Mandíbulas da inflação, cartoon, autor desconhecido.
– O desespero do império americano no seu auge!
Michael Hudson e Richard D. Wolff [*]
entrevistados por Nima
NIMA: Olá a todos. Hoje é quinta-feira, 12 de dezembro, e os nossos amigos Michael Hudson e Richard Wolf estão de volta conosco. Sejam bem-vindos.
MICHAEL HUDSON: É bom estar aqui.
RICHARD WOLFF: Muito obrigado, Nima. É um prazer estar aqui.
NIMA: Comecemos pela situação a que estamos a assistir neste momento na Síria. Quando olha para o conflito na Síria e para o que aconteceu no Oriente Médio, na sua opinião, qual é o panorama geral do que se está a passar? Comecemos por Michael.
MICHAEL HUDSON: Bem, o quadro geral é que, como diz, é muito maior do que a própria Síria.
Os Estados Unidos dizem: “Estamos a acabar numa guerra total com a Rússia e com a China”.
A Rússia está a dizer: “Esperamos que haja paz no Oriente Médio”.
A China está a dizer: “Queremos paz. Não queremos guerra.”
Não percebo porque estão a dizer isto. Porque é que não dizem: “Sabemos que esta é uma guerra até à morte.”
A Rússia fala de uma resposta proporcional, certamente na Ucrânia, por exemplo, e se houver apenas um ataque e uma bomba, a resposta será proporcional.
Mas qual é a verdadeira proporção em ação? A proporção é a da Guerra Fria. “Queremos controlar o mundo inteiro. Queremos dividir a Rússia em partes. Queremos dividir a China em partes. E vamos dar passo após passo até que haja uma resposta.”
E o fato é que os americanos, se formos um general, os americanos, nunca sabemos até onde podemos ir até que alguém nos faça recuar.
E não tem havido qualquer reação. E se a Rússia lhe disser que há uma resposta proporcional, então a Rússia, os americanos e a OTAN podem fazer o que quiserem, avançar e avançar, sabendo que só haverá uma resposta à tática local, não à estratégia global.
Não vejo qualquer estratégia por parte da OTAN.
Bem, a sua pergunta é sobre a Síria. E, obviamente, todo o país está agora em movimento. De fato, já não existe nenhuma Síria, tal como provavelmente já não existirá nenhuma Ucrânia.
Vemos Israel a tomar a Síria Ocidental.
Vemos a Turquia a ocupar as zonas curdas e o que pode.
E os americanos a dizer: “Bem, estamos a ficar com todo o petróleo para dar a Israel, é o nosso acordo”.
Temos os líderes do grupo ISIS al-Qaeda a usar t-shirts feitas pela Mossad. Aparentemente, as pessoas viram isso.
Portanto, isto cortou completamente o apoio do Irã ao Líbano. Não sei o que o Irã está a pensar.
Provavelmente a Arábia Saudita está a pensar, bem, eles estão mesmo a tentar apoderar-se de todo o Oriente Médio. Talvez devêssemos ter muito cuidado ao aderirmos aos BRICS e ao ameaçarmos retirar os nossos ativos do dólar, porque podemos ser os próximos.
A América tem-se virado contra um suposto aliado atrás do outro, a começar por Saddam Hussein, que inicialmente fora colocado no poder pela CIA.
Parece que o plano dos EUA para se apoderarem de todo o Próximo Oriente e do seu petróleo está a funcionar, usando Israel como aríete para isso. Israel ficará com a terra. A América ficará com o petróleo e o controle disso. E esse é o tipo de divisão de trabalho.
Agora, o que é que tudo isto significa para os BRICS, para a Rússia e para a China? Eles têm falado de alternativas ao dólar, de desdolarização. Têm falado em ter instituições alternativas ao Fundo Monetário Internacional e ao Banco Mundial. Mas a questão que se coloca agora é: será que precisam de uma instituição alternativa à OTAN? Será que precisam de algum tipo de plano militar coordenado?
Compreendo que a Rússia não intervenha na Síria, porque Assad foi totalmente incompetente e rígido. Recusou-se a fazer qualquer tipo de acordo com qualquer outra pessoa. Era quase um louco.
E os russos disseram muito corretamente: “Bem, se o exército sírio não vai lutar, não vamos enviar o nosso exército para lá, porque esta não é realmente a nossa luta. Se pudermos vamos manter lá as nossas bases navais e aéreas, é só isso que nos interessa. A Rússia pode perder a Síria e isso não é grave. Não é vital para eles.
Mas o que é vital é os Estados Unidos poderem agora agir contra o Irã.
Seria de esperar que a China, que obtém muito petróleo do Irã, ficasse preocupada e tivesse algum desejo de intervir na região. Mas a China está a ficar de fora. Assim, os americanos pensam: “Bem, podemos atacar um país após outro, uma área após outra. E é mais do que o estilo salame. Estamos agora a atacar em grandes pedaços, muito mais do que em salame. Não sei qual seria uma boa metáfora médica ou culinária. Mas tudo está em movimento e toda a iniciativa está na OTAN.
A Rússia e a China disseram: “Nós só vamos reagir. Não vamos atuar. Vamos reagir.
E eles não estão a reagir. Não sei o que pensar disso. Acho que ninguém pode prever o que vai acontecer na Síria, porque toda esta miríade de interesses especiais vai agora lutar entre si.
E mesmo entre os jihadistas, um grupo jihadista vai lutar contra o outro. E tenho a certeza de que serão postos uns contra os outros pelos intervenientes americanos, israelenses e britânicos. Portanto, é a anarquia.
A anarquia é o plano dos EUA. É essa a política externa dos EUA, apoiar os terroristas em todo o lado e impossibilitar que outras regiões tenham uma resposta razoável.
E seria de esperar que os países [que foram colónias] britânicas tentassem ter uma alternativa à anarquia. Não estou a ver nenhuma alternativa à vista. Por isso, penso que a anarquia vai continuar a deslocar-se cada vez mais para Leste.
NIMA: Richard.
RICHARD WOLFF: Sem querer estar sempre a bater no mesmo tambor, deixem-me bater no mesmo tambor.
Para mim, estes são sintomas do declínio do império americano.
Não creio que tenha existido uma Síria. Ou, dito de outra forma, a Síria já era, há alguns anos, uma sociedade em que, sim, havia a família de [Assad], o seu pai e agora ele.
Mas eles já tinham perdido o controlo de uma boa parte do país.
Parte da razão pela qual o exército não podia funcionar era o fato de não ser o exército de um governo. Não tinha a lealdade de grande parte da sociedade. Tinha a inimizade ou o desinteresse de outras partes.
Assim, o que se tinha era uma sociedade irreal a desintegrar-se cada vez mais nas suas partes.
E, nessa situação, toda a gente olhava para ela e dizia: o que é que eu posso ganhar com isto? O que é que posso perder menos aqui? O que é que posso ganhar mais?
E depois houve consequências muito bizarras. Os israelenses ganharam a parte do território que podem bombardear e arrebatar imediatamente. Não parece bom. Parece que Israel abriu mais uma frente numa guerra em que já não se estava a sair muito bem.
Sabe, acabou com a guerra contra o Hezbollah porque não foi capaz de o fazer. E a do Hamas continua a não correr assim tão bem, apesar da horrível reputação global que Israel irá pagar nas próximas décadas.
Não os vejo como estando a ir muito bem. Vejo-os como desesperados, mas ganharam algum território e isso parece ser muito importante para eles, embora eu não perceba como é que eles entendem isso como um ganho, dado o preço que estão a pagar.
Depois, há o fato de os jihadistas, que são mais intensamente anti-Israel do que quase todos os outros, terem ficado mais fortes do que eram antes. Tinham chegado a uma espécie de modus vivendi com o antigo governo sírio. Agora têm estes jihadistas que se vão sentir muito sólidos.
Já existem, pelo que sei, relações bem estabelecidas entre os jihadistas na Síria e o Hamas em Gaza. Portanto, isso não é bom para os israelenses. Esses jihadistas vão estar a ajudar o Hamas mais do que antes, porque vão poder fazê-lo.
E penso que o Michael tenha razão quando diz que o Irã e a Rússia decidiram não voltar a salvar a liderança síria. Já o fizeram no passado. Não quiseram voltar a fazê-lo porque estão a mudar de política.
Estão a tentar perceber como é que agora, nestas circunstâncias alteradas, lhes é de certa forma mais fácil alterar a sua política porque não estão a trair o governo sírio em funções, o que teriam feito antes.
Assim, não discordo do Michael, mas somo as peças e não vejo isto como um grande avanço para o Ocidente. A sério que não. E não creio que mude a trajetória geral.
Penso que o Ocidente está a perder na Ucrânia, que é um assunto mais importante do que a Síria, por várias ordens de grandeza. Essa derrota está a continuar. Não está a mudar.
Penso que os chineses e os russos, o Michael pode ter razão, acreditam que a direção da mudança econômica no mundo os favorece. E penso que têm razão. E que o tempo não está do lado do império americano. Acho que eles têm razão. Os Estados Unidos estão a empunhar a única arma que ainda têm.
Perderam a sua predominância econômica. Não estão numa boa posição. Tentaram usar a guerra econômica contra a Rússia na Ucrânia. E isso é um enorme fracasso. Não funcionou. Não podem usar a sua posição política porque não a têm. Estão isolados. Votam com os israelenses. E isso é tudo o que têm como aliados políticos. Todos os outros estão a repensar a sua aliança.
Penso que estão a assistir, a propósito, à lenta implosão da situação sul-coreana. Foi um acontecimento americano. Tanto quanto sei, os americanos pressionaram os sul-coreanos a entregar enormes quantidades de munições, projéteis de artilharia de 155 milímetros, à Ucrânia, porque mais ninguém o pode fazer. Os sul-coreanos têm a maquinaria e os stocks.
Mas o parlamento da Coreia do Sul é de esquerda. A maioria do parlamento é de esquerda. E eles não permitirão o envio de projéteis de artilharia para a Ucrânia.
Portanto, o único meio de conseguir que isso fosse feito foi o que o presidente tentou fazer. Declarar a lei marcial. Dissolver o parlamento na Coreia do Sul para que ele pudesse governar e fazer o que os americanos querem. Não só isso não aconteceu, como ele está prestes a ser expulso. Ele foi-se embora. E o parlamento está lá. Esta é uma derrota para os Estados Unidos. Potencialmente uma derrota muito importante.
A Coreia do Sul é, não sei, a sétima ou oitava maior economia do mundo. É um assunto muito sério, o que se está a passar ali. E vai transformar a política asiática.
Bem, tu sabes, China, Japão, Coreia do Sul, Filipinas. Tudo isso muda.
Portanto, eis a minha conclusão.
O Michael pode estar certo quando diz que o próximo passo da China e da Rússia será formalizar os BRICS não só como uma aliança econômica, mas também como uma aliança militar. E farão isso porque os Estados Unidos demonstraram que, tendo perdido as suas armas econômicas, tendo perdido a sua posição política, global e ideológica, tudo o que lhes resta é a sua superioridade militar. E estão a tentar usar isso e a tentativa não está a correr bem.
É essa a realidade. E penso que podem acabar por ter militares que sentem não terem escolha devido ao risco de os Estados Unidos dependerem cada vez mais deles porque não têm outras armas.
E será interessante ver se nos primeiros meses e anos de Trump, como é que ele vai lidar com esta redução da posição global dos Estados Unidos.
Mas acho que discordo um pouco do Michael. Não em nenhum dos pormenores, disse ele. Esses estão corretos. Mas sobre a forma como ele o coloca em termos de um quadro mais alargado. Não creio que se trate de uma grande mudança no curso dos acontecimentos.
Deixem-me pôr as coisas nestes termos.
Quando os impérios se desmoronam, desmoronam-se na sequência da desintegração dos seus elos mais fracos.
É um pouco como a resposta de Lenin à pergunta: “Porque é que a revolução socialista mais séria aconteceu primeiro na Rússia? Porque não na Alemanha? Porque não em Inglaterra?
E a sua resposta foi que a Rússia era o elo mais fraco peculiar. Por um lado, tinha um setor capitalista avançado. Mas, por outro lado, era travada por uma agricultura momentaneamente atrasada, que representava 95% da população da Rússia em 1917. Portanto, tinha qualidades peculiares. E lembrem-se que Lenin dedicou um livro de 600 páginas, intitulado A história econômica da Rússia”, a explicar por que razão a Rússia era o elo mais fraco onde os socialistas podiam trabalhar.
Penso que a Síria era um elo muito fraco de uma corrente que já não aguenta mais, que está a ser desfeita em pedaços. Já era um sítio dividido. Não era realmente governada por um centro. Assad só controlava Damasco. Em Homs e Hamad e nas outras duas grandes cidades, Aleppo, ele não controlava nada. Era uma farsa o que ele controlava.
Acho que estamos a ver que isto não está a aguentar. E a Coreia do Sul, para mim, é outra. Não está a aguentar. Simplesmente não está a aguentar. E vamos ver sítios estranhos como a Coreia do Sul e a Síria.
E o que vai aparecer é que eles são, cada um à sua maneira, o elo fraco que não consegue lidar com as contradições cada vez mais profundas.
E aqui está uma ironia. Penso que o próximo pode ser o maior choque e surpresa de todos. E esse é a Europa Ocidental. Eles estão a ser castigados.
O Michael e eu falámos sobre isso.
Os europeus estão a ser apanhados numa situação impossível. Terão pago o maior preço econômico e político pela guerra na Ucrânia, que vão perder. Não podem aguentar. Os Estados Unidos não vão aguentar. A Ucrânia vai desintegrar-se, mais ou menos. E eles terão pago um preço e não terão obtido nada.
E isso vai produzir, a partir de baixo, pressões nesta sociedade que vão ser inacreditáveis.
Se o Sr. Merz na Alemanha substituir, e ele é de direita, se ele substituir Schultz, essa não é a solução para a Alemanha. Isso agrava os problemas da Alemanha.
Portanto, podemos estar a falar de algo muito mais poderoso, globalmente falando, do que aquilo que acontece na Coreia do Sul e na Síria e em breve.
NIMA: Parece-me, Michael, parece-me que o que aconteceu na Síria foi um produto do que está a acontecer na Ucrânia e no Oriente Médio.
Porque os Estados Unidos, a administração Biden não foi bem sucedida na sua luta contra a Rússia na Ucrânia.
Por outro lado, Israel não foi bem sucedido em Gaza e no sul do Líbano. Foi por isso que foram atrás dessa paz temporária.
E qual foi a última tentativa da administração Biden? Vamos fazer algo grande na Síria e vamos mostrar ao mundo que somos fortes. Podemos fazer algo grande naquela região. Podemos derrotar a Rússia e o Irã ao mesmo tempo na Síria.
MICHAEL HUDSON: Bem, isto traz à baila a questão que o Richard mencionou sobre a superioridade militar. O que é a superioridade militar?
Bem, a OTAN já não tinha superioridade de infantaria.
Não tinha tropas. Não há tropas para invadir um país. Portanto, não há capacidade para invadir nenhum país, nem mesmo a Síria.
A OTAN já não tinha a superioridade de armas. Não tem armas. Gastou-as todas na Ucrânia. E o único tipo de armas que a OTAN ainda tem são as bombas atómicas.
Assim, as pessoas pensam nisso como o limite da superioridade militar.
Mas os Estados Unidos têm um tipo de superioridade militar que é muito forte e que os BRICS não têm. E esse é o terrorismo. É o caos. Eles controlam o terrorismo.
É difícil dizer o que teria acontecido, mas lembrem-se da conferência de Astana que resolveu a divisão da Síria há alguns anos.
Os países não pertencentes à OTAN tinham tudo aparentemente estabilizado. E tinham todo o ISIS, os terroristas, escondido em Idlib.
E a seguir os americanos e os ingleses disseram: “Há uma coisa que não queremos que façam, deixem ficar isto – uns diminutos 99% de toda a Síria. Vocês têm-na sob o vosso controlo. Deixem-nos ficar com o 1%. Esse 1% era um cancro. E o cancro espalha-se muito rapidamente.
Os americanos têm uma enorme superioridade no terrorismo. Foi o suficiente para conquistar a Síria. É o terrorismo que tem sido usado nas repúblicas islâmicas vizinhas da Rússia para desestabilizar lá.
Os BRICS não têm um braço terrorista. E essa não é certamente a sua estratégia.
Qual pode ser a sua estratégia contra o terrorismo, sabe, a não ser realmente acabar com ele?
Deviam ter dito: “Muito bem, a América e a Inglaterra vão bombardear-nos se eliminarmos Idlib”. O fato é que Idlib tomou o controlo.
Vai haver uma guerra em todos os casos. E uma vez que – como eu disse antes, se vai haver uma guerra em qualquer caso, onde e em que ponto, vai combatê-la?
A Rússia continua a ditar uma linha vermelha atrás da outra, uma atrás da outra. Há uma dissensão no seio da Rússia que diz: “Esperem um minuto. Quando é que vão responder a estas linhas vermelhas? Porque, se não sabem, cada vez que há uma linha vermelha que a OTAN expande, a Rússia tem menos capacidade de manobra.
O Irã tem agora muito menos capacidade de manobra. E se, quando o Irã enviou os mísseis para Israel, que não tinham bombas, apenas para dizer: “Olhem, estão a ver, podemos chegar às suas defesas. E se o Irã tivesse bombardeado Israel e impedido a sua expansão? Estaria numa posição mais forte ou numa posição pior?
Não sei o suficiente sobre as preocupações militares para o dizer, mas a certa altura terá de usar as suas armas ou então perdê-las. Qual é o objetivo de esperar? Qual é o timing de que estamos a falar?
Será que têm um plano temporal para falarem um com o outro? Eis o que vamos fazer, quando. E, em caso afirmativo, quais são as datas-chave em que vão avançar e como é que vão avançar? Não estou a ver qualquer indicação. Não consigo adivinhar e nem sequer sei se estão a reconhecer o fato de que vai haver uma guerra total.
Provavelmente vamos evitar a guerra atómica.
Mas, sem poderem limitar o caos e o terrorismo, os americanos dizem: “Bem, em última análise, é o caos. E nós temos as sanções. Foram as sanções que desestabilizaram a Síria e a empobreceram toda e permitiram que o exército não lutasse e que a população se opusesse a Assad.
E a América continua a ter o domínio monetário. Não há realmente nenhum acordo entre os BRICS sobre o que fazer a nível monetário. Por isso, eu não descartaria o império americano tão rapidamente. Ainda não é um tigre de papel.
NIMA: Richard.
RICHARD WOLFF: Bem, sabes, podes ter razão, Michael. Não estou convencido, de uma forma ou de outra, sobre o momento.
Sei que os chineses aceleraram o desenvolvimento das suas forças armadas muito para além do que costumavam fazer, mesmo quando já estavam a tornar-se uma potência global.
Parece que compreenderam o seu ponto de vista e que precisam agora de desenvolver a capacidade militar, quanto mais não seja, para afastar os Estados Unidos da sua fronteira em Taiwan e no Mar do Sul da China, etc. Mas penso que eles têm recursos.
Se excluirmos a guerra nuclear pelo fato de ser contraproducente, lembremo-nos que o G7 tem talvez 10% da população mundial e os BRICS 60%. Nem sequer está perto.
Quem é que vai travar uma guerra convencional com tropas, corpos e pessoas? É horrível pensar nisso. E não quero entrar em pormenores. E não sou especialista militar e não pretendo ser.
Mas há aqui uma disparidade, que os Estados Unidos ignoram por sua conta e risco.
Não estamos a falar de entidades comparáveis. Estamos a falar de uma parte muito pequena da comunidade humana de um lado e de uma parte muito grande da comunidade humana do outro. E isso tem implicações que não podemos esquecer. O que é que significaria uma vitória dos Estados Unidos? Se fizerem de 60% das pessoas um inimigo, que tipo de vitória é que conseguiram?
Podem destruir os edifícios, podem destruir a economia, mas têm todas essas pessoas que vos odeiam, que vos veem como a pior coisa que existe na Terra.
Temos comentado que os israelenses estão a empreender um programa de domínio do Oriente Médio que produzirá um século inteiro de pessoas que perderam os seus familiares para os israelenses e que não o esquecerão. Valerá isso a pena? Têm noção de quanto vão pagar por tudo isto? Não me parece.
E penso que muitas das sociedades de ambos os lados, dos países de ambos os lados, vão ficar surpreendidas com o desenrolar da situação. Não me parece que as cartas estejam assim tão bem alinhadas no Ocidente.
Eu diria mesmo que parte da razão pela qual existe um fenómeno Trump é que, sem ser explícito, é um reconhecimento de que o que eles têm feito não funciona.
Quando Trump se insurge contra a guerra sem fim e diz que os democratas são o partido da guerra sem fim, é um pouco o reconhecimento de que isto não está a funcionar.
Eles não se oporiam à guerra sem fim se a guerra sem fim parecesse ser a solução.
E podem fazer todos os truques que quiserem, todos os segredos desagradáveis – e fazem tudo isso, compreendo o que o Michael está a dizer.
Mas é muito mais fácil para a Rússia e a China replicarem, porque em parte já o fazem, e podem aumentar tudo isso. É muito fácil, porque tudo acontece abaixo do radar.
E, mais uma vez, quero lembrar as pessoas. O G7 representa 10% da população mundial. Os BRICS são 60% das pessoas do mundo. Agora. E isso é uma disparidade enorme.
Não se quer empreender uma guerra nestas circunstâncias. Não estamos a falar dos velhos tempos coloniais em que tínhamos uma arma e as pessoas não tinham. Isso acabou. E agora a disparidade numérica começa a ter o seu significado.
Acabou para o Ocidente. Eles ainda não perceberam. Querem atuar. Querem que todos nós acreditemos. Mas acabou. E há uma implacabilidade que está a acontecer aqui. E continuo a defender que a desintegração da Síria, aconteça o que acontecer, é um problema pelo menos tão grande para o Ocidente como para o Oriente.
MICHAEL HUDSON: Bem, não sei se é uma questão de armas.
É certo que o Ocidente não tem uma vantagem em termos de armas. Mas, como é que podemos ter uma arena diferente da arena militar? E eu disse, o terrorismo não é exatamente uma arma, mas é uma tática ou uma arma que só o Ocidente tem porque a sua única estratégia, precisamente porque está a perder, a única estratégia que tem é o caos para evitar que o processo de perda continue.
Diz: “Bem, nós vamos perder. Estamos desindustrializados. Não temos o poder militar, a população, a infantaria. O que podemos fazer é apenas o caos e tentar ter outras arenas para além da arena militar.
Caso contrário, perderemos, tal como aconteceu na Ucrânia. Mais uma vez, o terrorismo é uma parte. As finanças são outra. As sanções e o comércio são outra. A corrupção é outra”. A National Endowment for Democracy. Os Estados Unidos estão a analisar diferentes formas.
E vimos os dois grandes acontecimentos políticos das últimas duas semanas, para além da Síria. As eleições na Roménia e na Geórgia.
Os países da OTAN dizem: “Só permitiremos que as eleições sejam democráticas. Democrática significa apoiar os Estados Unidos. Se é uma política que não apoia os Estados Unidos, mas apoia a paz, apoia o não combate, apoia o não combate à Rússia, isso não é democrático por definição.
Isso é apoiar autocracias. E nós anulámos eleições. Já vimos isso acontecer duas vezes. O Ocidente suspendeu as eleições, basicamente. A OTAN está a alargar o seu poder sobre os países.
Perdeu na Coreia [do Sul], mas não sei realmente o que vai acontecer na Coreia [do Sul]. O que é que vai substituir o líder fantoche dos EUA que lá estava?
Todos os líderes da Coreia, de uma forma ou de outra, sempre se sentiram dependentes dos Estados Unidos. E, afinal, os Estados Unidos ainda têm uma enorme guarnição militar no país.
Portanto, estamos perante um novo tipo de guerra assimétrica, precisamente porque a OTAN e os Estados Unidos se apercebem do que o Richard diz: que não podem combater da mesma forma que costumavam combater e, por isso, estão a inovar.
RICHARD WOLFF: Não discordo de nada. Diria apenas que os Estados Unidos têm vindo a fazer isso há muito tempo – têm recorrido ao terrorismo e a ações secretas. Periodicamente, essas ações são expostas aqui nos Estados Unidos, e podemos ver a sua extensão, o que é notável. E não há razão para presumir que isso não tenha continuado e, quando muito, se tenha tornado numa abordagem mais generalizada.
Mas, mais uma vez, eu compreendo-o. Não posso prever o futuro.
Os BRICS, apesar de toda a sua natureza heterogénea, são países estranhos que se estão a juntar. Essa estranheza diz-nos que há algo mais importante a acontecer e que estes povos estão a ser levados consigo, apesar de não se encaixarem muito bem.
E, no entanto, estão a tornar-se aliados de fato da Rússia e da China.
A guerra na Ucrânia, como o secretário de Defesa Austin disse no início, no início de 2022, foi concebida para enfraquecer e, esperamos, dividir a Rússia. Trata-se de um fracasso colossal.
Quero dizer, é um fracasso épico em termos do que fez, na minha opinião, em termos de fazer avançar a Rússia, a China, a Índia e todos os BRICS em várias ordens de grandeza num período muito condensado de tempo histórico.
E os Estados Unidos não podem sair desta guerra, esse é o seu problema agora, porque é contraproducente para o que está a tentar fazer. Mostrou ao mundo inteiro que os russos tinham uma capacidade militar que ninguém lhes teria atribuído antes, nem mesmo eles, muito menos qualquer outra pessoa.
Teríamos de nos torcer todos para fazer disto um êxito do Ocidente. E, no entanto, eles investiram imenso nisso.
E o enfraquecimento da OTAN impressiona-me: Tenho família em França, mas nunca os ouvi falar da forma como os estou a ouvi-los agora.
Estão contra a liderança do seu próprio país e a sua política externa em grande escala. Há uma razão para os Coletes Amarelos terem acontecido lá. Há uma razão pela qual os partidos de esquerda se juntaram e são agora o maior bloco na Assembleia Nacional. O Sr. Macron é um líder pato manco. Tem o mesmo poder político que o Sr. Biden tem agora. Ou seja, quase nenhum.
E o Sr. Schultz está mesmo atrás deles. E estas são as duas potências. A Inglaterra é uma anedota, sabe, uma anedota de mau gosto. E todos eles estão a espremer a sua classe trabalhadora, o que só está a piorar a sua situação.
Os alemães. A VW está em greve. A VW propôs um corte de 10% nos salários dos seus trabalhadores. É essa a sua proposta. Claro que estão em greve. Têm uma inflação horrível e dizem-lhes que os seus salários vão baixar 10%. E o caminho que a VW segue é o caminho que o resto da Alemanha segue. São uma força dominante nesse país. E por aí adiante.
O governo caiu na semana passada em Paris porque o seu orçamento previa cortes nos serviços para a massa da população. O que eles não querem. Não toleram.
A direita e a esquerda juntas são a esmagadora maioria e votaram contra o governo. E não vão deixar entrar outro igual.
Por isso, o Ocidente tem problemas extraordinários que o impedem de estar numa posição tão forte.
MICHAEL HUDSON: Bem, o comentário do Richard está a levar a uma questão que ainda não discutimos. Quem é realmente o maior inimigo da OTAN e do império dos Estados Unidos? Bem, são os Estados Unidos. Vai ser a administração Trump.
Todos os impérios sempre caíram a partir de dentro. E é o carácter autodestrutivo tanto dos Estados Unidos como da OTAN que está a ser dilacerado pelo fato de os americanos exigirem que a OTAN suporte os custos da nova Guerra Fria da América.
É isso que vai realmente pesar na equação, penso eu, muito mais do que a reação chinesa, russa e britânica neste momento.
São os Estados Unidos que se estão a autodestruir e a Europa que se está a autodestruir e que está a conduzir às eleições que acabámos de mencionar há poucos minutos, em que as populações elegeram pessoas que não apoiam a OTAN.
E a OTAN e o governo são suficientemente fortes para dizer: nós controlamos as ditaduras na Europa de tal forma que, como disse Annalena Baerbach, não importa o que os eleitores queriam, nós é que mandamos.
A questão que se coloca é: será que isto vai enfraquecer a OTAN e ser um sinal de desmoronamento político, como o Richard descreveu que está a acontecer em França, mas também na Alemanha e noutros países? Ou será que a OTAN vai ganhar e dizer: agora somos um Estado totalitário? É isso que é uma democracia. Uma democracia significa que não se tem voto porque isso é instabilidade, ao contrário das autocracias que apoiam políticas que a população quer. É essa a verdadeira questão que se nos coloca. Quem é que vai vencer o plano americano de dominação mundial? A América ou os BRICS?
Ouçam, gosto do que o Michael acabou de fazer.
Penso que é correto, uma vez analisada a situação internacional, que o próprio processo que acabámos de fazer, olhando para a situação internacional, nos leve de volta para onde nos deve levar. O Michael afirma corretamente que os impérios do mundo, grandes e pequenos, normalmente implodem. Não costumam ser conquistados.
E lembrem-se, a União Soviética desmoronou-se em 1989, não porque os Estados Unidos tenham feito isto ou aquilo. Quero dizer, o comportamento dos Estados Unidos teve um papel a desempenhar, é claro. Não é que o exterior não desempenhe qualquer papel. Não é isso que o Michael está a dizer. Mas ele está a dizer que o foco, onde devemos procurar os elementos-chave que emergem é interno.
Gostaria de dar mais um passo e falar sobre algo que aconteceu aqui na cidade de Nova Iorque na semana passada. E penso que é diretamente relevante. Assim, se se pode acreditar na imprensa, e eu digo sempre isto, não tenho a certeza que se possa, mas se se pode, prenderam um jovem.
E o jovem que prenderam, será acusado de ter morto a tiro o diretor executivo da United Healthcare Corporation, que é um gigante dos seguros médicos, a maior das empresas de seguros médicos. Disparou sobre ele numa rua de Nova York e matou-o. Ok.
Este assassínio podia ter sido tratado da mesma forma que os americanos tratam os assassínios, ou seja, os nossos pensamentos e orações vão para a família da vítima. Por causa da sua tragédia e do seu sofrimento.
No entanto, a esmagadora maioria dos comentários, e estamos a falar agora de milhões, porque estamos a falar de redes sociais. TikTok, Instagram, Twitter, X, todos eles. A esmagadora maioria dos comentários não era sobre a vítima ou o ato de assassinato. Eram expressões de inequívoca simpatia pelo que foi explicado como a provável motivação do assassínio. Por causa das palavras “atrasar”, “negar” e assim por diante nos invólucros das balas que foram usadas. Está bem.
O que é que as pessoas disseram? O povo da América disse que está indignado. Estou agora a interpretar, mas acho que não há grande disputa aqui. Estão indignados com o sofrimento imposto ao povo americano pelas companhias de seguros que recebem o seu dinheiro e depois negam ou atrasam a cobertura das suas necessidades médicas quando têm um ferimento ou uma doença.
Bem, já me lembro o suficiente das minhas leituras sobre guerrilha e mudança social. O que acabámos de ver nos Estados Unidos foi uma população cuja simpatia está do lado de Robin dos Bosques e não contra as pessoas a quem Robin dos Bosques espetou uma seta. E isso é um sinal.
Se eu fosse um líder dos Estados Unidos, isto preocupar-me-ia numa escala que torna a Síria e a Coreia do Sul irrelevantes, sem importância. O que acabaram de ver foi uma declaração. E, já agora, está confirmado. Eu fiz as estatísticas. O custo dos cuidados médicos está fora de controlo nos Estados Unidos e tem vindo a aumentar.
Temos aqui um monopólio de fato. Chama-se, ou deveria chamar-se, complexo médico industrial.
Trata-se das empresas farmacêuticas, dos hospitais, dos médicos e das companhias de seguros médicos. Estas quatro indústrias constituem um monopólio coletivo e conseguiram o que nenhum outro sistema médico conseguiu na Europa ou em qualquer outro lugar.
É mais caro obter cuidados médicos nos Estados Unidos do que em qualquer outra parte do mundo. Os medicamentos são mais caros. A estadia no hospital é mais cara. Os honorários dos médicos são mais elevados. É só dizer. Pagamos demasiado por isso.
Cerca de 20% do PIB está a ser canalizado para a profissão médica, porque eles podem exigir isso. Têm o monopólio.
E as pessoas estão a revoltar-se. E a vanguarda da revolta estava naquele jovem, jovem homem de uma família rica da Pensilvânia e de Maryland. Formado pela Universidade da Pensilvânia, que é uma instituição da Ivy League neste país. Ele sabe o que está a fazer. Ele compreende o que está em jogo. Ele sabe que está a tomar uma posição avançada.
E agora isso foi confirmado pela reação das massas. Isso é um sinal de um sistema que se está a desintegrar por dentro. E é absolutamente claro que as pessoas que dirigem estas instituições, este monopólio, estão a toda a velocidade a fazer o que têm estado a fazer. Não estão a parar. Não estão a abrandar. Nada.
E o mesmo se passa com todos os outros dirigentes desta sociedade, políticos e econômicos, o que significa que temos um comboio a dirigir-se para um muro de pedra sem qualquer noção do que está prestes a acontecer.
MICHAEL HUDSON: Não está realmente fora de controlo, pois não, Richard? Está totalmente sob controlo. Está sob o controlo dos monopólios.
E se as pessoas lessem os comentários de apoio ao atirador, os mais impressionantes são de médicos.
E são os médicos que se estão a queixar, não apenas os pacientes. E parte disso deve-se à forma como o capital privado se apoderou das profissões médicas.
A clínica do médico que eu tive nos últimos 20 anos acabou de ser vendida a um controlador de capital privado. E o médico que o substituiu tem 2.000 pacientes. Bem, não sei como é que um médico, se tiver uma consulta anual ou algo assim, com 2.000 pacientes acho que não teria muito tempo para mim.
E já tive a oportunidade de receber tratamento médico num hospital. E todos os médicos limitaram o tempo de consulta a 20 minutos. Foi o que aconteceu. Não sei o que têm na sua agenda ou o que estão a faturar. Mas a minha experiência é de 20 minutos, incluindo com o médico particular que eu tinha.
Assim, todo o tratamento das condições médicas foi bastante alterado. E isso perturbou toda a luta das associações médicas americanas contra aquilo a que chamavam medicina socializada. É o socialismo sobrecarregado. E o que temos são os horrores da medicina privatizada de capital privado.
E foi a privatização e o controlo por parte das empresas farmacêuticas e de seguros de saúde que retirou o poder que os médicos pensavam ser capazes de preservar ao combater o socialismo.
Acontece que um sistema de saúde público, um sistema de pagamento único, em que os médicos fossem pagos para manter as pessoas saudáveis, teria sido muito mais favorável, tanto para os médicos como para os pacientes, do que o sistema que temos, em que o médico se limita a fazer análises ao sangue e outros exames.
Têm uma lista de controle e os médicos fazem agora parte da inteligência automática. Dizem: façam os testes. Aqui está o que ele diz para fazer. Não há tempo para os médicos usarem o seu discernimento nos Estados Unidos.
Foi o que disse o meu médico pessoal que se reformou. Dizia que, antigamente, os médicos conheciam os doentes. Eram capazes de ter em consideração todo o corpo, e não apenas um problema de coração. Aqui está um problema de peso. É isso. Mas agora tudo é cortado em partes e tudo segue uma resposta automática e esquematizada por computador a tudo.
Portanto, sim, isso faz parte dos cuidados médicos e faz certamente parte do colapso que se está a verificar aqui, tal como na Grã-Bretanha.
RICHARD WOLFF: Posso dar outro exemplo, embora compreenda que estamos a desviar a conversa.
Mas, sabe, costumava ser uma espécie de senso comum que se pode julgar um sistema econômico de acordo com a forma como ele fornece comida, roupa e abrigo. E depois podemos acrescentar os cuidados médicos, a educação e algumas outras coisas.
Mas, a par da crise dos cuidados médicos, temos também uma crise de habitação. O custo da habitação e das rendas está fora de série.
Costumávamos ter uma regra de ouro que dizia que se gastássemos mais de 25% do nosso rendimento em habitação, estaríamos a ser tratados de forma abusiva na nossa economia. Não se pode fazer isso. Bem, agora a maioria dos americanos está a gastar mais de 25% do seu rendimento em habitação. Quer dizer, é um fracasso. É como os cuidados médicos. É um fracasso.
O sistema não está a funcionar. Estas coisas podem ser tratadas uma a uma. Podem ser disfarçadas por um público, um sistema de comunicação social que se recusa a expor a realidade. É como o terrorismo de que o Michael falou, que pode ser usado para resolver certos tipos de problemas no mundo. Mas, no final, não se pode fazer tudo.
Não se pode aterrorizar o mundo e aterrorizar o nosso próprio povo, tirando-lhe um nível de vida que ele foi levado a esperar como seu direito. O povo americano não tem como comparação 300 anos de pobreza abissal. Tem como comparação os meados do século XX, quando tinha um nível de vida bastante bom. Isso está a ser-lhe retirado.
E isso é um poderoso estimulante para o tipo de atividades que vimos nas ruas de Manhattan na semana passada. Esta é uma sociedade que está a surgir.
E, mais uma vez, deixem-me falar-vos dos emails que recebo da Europa. A minha família já não quer vir cá como turista, com medo de ser alvejada na rua por alguém por qualquer motivo. Isso é um exagero. Eu digo-lhes isso.
Mas há um significado mais profundo na sua ansiedade. Que está a ocorrer uma mudança. E não há fim para isso. Isso não vai melhorar. Vai piorar. Não há nada que indique que vai melhorar.
A própria mentalidade do Sr. Trump e das pessoas que ele está a colocar no poder mostra que eles estão a subir e a avançar com mais disto. Eles querem menos governo e menos apoio social. Está bem, isso vai tornar os ricos mais ricos. Mas essa não é a solução para os problemas deste país. Muito pelo contrário.
MICHAEL HUDSON: Por isso, quando o Presidente Trump diz “tornar a América grande outra vez”, não quer dizer voltar ao que Richard descreveu como era antigamente, em que toda a gente podia comprar uma casa e toda a gente podia pagar cuidados médicos. É, tornar a América ainda menos óptima, seguindo a mesma linha.
É interessante que os três pontos que discutimos são, como já referi tantas vezes, o setor FIRE. Finanças, seguros e imobiliário. Começámos por falar do seguro de saúde e o atirador disse: “Isto não é terrorismo. Isto é uma revolução. Uma revolução não é terrorismo. Estamos a tentar derrubar o sistema.
O Richard acabou de comprar uma casa. O Richard comprou habitação. Imobiliário, seguros, e por detrás de todo o sistema estão as finanças. Porque ainda há dois dias, acho que uma combinação de Blackstone e outras empresas desenvolveram enormes projetos de habitação para arrendamento. Atualmente, a maior parte da construção nos Estados Unidos não está a criar habitações para vender a proprietários de casas.
Está a criar habitações para vender a organizações financeiras que as estão a comprar como senhorios ausentes, percebendo agora que o Presidente Obama iniciou a grande inclinação descendente para substituir uma sociedade de proprietários de casas por uma sociedade de senhorios. Agora, há cada vez menos casas disponíveis para serem vendidas, e nós, como senhorios, podemos cobrar o que quisermos.
Podemos fazer o que os senhorios do século XIX estavam a tentar fazer.
E o objetivo da economia clássica é retirar-lhes o poder.
O poder que os senhorios costumavam ter sobre a Europa foi agora tomado pelo setor financeiro, e a renda é para pagar juros porque as empresas financeiras basicamente pedem empréstimos baratos, compram as casas de arrendamento, aumentam os custos.
E agora têm programas computorizados que são uma espécie de conspiração computorizada. Os computadores dizem-nos exatamente quanto podemos cobrar em relação ao que o mercado suporta no limite absoluto. Assim, a proporção dos encargos com a habitação em relação ao rendimento pessoal nos Estados Unidos está a subir e a subir e a subir, muito mais do que 25%.
Em Nova Iorque, penso que há uma grande faixa da população que paga atualmente mais de metade do seu rendimento pela habitação. É por isso que há tantos lugares vagos nos edifícios de escritórios. As pessoas não podem vir para Nova Iorque e aceitar um emprego em que metade do seu rendimento seja para pagar a renda.
Por isso, os edifícios de escritórios estão vazios, o que provoca uma crise imobiliária incipiente, que consiste em manter estes edifícios de escritórios zombies fora do mercado. É o “emprestar e fazer de conta”. Os bancos estão a emprestar o dinheiro para pagar a hipoteca a fim de não terem de reconhecer subitamente que o imobiliário para edifícios comerciais foi todo esvaziado nos Estados Unidos por causa disto.
E este esvaziamento das habitações agravou o problema da saúde e dos seguros, porque o Centro de Controlo de Doenças diz que não podemos fazer com que as pessoas usem máscaras.
Não podemos travar a propagação da COVID através de um melhor ar condicionado ou do uso de máscaras porque, se o fizermos, as pessoas ficarão em casa em vez de irem para os edifícios. Precisamos que elas finjam que não há qualquer perigo de COVID para que possam voltar aos escritórios, para que possam pagar as rendas, para que os proprietários dos edifícios possam pagar as hipotecas que devem aos bancos, para que os bancos não entrem em falência porque, de repente, o valor das suas hipotecas caiu drasticamente.
Portanto, todo o sector FIRE está interligado. É o calcanhar de Aquiles da economia americana e, para além dela, do império americano.
RICHARD WOLFF: E é aí que, na minha opinião, começa a pressão implacável que depois toma a forma de problemas no estrangeiro.
Porque, na realidade, é a vossa situação interna que vos constrange. Não podes fazer isto. Não se pode fazer aquilo. Assim, não se pode fazer no estrangeiro o que se podia fazer quando se era o rei da colina. Ao sair da Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos eram o rei da colina.
Se o dólar for a moeda global, podemos fazer todo o tipo de coisas que não podemos fazer se o dólar não for. Quer dizer, isso manifesta-se na incapacidade de levar o diretor do banco central da Malásia a fazer o que queremos. Mas começa com a incapacidade de nos mantermos no nosso país na posição que outrora pudemos ocupar.
Foi o que aconteceu à União Soviética. Não conseguiu travar uma corrida ao armamento com os Estados Unidos e ocupar o Afeganistão. Não o podia fazer. Podia ter feito uma coisa ou outra. Talvez, a certa altura, pudesse ter feito tudo. Na altura em que estamos a falar disso, tinha demasiadas exigências, se me permitem, em relação aos excedentes que produzia.
Não podia satisfazer essas exigências. Não havia excedente suficiente para o poder fazer. E, nessa altura, o sistema entrou em colapso. Não pode funcionar.
Não sei quando é que isso vai acontecer neste país, mas tenho uma sensação muito forte de que é aí que estamos. É isso que está a acontecer.
E, pouco a pouco, pessoa a pessoa, país a país, elo mais fraco, elo menos fraco, estamos a descobrir sinais disso.
Os europeus, vejam bem, os europeus têm tido um jogo extraordinário.
Desde o fim da Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos disseram-lhes: “Vamos proteger-vos contra os russos. E protegemos. E vocês não têm outro inimigo. Nós protegemos-vos. Não precisam de gastar o dinheiro com as forças armadas. Nós fá-lo-emos. E fá-lo-emos porque o nosso governo, ao apoiar as nossas forças armadas, pode dar o estímulo fiscal à nossa economia, sem o qual voltaríamos a entrar em depressão. Portanto, vamos fazê-lo. E têm a oportunidade de prestar serviços à vossa comunidade empresarial e à vossa classe trabalhadora sem lhes tributar o dinheiro que custaria ter, além disso, um exército. Assim, poderá tributá-los menos e, ao mesmo tempo, fornecer o que eles precisam. É o nirvana para si, como político. Mas o acordo é que tens de ser o agente fiel dos Estados Unidos como o teu guarda-chuva militar. Era esse o acordo. E isso funcionou muito bem. Permitiu que os alemães tivessem o seu Wirtschaftswunder [milagre econômico] sob Konrad Adenauer e tudo o que veio desde então.
Permitiu que a liderança anticomunista da Itália, da França e da Grã-Bretanha chegasse ao topo. Por isso, puderam cumprir os seus objetivos através da aliança da OTAN com os Estados Unidos. Podiam cumprir mais do que qualquer outra pessoa. E conseguiram-no. Este foi um acordo muito bem elaborado.
Isso agora está acabado. É isso que o Sr. Trump está a tentar dizer às pessoas. “Não estou a pagar por isto. Não vou continuar a fazer isto. Não porque não queira. Porque não posso. Já nem sequer vou manter as nossas forças armadas. E de certeza que não o vou fazer por vocês.
Compreenderá ele o que fará à economia americana? Não. Provocará danos aqui? Acho que sim.
Mas, antes de mais, irá paralisar os europeus. Porquê? Porque todos aqueles fiéis pró-americanos, o Baerbach na Alemanha. Ou o Starmer em Inglaterra. Ou o Macron. Ou até a Meloni. Estas pessoas na Europa. Elas não podem cumprir aquilo para que foram eleitas.
Porque os Estados Unidos estão a dizer-lhes. Ou desenvolvem as vossas próprias forças armadas, o que vos custará uma fortuna. Ou estão à nossa mercê. E nós vamos sacrificar-vos. E sabem como? Bem, vejam o que vos estamos a fazer agora. Estamos a privar-vos de energia barata. E não estamos a fazer nada para vos ajudar a penetrar no mercado chinês.
Sem o mercado chinês, por um lado. E a energia barata da Rússia, por outro. Eles estão acabados. Estão mortos. Desapareceram. E o público na Europa está a confrontar-se com essa realidade. O que é que vamos fazer nesta situação em que não há saída? Onde é que estamos? O que é que vamos fazer?
E os seus dirigentes não lhes estão a oferecer nada. A continuação da subordinação aos Estados Unidos, que é para eles um caminho a seguir. Ou a perspectiva assustadora de se separarem dos Estados Unidos, o que para eles é uma novidade assustadora que não consideravam seriamente há 75 anos.
A esquerda e a direita querem seguir a nova direção. O centro está aterrorizado. É esta a política europeia neste preciso momento. E ninguém sabe onde é que isso vai parar. Mas falemos do futuro. Poderemos ter a NATO sem a Europa, o que significa um regresso aos Estados Unidos. E isso não vai fortalecer os Estados Unidos. Vai enfraquecê-los.
NIMA: Se se lembrarem de Donald Trump no seu primeiro mandato, ele falava em construir um muro entre os Estados Unidos e o México. Disse: “Vou construir um muro e o México vai pagar por ele. E agora, com estas tarifas, novas tarifas, ele vai impo-las aos europeus.
E acredito que, da forma como ele está a falar sobre a China, as tarifas seriam sobre as pessoas nos Estados Unidos. E elas vão ripostar. Esta política vai ser retaliada.
Sim, claro. E vai começar quando os americanos compreenderem que os direitos aduaneiros são pagos pelos americanos, não por esses outros países, mas pelos americanos, em primeiro lugar. E parte dela pode depois ser paga pelo estrangeiro para se adaptar. Mas a tarifa vai ser um fardo para a economia americana.
Se me permitem, há algo de maravilhoso num conservador republicano.
Lembremo-nos que o Partido Republicano é o partido político que, durante o último século, se orgulhou de ser o partido contra os impostos. É assim que concorre a todas as eleições de sempre. Para presidente, para senador, para deputado, para prefeito da cidade, para governador do estado. Eu sou contra os impostos.
E o que é que o Sr. Trump tem como programa económico número um? Tarifas. Bem, as tarifas são um imposto. As tarifas são apenas o nome de um imposto específico. Nomeadamente, um imposto sobre bens e serviços importados que são produzidos noutro país e entram no seu país para venda final.
Por outras palavras, o partido anti-impostos tornou-se o partido pró-impostos. Sabem o que é que isso significa? Que tudo está a mudar.
Estamos num momento de enorme mudança.
E, já agora, este será o nome desse partido daqui para a frente. Vai ser atacado pelos democratas por nos ter prejudicado com estas tarifas.
Já se está a ver. Este tipo de transformação é um sinal de mudança social, se é que alguma vez precisámos de um. Os velhos arranjos acabaram. Estamos num novo lugar. E compreendo que as pessoas estejam preocupadas e assustadas com isso.
Mas a mudança é dramática tanto aqui como na Síria, na Coreia do Sul, em França ou em qualquer outro lugar onde se vejam mais manchetes. Essas manchetes estão a chegar aqui e estão a chegar em breve.
NIMA: Muito obrigado, Richard, por ter estado conosco hoje. Temos de acabar por hoje.
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