Foto TSE
Em plenária que ofereceu Francischini como brinde, TSE não cassou chapa presidencial mas armou cama de gato pras fake fews em 2022
por Leticia Sallorenzo/Jornal GGN
O Tribunal Superior Eleitoral decidiu na manhã desta quinta-feira 28 de outubro acompanhar o relator Luis Felipe Salomão no caso da cassação da chapa Bolsonaro-Mourão pela disseminação de disparos ilegais Fake News em massa via Whatsapp nas eleições de 2018.
O ministro Salomão entendeu que as provas apresentadas eram suficientes para configurar o crime, mas não eram suficientes para cassar a chapa. Você está estrebuchando com essa decisão, e eu também não a curti muito. Mas estrebuchar e reclamar (“Ain, se fosse o PT seria cassado”, que é a nossa versão daquele GIF de monstros de anime japoneses dialogando “E o Lula? E o PT?”) será de pouco uso ou proveito neste momento, então vamos entender o que aconteceu, e aí sim podemos criticar sem cairmos em clichês horrorosos e previsíveis. Até porque tem mais coisa decidida nessa plenária.
Pra começo de conversa: as provas. Na fase de instrução dos processos (eram quatro ações, duas foram arquivadas, e hoje as restantes foram julgadas, mas quem explica isso melhor é a Patrícia Campos Melo nesta reportagem da Folha), as provas mais contundentes foram recusadas pela procuradoria eleitoral, que recusou mais de uma dezena de pedidos para produção de provas e de oitiva de testemunhas.
Então, o processo que seria lindo e garboso se formou capenga, e foi julgado de forma capenga – faltando onze meses para o término do mandato da chapa que poderia ser cassada. Calculem o caos institucional num país já caótico caso a chapa fosse, de fato, cassada.
Os eminentes ministros do Tribunal Superior Eleitoral reclamaram, então, que as provas apresentadas não foram suficientes – provas cujo ajuntamento foi, de certa forma, sabotado pela procuradoria eleitoral.
É importante lembrar aqui que a pressão sobre o “demonho do cercadinho” (me recuso a chamar aquilo de presidente da república) foi mantida. A decisão não aliviou nada no lombo do sujeito, que continua acuado e sem poder reagir – um passo em falso e os filhos dele vão pra cadeia em outros penduras jurídicos.
Mas teve outro julgamento que foi tão importante quanto o da chapa Bolsonaro-Mourão.
Francischini de brinde
Falo da cassação do mandato do deputado estadual paranaense Fernando Francischini. Ao contrário do julgamento da chapa Bozo-Mourão, neste caso não havia como rejeitar a única e contundente prova do processo. Em 2018, Francischini fez uma live faltando pouco mais de 20 minutos para o término da votação do primeiro turno. Falou uma série de besteiras inclusive com relação à idoneidade da urna. Ao abrir a live, havia 20 ou 30 mil espectadores e, ao final, esse número já chegava a 70 mil. O vídeo durou alguns minutos e, até meados de novembro de 2018, quando permaneceu na página do sujeito, obteve 400 mil compartilhamentos e mais de 100 mil comentários, e totalizou 6 milhões de visualizações.
O mesmo Luis Felipe Salomão recomendou a cassação do mandato dele e a anulação dos 400 mil votos que ele obteve no pleito – e que lhe tornou o deputado mais votado do estado. A distribuição de votos da assembleia estadual do Paraná vai ter que ser recontada. Por 6 votos a 1, os juízes decidiram acompanhar o relator em todas as suas decisões.
Agora vem o pulo do gato: além da cassação do Francischini, em seu relatório, Salomão entendeu que, dados os números da live, as publicações em redes sociais devem ser equiparadas à comunicação de massa – que tem legislação sólida, robusta, antiga, consolidada e com jurisprudência a dar com o pau. Criou-se a jurisprudência.
Voto de Moraes
Ao ler seu voto na manhã desta quinta-feira em relação à cassação da chapa Bozo-Mourão, o ministro Alexandre de Moraes, que será o presidente do TSE a partir de setembro de 2022 e estará no comando das eleições de outubro (motivo pelo qual faz três meses que eu venho rezando pelo anjo da guarda dele), acabou por comentar os dois julgamentos da pauta do dia. Moraes abriu o voto de forma contundente: “A Justiça é cega, mas não pode ser tola. Todos nós sabemos o que ocorreu nas eleições. Podemos absolver [a cassação da chapa Bolsonaro-Mourão] por falta de provas, mas nós sabemos o que ocorreu, e não vamos permitir que isso ocorra. É muito importante esse julgamento, porque não podemos criar precedente.”
Quem me acompanha no Twitter (@bruxaOD) sabe que há quase 4 meses eu venho elogiando diariamente Alexandre de Moraes, motivo pelo qual eu me permito, ao menos uma vez neste semestre, criticá-lo só um pouquinho.
Ministro, sinto informá-lo de que o precedente foi criado quando, em 2018, (e aqui peço sinceras desculpas por usar uma imagem forte com linguajar chulo), Jair Bolsonaro metaforicamente esfregou uma mamadeira de piroca na cara dos então ministros do TSE, que fizeram de conta de que nada aconteceu e que tudo transcorria na mais perfeita normalidade.
As eleições de 2018 foram fraudadas, sim. Não na urna (graças a Deus, ao TSE e à tecnologia brasileira), mas na campanha eleitoral. Nos disparos em massa. Nas mentiras que atacavam diretamente a honra do cidadão Fernando Haddad e da cidadã Manuela D’Ávila. É bem verdade que Alexandre de Moraes não integrava o corpo do TSE de 2018, mas o erro foi cometido institucionalmente, e esse erro tem um nome bem grave: negligência. O TSE foi negligente em 2018.
Prossegue o voto de Moraes: “É uma ingenuidade achar que redes e Whatsapp não são meio de comunicação social. (…) Eu posso mandar mensagem privada pros meus amigos, mas não é isso que as milícias digitais usam. (…) E quando se afunila a investigação no Whatsapp, eles migram pro Telegram! (…) Vamos continuar tratando essas empresas de redes sociais como tecnologia? Não! Whatsapp é empresa de comunicação, ganha dinheiro com isso!”
Esses trechos pra mim são a prova de que a ideia de se comparar Redes Sociais com Comunicação de Massa foi de Moraes, e Salomão seguiu. Do alto de meu iletramento jurídico, eu acho que, para 2022, a saída está de bom tamanho. Mas urge que tenhamos uma legislação específica para regular redes sociais – e não, elas não se regulam sozinhas. Por se regularem sozinhas, elas fazem a torto e a direito experimentos com nossas tendências e ideias, simplesmente pra ganharam dinheiro às nossas custas.
Aí o ministro Alexandre falou outra coisa que me obriga a criticá-lo mais uma vez: “O mais importante é deixar um recado muito claro desta Justiça Eleitoral de que agora a Justiça como um todo não será pega de surpresa, porque o Brasil foi pego de surpresa em 2018 pelas milícias digitais.” Ministro, de novo: não foi pego de surpresa, não. A irregularidade tava ali, sendo esfregada diariamente na cara de seus eminentes colegas, que nada fizeram.
Essa crítica foi rápida, e agora eu serei obrigada a elogiar o ministro: “A Justiça aprendeu, fez sua lição de casa, se preparou, e esse julgamento deixa muito claro isso. Já sabemos como são os mecanismos, e sabemos quais as provas rápidas devem ser obtidas em quanto tempo e como [devem ser obtidas]. (…) Não vamos permitir que essas milícias tentem desestabilizar as eleições e as instituições democráticas, a partir de interesses econômicos também não declarados, que estão sendo investigados (…) o lapso temporal pode ser impeditivo de uma condenação, mas não é impeditivo pra entender o modus operandi desse processo. Acompanho integralmente o relator, inclusive com a tese (de equivaler redes sociais à comunicação de massa), que acaba solidificando tudo isso pra o combate à disseminação do ódio, contra a democracia. (…) Será um precedente importantíssimo pra justiça eleitoral (…) e um recado muito claro: se houver repetição do que foi feito em 2018, o registro será cassado, e as pessoas q o fizerem irão pra cadeia por atentarem contra as eleições e contra a democracia no Brasil.”
O trecho em negrito, na minha opinião o mas importante de todo o voto de Moraes, deixou um recado bem claro: se antes não se sabia como pegar vocês, agora já se sabe, e seremos implacáveis.
Bigorna nas costas
São apenas promessas, você deve estar pensando. É isso parece muito com uma promessa.
Mas agora eu te convido a se colocar no lugar de Alexandre de Moraes. Em 2022, os olhos do mundo in-tei-ro estarão voltados para o Brasil. O planeta acompanhou estarrecido o que a disseminação desenfreada de Fake News, levada às últimas consequências, quase aprontou com a principal democracia do mundo quando Donald Trump não conseguiu se reeleger e disse que as eleições foram fraudadas. A invasão do Capitólio, em janeiro deste ano, acendeu a luz amarela das Fake News e trouxe para os holofotes o modus operandi da extrema direita: disseminação de mentiras, desinformação, Fake News, manipulando os sentimentos, impressões e sensações das pessoas, fazendo-as de otárias para tirar proveito da boa-fé delas.
No ano que vem, um país que, até 2016, vinha ascendendo em termos de bem-estar social, resolveu jogar tudo pra cima e eleger a extrema direita também como resultado da disseminação massiva de Fake News, volta às urnas para escolher seu presidente. E a pessoa que estará à frente desse processo eleitoral, e que terá a obrigação de conduzir a quarta maior democracia do mundo (em número de habitantes e eleitores) rumo a eleições limpas, corretas e tranquilas, sob o auspício de todo o planeta, será Alexandre de Moraes.
De certa forma, seus colegas de 2018 o deixaram em maus lençóis, e colocaram uma senhora bigorna em suas costas. A missão solitária de Moraes em 2022 é provar ao planeta que sua quarta maior democracia não é mais uma republiqueta de banana. Como uma fênix, o Brasil deverá demonstrar que é capaz de se reerguer dessa situação, com instituições funcionando e superando o ecossistema de Fake News.
E aí? É fácil se colocar no lugar de Alexandre de Moraes? Não, né?
Por outro lado, você conhece alguém com mais perfil pra dar conta desse recado pesado pro mundo? Eu também não. Então, clique aqui, aprenda a oração do anjo da guarda e reze você também pro anjo da guarda de Alexandre de Moraes. É tudo o que podemos fazer por ora.
E, ministro, como eu sempre digo no Twitter: se o senhor espirrar, saúde.
Este texto não expressa necessariamente a opinião do Jornal GGN
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