Foto: Reprodução do Vermelho
Wellington Calasans
A narrativa ocidental de que a China teria “recuado” diante das sanções dos EUA ao suspender supostamente as importações de petróleo russo é, na melhor das hipóteses, uma leitura parcial — e, na pior, uma tentativa deliberada de mascarar o avanço da desdolarização global.
O comércio energético entre Rússia, China, Índia e Irã tem se estruturado cada vez mais em moedas locais ou em mecanismos alternativos ao dólar, o que torna as chamadas “sanções secundárias” norte-americanas inócuas na prática.
Afinal, como punir financeiramente países que não usam o sistema bancário em dólar? A liquidação em moedas locais não apenas reduz custos de transação, mas isola o comércio de qualquer ameaça real por parte de Washington.
A imprensa ocidental insiste em retratar a decisão de algumas estatais chinesas como um sinal de submissão às ameaças de Trump, mas ignora propositalmente que o bloco BRICS — especialmente China, Rússia, Índia e Irã — já opera com uma estratégia clara de desdolarização.
Desde 2022, esses países vêm expandindo o uso de moedas nacionais no comércio de energia, com declarações oficiais alinhadas à substituição do dólar em operações do Novo Banco de Desenvolvimento (NDB) e em acordos bilaterais.
Isso significa que, mesmo que certas empresas estatais chinesas temporariamente ajustem suas operações por cautela burocrática, o fluxo comercial entre essas nações continua, agora blindado contra a jurisdição financeira dos EUA.
Além disso, a ideia de que a Rússia estaria “perdendo receita” por supostas interrupções nas vendas à China ou à Índia não resiste ao confronto com os dados reais. Tanto a China quanto a Índia emergiram como os maiores compradores de petróleo russo após 2022, aproveitando preços reduzidos e consolidando parcerias estratégicas que vão muito além do curto prazo.
A Índia, por exemplo, comprou volumes recordes de petróleo russo em 2025, mesmo diante das pressões norte-americanas. Isso demonstra que os países vistos por analistas mais sérios como “novas potências” não estão dispostos a sacrificar sua soberania econômica em nome da agenda geopolítica de Washington.
A narrativa do “copo meio vazio” serve apenas para alimentar a ilusão de que as sanções dos EUA ainda têm eficácia global. Na realidade, o uso crescente de moedas locais e a construção de infraestruturas financeiras alternativas — como sistemas de pagamento próprios e até a discussão de uma moeda comum do BRICS — estão minando a hegemonia do dólar.
Países como Irã e Rússia, historicamente alvos de sanções, aprenderam que a verdadeira independência econômica só é possível quando se rompe a dependência do sistema financeiro norte-americano. E essa lição está sendo compartilhada ativamente com parceiros estratégicos.
Por fim, é imperativo entender que a resistência à dolarização não é apenas uma escolha econômica, mas um ato de soberania política. Enquanto a imprensa ocidental insiste em pintar qualquer ajuste tático como “derrota” dos países não alinhados, o que de fato está em curso é uma reconfiguração silenciosa, porém profunda, da ordem comercial global.
O BRICS não está apenas buscando alternativas ao FMI e ao dólar — está criando os alicerces de um novo sistema financeiro multipolar. Nesse contexto, as sanções dos EUA parecem cada vez mais como o último suspiro de um império em declínio, incapaz de controlar um mundo que já não fala sua língua — nem monetária, nem política.
Obs. na sequência, o post que me inspirou para este texto acima. Eu gosto de explicar aos incautos.
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