preço de produção da matéria prima. Então, com a matéria prima referenciada a preços internacionais, você tem esse sistema, de certa forma, fragilizado, porque hoje é um preço e amanhã é outro preço”, destaca.
Estrella avalia o Pré-Sal como um prêmio de loteria que o Brasil, sendo um país em desenvolvimento, deveria usar para suprir o mercado interno no longo prazo, a preços competitivos às indústrias e diversos setores da economia.
“O pessoal [do mundo inteiro] segura suas reservas para garantir o suprimento energético a longo prazo. O Pré-Sal veio dar essa vantagem, uma enorme oportunidade para o Brasil. Quer dizer, nós consumimos 2,5 milhões de barris por dia. Um país desse, com essa extensão territorial, a nona economia do mundo, deveria consumir de 5 a 10 milhões de barris por dia. Para se ter ideia, os EUA consomem 20 milhões de barris por dia”, reflete o professor.
“Então, na minha visão, nós temos essa obrigação de conservar as reservas como um mastro para desenvolver o Brasil, à indústria brasileira”, arremata.
Ele explica ainda que a venda de campos de petróleo às empresas estrangeiras devem levar o Brasil a uma superprodução em dez anos, acelerando o consumo do petróleo e gás natural dos brasileiros.
“Um projeto de campo demora uns cinco anos para ser instalado e entrar em produção plena, quer dizer, em dez anos todo mundo estará produzindo o máximo de petróleo das reservas brasileiras”, pondera o geólogo.
“Isso é bom ou ruim para o país? Num país desenvolvido, que tem toda sua economia bem alicerçada, industrializado, que venha a competir internacionalmente com uma boa base científica e tecnológica, isso é diferente. Agora, num país como o nosso, em desenvolvimento, é importante que você mantenha essa segurança energética por quanto tempo for possível”, prossegue.
“Se a gente consome hoje 2,5 milhões de barris por dia, por que produzir 10 milhões? Não. Os campos de petróleo declinam de produção. Os campos da Bacia de Campos, por exemplo, devem produzir metade da reserva nos próximos 5 anos. Todos eles já estão em declínio de produção”, afirma Estrella.
Segundo o geólogo, se o Pré-Sal não tivesse sido descoberto o Brasil estaria importando hoje mais de 1 milhão de barris por dia para conseguir suprir a demanda.
“Não sou contra a exportação. Podemos exportar 1 milhão de barris/dia? Então exportemos, mas planejadamente, dentro de um regime, de um projeto de país que seja, minimamente, autônomo com todos os seus entornos que a indústria petrolífera exige de ciência, desenvolvimento científico e tecnológico”, conclui.