Foto: Ibrahim Amro / AFP
Wagner França
Os acontecimentos recentes no Oriente Médio colocam o mundo diante de uma das maiores ameaças internacionais desde o fim da Guerra Fria. A escalada entre Israel e Irã ultrapassou o limite dos alertas diplomáticos e agora se desenha como uma crise internacional multifacetada, com desdobramentos militares, econômicos e humanitários. O bombardeio de Israel a instalações nucleares iranianas — confirmado por diversas agências e noticiado em veículos como The Guardian e AP News — foi respondido com força inédita por Teerã, utilizando drones e mísseis hipersônicos lançados a partir da Síria. Enquanto isso, Donald Trump, em nova campanha eleitoral, sinalizou apoio irrestrito às ações de Tel Aviv, afirmando que “ninguém sabe o que estou prestes a fazer”, uma ameaça velada de envolvimento militar direto dos EUA.
Os sinais de que a crise já ultrapassa os limites territoriais são evidentes: fechamento de aeroportos em regiões como Líbano, Chipre, e Emirados; suspensão de voos internacionais; e ataques indiretos a rotas comerciais estratégicas, como o Estreito de Ormuz e o Canal de Suez. Ao mesmo tempo, o petróleo tipo Brent disparou quase 6% em poucos dias, conforme análise do Financial Times, gerando receios de que uma interrupção prolongada no fornecimento energético venha a pressionar os bancos centrais a manter juros elevados, alimentando o risco de uma nova recessão global.
Para além do campo militar e financeiro, o impacto humano já é trágico. Relatórios das Nações Unidas e do ACNUR apontam um crescimento do deslocamento forçado de civis, especialmente em Gaza e no sul do Líbano. A infraestrutura hospitalar colapsa, enquanto sanções unilaterais contra o Irã tornam impossível a aquisição de medicamentos básicos. A ONU, por meio da subsecretária Rosemary DiCarlo, afirmou que “qualquer movimento precipitado pode desencadear uma catástrofe que ultrapassa todas as fronteiras possíveis”. Mas as potências continuam agindo como se jogassem um xadrez geopolítico onde os peões são milhões de vidas humanas.
No entanto, esse tabuleiro não é neutro. Ele reflete as contradições profundas do imperialismo contemporâneo. A política externa dos EUA e seus aliados — em especial o financiamento irrestrito ao complexo militar-industrial de Israel — revela que o controle sobre recursos estratégicos como energia e influência regional segue sendo o motor da diplomacia armada. Do outro lado, a aliança sino-russa e o fortalecimento do chamado “Eixo da Resistência” (Irã, Síria, Hezbollah) desafiam a hegemonia ocidental, mas o fazem também a partir de interesses estatais que nem sempre estão alinhados à emancipação popular.
A guerra não é produto de desentendimentos culturais ou religiosos. É o resultado direto de uma lógica capitalista de espoliação, que transforma o petróleo em moeda de poder e a vida humana em externalidade geopolítica. Os trabalhadores de Gaza, Tel Aviv, Teerã ou Beirute não têm interesse algum em morrer por disputas territoriais traçadas por elites nacionais e internacionais. Assim como os jovens soldados enviados ao fronte nada ganham além de traumas e funerais militares, enquanto os acionistas da Lockheed Martin, Boeing e Elbit Systems celebram lucros recordes.
O único caminho possível para romper esse ciclo de morte é a construção de uma solidariedade internacionalista entre os povos, que rejeite o militarismo e denuncie os interesses por trás dele. Não se trata de uma posição “neutra”, mas de uma postura ativa contra a guerra e contra o sistema que a produz. A catástrofe iminente no Oriente Médio é, antes de tudo, um reflexo brutal das contradições do capitalismo em sua fase imperialista e tardia. Se não houver uma resposta política à altura — construída a partir das bases populares e sustentada por um programa de transformação radical — o mundo caminhará, sim, para uma guerra de proporções globais. E, como sempre, não serão os generais nem os presidentes os que pagarão o preço. Será o povo.
Agora, mais do que nunca, é preciso recusar a lógica da guerra como inevitável. A história nos mostra que a barbárie sempre nasce quando a esperança organizada falha. Portanto, resistir é preciso — não apenas nas trincheiras físicas, mas nos campos da consciência, da comunicação e da ação coletiva. A paz verdadeira não virá da diplomacia entre impérios, mas da insurgência dos povos contra todos os impérios.