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quarta-feira, 11 setembro, 2024

A guerra de extermínio em Gaza e o grande fracasso das Nações Unidas

 ONU se mostra impotente para parar o genocidio de Israel em Gaza (Foto: Reuters)

Heba Ayaad*

Finalmente, após 40 dias da guerra de extermínio travada pela entidade sionista contra civis em Gaza, e depois de o número de vítimas palestinas, incluindo mártires, feridos e desaparecidos ter atingido cerca de 45 mil, sendo 70% deles crianças e mulheres, o Conselho de Segurança da ONU adotou a Resolução 2712 (2023) relacionada à proteção de crianças, civis e hospitais, buscando levar ajuda a todas as partes de Gaza, cessando ataqu humanitária es a hospitais e civis, e apelando à libertação incondicional de reféns. O projeto de resolução recebeu 12 votos positivos, enquanto Rússia, Estados Unidos e Reino Unido optaram pela “abstenção”, cada um por suas razões. Um fracasso desastroso, uma vez que o órgão encarregado da paz e segurança internacionais não conseguiu chegar a uma resolução mínima até 40 dias após os massacres. Neste artigo, tentaremos acompanhar como as Nações Unidas agiram diante desta guerra de extermínio.

Entre funcionários e agências oficiais, é importante diferenciar dois tipos de Nações Unidas: o círculo de funcionários oficiais e os líderes de agências, fundos, programas e organizações especializadas. No topo desse sistema estão o Secretário-Geral das Nações Unidas e os líderes de organizações especializadas, como a UNICEF e a UNESCO, além dos executivos de órgãos como o Gabinete de Coordenação dos Assuntos Humanitários, a Agência de Ajuda e Obras da Palestina (UNRWA), o Programa Mundial de Alimentos, o Fundo de População das Nações Unidas, entre outros.

O segundo setor compreende os principais órgãos da organização internacional, que estão sujeitos à vontade dos governos e agem conforme as instruções de seus países. Os mais importantes são o Conselho de Segurança, a Assembleia Geral, seguidos pelo Conselho de Direitos Humanos e o Tribunal Internacional de Justiça.

Tudo o que é emitido pelos principais órgãos está sujeito a consensos e conflitos entre os Estados membros. Em contrapartida, o círculo de funcionários internacionais e os líderes de agências e organizações especializadas são proibidos de expressar a opinião de qualquer governo ou órgão oficial, devendo apenas manifestar o que sua consciência ditar, desde que não entre em conflito com o mandato ou autorização concedidos ao cargo e não à pessoa. Já ocorreu, tanto em um passado recente quanto distante, que um funcionário se encontrasse em completo conflito entre o mandato conferido no cargo e suas convicções pessoais, levando à apresentação de sua demissão. Um exemplo foi Craig Moukheiber, chefe do escritório de Nova Iorque do Alto Comissariado para os Direitos Humanos, que renunciou em 28 de outubro de 2023, protestando contra as posições das Nações Unidas na guerra em Gaza.

Vamos rever as posições dos mais importantes responsáveis da ONU para ver como falharam, foram cobardes e se identificaram com a posição israelita, exceto alguns deles.

O Secretário-Geral e altos funcionários

Um conjunto de posições foi repetido nas declarações do Secretário-Geral das Nações Unidas, António Guterres, e de altos responsáveis internacionais após os acontecimentos de 7 de outubro, como se lhes tivessem sido ditadas. Guterres começou, e todos os altos funcionários seguiram os seus passos. Esses pontos são:

– A necessidade de condenar nominalmente o movimento Hamas e considerar o que fez como um ato terrorista injustificado;

– Enfatizar o direito de Israel à autodefesa;

– Não relacionar o que aconteceu no dia 7 de outubro com a situação geral em Gaza ou na Palestina, pois não há menção ao cerco ou à ocupação.

– Não exigir um cessar-fogo imediato ou mesmo uma trégua humanitária;

– Exigir a libertação incondicional dos reféns;

– Finalmente, não há mal nenhum em mencionar a necessidade de seguir as leis da guerra e o direito humanitário internacional.

Conformidade estrita do direito internacional humanitário:

Guterres não mencionou em suas sucessivas declarações qualquer cessar-fogo ou trégua humanitária até depois do massacre do Hospital Baptista na terça-feira, 17 de outubro, o décimo primeiro dia de massacres israelitas contra o povo palestino. Desde o primeiro momento do ataque levado a cabo pela resistência palestina na manhã de 7 de outubro, o Secretário-Geral emitiu uma declaração forte, à qual se seguiram quatro declarações sucessivas: descreveu a operação como terrorismo, condenou-a nos termos mais duros, exigiu a libertação dos reféns e mencionou o direito de Israel à autodefesa. Mas estava a lembrar a Israel que as operações militares devem ser conduzidas em estrita conformidade com o direito humanitário internacional.

No dia 24 de outubro, o Secretário-Geral fez uma declaração na sessão do Conselho de Segurança, em nível ministerial, presidida pelo chanceler brasileiro, Mauro Vieira. Ele afirmou: “O que aconteceu em 7 de outubro não surgiu do nada.” Em seguida, abordou o sofrimento do povo palestino ao longo de 56 anos de ocupação, construção de colonatos, destruição econômica e pilhagem da terra.

Após críticas, o Secretário-Geral suavizou seu tom diante da morte de civis na Faixa de Gaza, resultando em declarações que parecem pedidos de desculpas. Contudo, ao condenar atos terroristas do Hamas, não mencionou Israel em relação à morte de civis. A adesão à narrativa israelita, acusando o Hamas de “usar civis como escudos humanos”, levanta preocupações sobre justificações para a continuação do conflito.

Apesar de se reunir com famílias de pessoas raptadas e seu representante visitar territórios ocupados, a ausência de interação com famílias palestinas é notável. O Secretário-Geral, ao adotar a narrativa israelita novamente em sua declaração de 6 de outubro, não condenou as ações de Israel, mesmo diante do impacto devastador, incluindo mais de 4.500 crianças vítimas, invasões hospitalares e danos a infraestruturas vitais.

Tanques de água, painéis solares e tanques de gás foram bombardeados. Incubadoras para bebês prematuros pararam de funcionar por falta de energia elétrica. Até o momento, não ouvimos a palavra “condenação de Israel”.

O cerco coloca vidas de civis em perigo.

O Comissário dos Direitos Humanos, Volker Türk, emitiu duas declarações sobre os acontecimentos em Gaza. Sua primeira declaração foi equilibrada e a única que apelou, na primeira declaração, à cessação imediata das operações militares visando civis e dos ataques esperados para causar mortes e ferimentos desproporcionais a civis ou danos a monumentos civis. Ele também rejeitou o bloqueio, que coloca em perigo a vida dos civis ao privá-los de bens essenciais à sua sobrevivência, o que é proibido pelo direito humanitário internacional. Em uma segunda declaração, culpou o Hamas e condenou suas ações. Parece que ele recebeu uma das cartas inflamadas. Depois, emitiu uma terceira declaração sobre o massacre do Hospital Baptista, dizendo: “É absolutamente inaceitável” e exigiu que os responsáveis pelo massacre fossem responsabilizados.

A chefe da Organização Educacional, Científica e Cultural, Audrey Azoulay, está em outro mundo. Tudo o que ouvimos dela foi a expressão de preocupação pelo assassinato de nove jornalistas, alertando para as graves repercussões na segurança dos jornalistas no meio dos acontecimentos em Gaza, e apelando a todos os intervenientes para que respeitem o direito internacional e o apliquem sem demora. Ela disse que 9 jornalistas foram mortos no cumprimento do seu dever desde a agressão israelita a Gaza. Azoulay descreveu esse número como “terrível”. No entanto, em 11 de outubro, a Conferência Geral da UNESCO adotou um projeto de resolução apresentado por um grupo de países árabes para proteger a educação, o patrimônio cultural e os jornalistas da agressão israelita na Faixa de Gaza. A resolução apelava ao Diretor-Geral da UNESCO para monitorizar eficazmente a situação em Gaza, a fim de garantir a participação direta da organização na implementação das ações relevantes que se enquadram no seu mandato e para organizar uma reunião de informação, e para o subescritório na Cidade de Gaza seja fortalecido a fim de atender às necessidades em suas áreas de competência, desde que apresente um relatório ao Conselho Executivo em sua 219ª sessão sobre a implementação do programa de assistência de emergência da UNESCO em Gaza.

A mulher corajosa é Francesca Albanese, relatora para os direitos humanos, preocupada com as violações dos direitos humanos nos territórios ocupados desde 1967. Em sua declaração, mencionou as repetições da Nakba de 1948 e de 1967, alertando para um possível cenário maior. Afirmou que as autoridades israelitas apelaram publicamente para outra Nakba, referindo-se às expulsões de palestinianos em 1947-1949. Albanese acusou Israel de realizar limpeza étnica sob o pretexto de autodefesa.

A declaração mais controversa veio de Alice Weremu Nderitu, funcionária da ONU. Ela condenou fortemente os atos terroristas do Hamas, focalizando nos ataques a civis israelitas, mas omitiu preocupações com perdas palestinianas. Cerca de 50 funcionários da ONU, incluindo palestinos, criticaram a declaração, destacando o preconceito e expressando perturbação pelos bombardeamentos em Gaza e pela punição coletiva.

Martin Griffiths, o coordenador humanitário, que não deveria entrar na política, começou sua primeira declaração sublinhando que condenava o que o Hamas tinha feito e depois passou ao assunto dos reféns, dizendo: ‘Gostaria de sublinhar primeiro que a tomada de reféns de Israel – muitos dos quais são crianças, mulheres, idosos e pessoas doentes – é inaceitável e ilegal.’ Sua objeção foi ao pedido de transferência dos residentes do norte de Gaza para o sul, dizendo: ‘Não se pode pedir às pessoas que se afastem do perigo sem ajudá-las a fazê-lo e a irem para um local de sua escolha que forneça a assistência humanitária que precisam.’ Depois, decidiu ir ao Egito para contribuir nos esforços para recolher os suprimentos humanitários necessários e trabalhar para entregá-los às pessoas sitiadas. Em Jerusalém, Griffiths reuniu-se com famílias israelitas de prisioneiros, mas as famílias palestinas não tinham lugar em sua agenda, assim como Tor Winesland.

Philippe Lazzarini, Comissário-Geral da UNRWA, dirigiu-se várias vezes aos membros do Conselho de Segurança e fez um discurso comovente na Cúpula Árabe-Islâmica em Riade. Em seu discurso ao Conselho de Segurança em 30 de outubro, começou, como sempre, por condenar os horríveis ataques lançados pelo Hamas contra Israel em 7 de outubro, que descreveu como ‘chocantes’, mas elaborou o que estava acontecendo em Gaza em termos da destruição dos ‘bombardeios contínuos pelas forças israelitas’. Sobre Gaza também suscita choque. ‘O nível de destruição não tem precedentes.’ Ele enfatizou que não há lugar seguro em Gaza. Ele abordou as ordens de evacuação emitidas pelas forças israelenses aos civis para se dirigirem ao sul, ‘o que é um deslocamento forçado’. A UNRWA perdeu 103 funcionários, todos eles palestinos, e uma vigília em memória deles foi realizada na sede das Nações Unidas sem palavras de piedade, e a bandeira da organização foi baixada ao meio como forma de luto.”

A Diretora Executiva do UNICEF, Catherine Russell, fez um discurso emocionado no Conselho de Segurança, pedindo aos membros para adotarem uma resolução relembrando as partes de suas obrigações sob o direito humanitário internacional. Russell destacou a necessidade de proteger civis, garantir acesso humanitário seguro, a libertação de crianças raptadas e a proteção especial que as crianças merecem. Ela ressaltou a urgência de priorizar a crise dos deslocamentos.

O Diretor-Geral da Organização Mundial da Saúde, Dr. Tedros Adhanom Ghebreyesus, expressou compreensão pelos sentimentos de raiva, tristeza e medo tanto do povo israelense quanto do povo de Gaza. Ele mencionou os ataques do Hamas e outros grupos armados contra civis israelenses e a resposta devastadora em Gaza, com mais de 10.800 pessoas mortas, incluindo mulheres e crianças. Dr. Tedros destacou a situação crítica no setor de saúde em Gaza, com ataques a instalações de saúde e a falta de capacidade operacional em muitos centros de cuidados de saúde.

Os dois principais ausentes neste massacre são Karim Khan, o Procurador do Tribunal Penal Internacional, que veio à passagem de Rafah para condenar o movimento Hamas nos termos mais duros e falar sobre o Holocausto Judeu, e saiu sem condenar o que está a acontecer em Gaza. ou prometendo perseguir criminosos de guerra, como fez na Ucrânia. A segunda é Virginia Gamba, Representante do Secretário-Geral para as Crianças e os Conflitos Armados, que retirou o nome de Israel da lista da vergonha nos últimos quatro anos. Ela desapareceu completamente do palco como se isso não lhe preocupasse.

 Conselho de Segurança e Assembleia Geral

O Conselho de Segurança realizou dez reuniões sobre Gaza, algumas das quais foram fechadas para consultas e outras a nível ministerial. Foram votados quatro projetos de resolução, todos fracassados: um projeto de resolução brasileiro que foi derrubado pelo veto estadunidense, dois projetos de resolução apresentados pela Rússia, nenhum dos quais obteve o mínimo necessário para adoção devido ao bloco anti-russo dentro da Segurança Conselho, e um projeto de resolução estadunidense centrado na condenação do Hamas e do direito de Israel de defender as suas defesas. Depois disso, a questão foi transferida para a Assembleia Geral, que ouviu 105 discursos durante dois dias e depois votou um simples projeto de resolução árabe apelando a uma trégua humanitária imediata, trabalhando para fornecer ajuda humanitária e impedindo a evacuação dos palestinianos do seu território. casas e expulsá-los dentro ou fora de Gaza. A resolução apresentada pelo grupo árabe liderado pela Jordânia sob o título: “Proteger a População Civil Palestina” foi adoptada por uma maioria de dois terços dos votos, o que é o mínimo necessário para adoptar uma resolução sob o título “Unidos pela Paz”. Votaram a favor da Resolução 121 (o Iraque voltou e mudou o seu voto de abstenção para sim) e 14 contra, enquanto 45 países votaram “abstenção”.

Por fim, a questão foi devolvida ao Conselho e o projeto de resolução maltês foi adotado na quarta-feira, tornando-se a Resolução 2712 (2023), o que em nada alterou a realidade no terreno. A entidade sionista rejeitou-o imediatamente antes do final da sessão provando mais uma vez que é uma entidade acima da lei e acima da responsabilização. É um desdém pelas Nações Unidas, pelos seus mecanismos, funcionários, sistemas e prestígio. Resta alguma razão para a organização internacional continuar desta forma humilhante que permite a um Estado pária quebrar o seu prestígio, pisotear as suas decisões e levar a cabo uma guerra genocida diante dos olhos do mundo sem medo, hesitação ou remorso?

@Heba Ayyad

Jornalista internacional

Escritura palestina brasileira

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