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quinta-feira, 18 abril, 2024

A pandemia abre as diferenças sociais, contrapõe vacina e saúde pública versus medicina de mercado

Helena Iono*

No debate mundial em torno das vacinas deveria prevalecer a voz das equipes médico-sanitárias e das instituições de pesquisa autorizadas; e entre estas o da ciência verdadeira; aquela a serviço da vida humana num contexto de catástrofe mundial, com uma pandemia de consequências mortais ao nível das guerras mundiais.

É de se pensar que, coincidentemente, os antivacina, os opositores ao debate científico são os mesmos poderes político-mediáticos que reduzem a fabricação das vacinas – ou a vacinação – ao campo ideológico; são os antivacina “russa”, “chinesa”, “cubana”, que não se referem à Pfizer-BioNtech ou à Oxford-Astrazenica como  vacina “norte-americana” ou “inglesa”. Omitem que atrás das vacinas se encontram reconhecidos organismos científicos que as autorizam ou as fabricam, controlados pelo Estado, com comprovada competência como o Instituto russo Gamaleya (desde que a Urss levou o homem à Lua); Sinopharm com suas 2 vacinas (Instituto de Produtos Biológicos de Wuhan e Instituto de Produtos Biológicos de Pequim); reconhecidas na Argentina pela ANMAT (Administração Nacional de Medicamentos, Alimentos e Tecnologia Médica ), e no Brasil pela ANVISA, respectivamente. Enquanto isso, as vacinas Pfyzer e Oxford-Astrazenica (com participação privada), são denominadas simplesmente pelo nome do Laboratório fabricante, com pouca menção aos países de proveniência.

Certamente que não importam os países, nem há que “ideologizar” a vacina; todas podem ser bem-vindas num contexto de contenção e de emergência. Todas estão exigidas pela transparência científica, para ser um bem público sem fronteiras.  Da mesma forma, não há mal, é um direito da sociedade exigir todas as explicações à Pfyzer sobre a sua fabricação, suas restrições e normas ilegais impositivas, comercializações e distribuições sem controle (em alguns países como Canadá, Europa e nos próprios EUA) e negociações incertas com certos governos. É de conhecimento público que a Pfyzer é uma multinacional de medicamentos e segue a lógica do mercado.

Por outro lado, é preciso fazer uma defesa clara, recusando critérios ideológicos (que não existiram contra a vacina contra o ebola), uma vez expostas e aprovadas as bases científicas (por vários órgãos internacionais) das vacinas Sptunik-V, Coronavac, Soberana I e II (agora produzidas em Cuba); partindo da premissa de que são produtos de países com governos que têm priorizado vidas humanas, eliminado a fome, a exclusão e a desigualdade social, com esquemas exemplares de atuação do Estado, e conscientização da sociedade no combate à Pandemia, em base a uma estrutura de saúde pública eficiente, anterior à própria pandemia. Dizer isso não é “ideologizar” as vacinas. É constatar que ela surge num contexto em que o Covid-19 pôs em prova todas as estruturas sanitárias dos países capitalistas, socialistas, ou a caminho do socialismo. A pandemia pôs a nu a decadência econômica e moral do capitalismo. Objetivamente há que esclarecer a opinião pública (tarefa essencial da mídia e dos comunicadores sociais) de que não é casual, que os países com economias planificadas com experiências socialistas não somente criaram valiosas vacinas, mas possuem um Plano nacional de saúde pública que funciona há anos e tem sido exitoso no combate à Pandemia, como é o caso da China, da Rússia, do Vietnã, e mesmo de países bloqueados pelo imperialismo como Cuba e Venezuela que têm apresentado um êxito notável no combate à Pandemia, com baixas muito reduzidas na comparação mundial. Enquanto nos EUA morreram mais vítimas de Covid-19 que os mortos da Segunda Guerra mundial e a guerra do Vietnã juntas. Basta ver as estatísticas de infectados e mortos por/milhão.

O escritor Fernando Morais que  se curou de Covid-19 em Cuba, lhe agradeceu e relatou sua experiência na Revista Fórum: Segundo os dados, enquanto Cuba tem 1.062 infectados por milhão de habitantes, totalizando 11.687 casos, entre março e dezembro de 2020, o Brasil teve 35.510 infectados por milhão, com mais de 7,5 milhões no total. Já em relação ao número de mortos, foram 13 mortes por milhão em Cuba, um total de 147 mortos. No Brasil, foram 905 mortes por milhão, 192.681 até dezembro do ano passado.” Cuba acaba de anunciar que produzirá 100 milhões de doses da vacina Soberana 1 e Soberana 2, suficientes para proteger sua população e distribuir aos países que as necessitem. Esta é a Cuba, bloqueada economicamente pelos EUA, que curou de Covid-19 o ex-presidente Lula, que teve a sua vida salvaguardada.

Junto a isso, em reunião recente entre Cuba e Venezuela, o Banco da ALBA-TCP acaba de anunciar que criará um Banco de Vacinas para a Aliança Bolivariana para os Povos da Nossa América-Tratado de Comércio dos Povos (ALBA-TCP) com o fim de garantir a vacinação e remédios aos povos do Caribe oriental, ou seja: Antigua e Barbuda, Granada, São Cristóvão e Nevis, Dominica e São Vicente e Granadinas.  A Pandemia reavivou necessidades como a integração latino-americana da era Chávez, golpeada nos últimos anos com a contraofensiva neoliberal e do lawfare no continente. Requer-se retomar a histórica UNASUR, e criar uma Unasur sanitária. A ajuda histórica do governo de Maduro da Venezuela, o oxigênio da solidariedade a Manaus, além de salvar vidas, reativou a união internacional dos sindicatos e trabalhadores Venezuela-Brasil. Um salto político das Centrais sindicais que contagiou a Federação Nacional dos Sindicatos da China (ACFTU) e o Fórum das Centrais Sindicais Brasileiras para negociar a liberação de insumos para a produção das vacinas chinesas no Brasil.

A decisão do governo chinês de voltar atrás na sua decisão anterior (de não envio de insumos por retaliação ao governo de Bolsonaro, ofensivo e direitista), responde ao chamado dos trabalhadores brasileiros, num contexto reanimador da pressão social para o “Impeachment de Bolsonaro”, contra o genocídio induzido pelo descaso frente à Pandemia, pelo colapso total da estrutura sanitária pública. Um crime de responsabilidade, ao que se soma agora a compra das vacinas para os setores privados.  Isso sim, é um negócio de vacinas! Uma jogada contra um Plano Nacional de Saúde Pública, de vacinação seletiva, de exclusão social, de favorecimento descarado às elites.

 

Aumenta a decepção do eleitorado bolsonarista, perdido, vítima ele mesmo da Covid-19, com tantas vítimas que negaram o vírus e pagaram com a própria vida,  que não suporta mais as bravatas e asneiras do “líder” que virou genocida. Do negacionismo, à usurpação da vacina do povo! Fazer negócio com as vacinas para estimular a meritocracia, os patrões, é corrupção, é outro crime contra a saúde pública, tanto quanto desativar salas de terapia intensiva e deixar faltar oxigênio nos hospitais.

A vacina anti-covid19 não é uma cura, mas uma prevenção de contenção emergencial e um bem público! O Estado deve garantir a vacina a toda a população, priorizando os mais vulneráveis. Este é o plano de vacinação aplicado na China, Rússia, Vietnã, Cuba, Venezuela e tantos outros, inclusive nesta vizinha Argentina.  As primeiras cargas da Sputinik-V já chegam ao país e o processo de vacinação para toda a população já se iniciou, gratuitamente, para os trabalhadores essenciais: médicos, enfermeiras e sanitaristas, professores e educadores, profissionais do transporte, e seguirão os idosos maiores de 60 anos e na sequência aos que de direito e necessidade competem. Enfim, não obstante a enorme oposição de Macri, Patrícia Bulrrich e JXC (Juntos pelo Cambio) para desestabilizar o governo, com a campanha antiquarentena, antivacina Sputinik-V, a Argentina segue seu plano de aquisição das 10 milhões de vacinas com a Rússia, e outras 22 milhões de fabricação conjunta (México-Argentina) da vacina Oxford-Astrazenica, e negocia outras tantas com a Sinopharm da China. Devido à enorme demanda mundial pela vacina Sputinik-V (até a Alemanha da Merkel solicitou), superou-se a capacidade de produção da Gamaleya, e junto com o Fundo Russo de Inversão Direta (RDIF), considerando as necessidades do próprio povo russo, foram obrigados a diminuir a quantidade de envio semanal (1 milhão) previsto para a Argentina; mas, já chegaram ao país centenas de milhares em 3 voos consecutivos da Aerolíneas Argentinas desde fins de dezembro. Diminui-se o ritmo de chegada, mas a Russia já garantiu que a Argentina (o primeiro país da América Latina a aprovar a Sputinik-V) receberá o total previsto pelo acordo bilateral. Das 220 mil vacinas que acabam de desembarcar na Argentina, 20 mil se destinam à República-irmã da Bolívia.

Além da aquisição das vacinas, a CONICET (Centro Nacional de Pesquisas Científicas e Técnicas), esvaziado na era Macri, se reativa para fabricar uma vacina argentina em colaboração com a Universidade do Litoral e a Universidade de San Martin. Em diversas situações tem sido utilizados para a cura de pacientes graves, um soro equino ou a transfusão de sangue humano com anticorpos de doentes curados de Covid-19, com bons resultados. A Argentina, cujo sistema de saúde sofreu grande revés com a redução do Ministério da Saúde em Secretaria no governo Macri, como alertado pela ex-presidenta Cristina Kirchner, necessita recompor-se urgentemente, sobretudo, diante da pandemia. Porém, à diferença do Brasil de Bolsonaro-Pazuello,  a Argentina possui um Plano Nacional de Saúde contra a pandemia sem que interesses adversos, os da lei do mercado, possam envolvê-lo na guerra mundial pelas vacinas. A distribuição das mesmas e dos seus insumos, como bem dito pelo presidente Putin, na recente reunião de Davos, deve responder à necessidade dos mais carentes, inclusive dos países da África: “Deve-se prestar ajuda aos Estados que precisam de apoio, incluindo africanos […] Estou falando do aumento dos volumes de testes e de realização da vacinação. Nós vemos que a vacinação em massa está hoje disponível antes de tudo aos cidadãos dos países desenvolvidos, enquanto centenas de milhões de pessoas no planeta estão desprovidas até da esperança de [receberem] tal proteção.” Leia publicação no Brasil247 onde Putin, em Davos, sinaliza que o cenário atual lembra o preâmbulo da segunda guerra mundial.

A pandemia abriu as diferenças sociais, brechas de classe, contrapondo vacina e saúde pública versus medicina de mercado. Um momento histórico muito complicado que só pode ser superado com união, solidariedade entre povos, com políticas públicas e de Estado com muita voz e participação popular.

*Correspondente em Buenos Aires

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