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quinta-feira, 19 setembro, 2024

A batalha midiática da sociedade civil nos países ocidentais e formas de trabalha-la de maneira adequada.

Foto: Reuters

Heba Ayaad*

Após os eventos de 7 de outubro, os governos ocidentais, em sua maioria, alinharam-se com a narrativa israelense, descrevendo o ocorrido como uma operação terrorista contra civis inocentes em Israel. Esses países concordaram em reconhecer o “direito à autodefesa” de Israel, transformando-o em uma licença para conduzir uma guerra intensa contra os palestinos em Gaza e, em grande parte, na Cisjordânia ocupada. Isso incluiu mulheres, crianças, idosos, trabalhadores humanitários, equipes médicas e instituições civis, como escolas, hospitais, lares de idosos, edifícios residenciais, geradores elétricos, bombas de água, ruas e poços.

O Ministro da Guerra anunciou cortes em água, eletricidade, medicamentos e combustível, descrevendo as pessoas como “animais humanos”. Líderes internacionais visitaram Israel, expressando compreensão, apoio e solidariedade, lamentando as vítimas. Israel, contudo, não mencionou a Palestina ou seu sofrimento ao longo de mais de 75 anos, apenas enfatizando a necessidade de respeitar o direito humanitário internacional e evitar civis.

A vitória nem sempre está no campo de batalha, mas sim no recrutamento de milhões de corações, gargantas e mentes para defender a verdade contra a falsidade. É a união dos defensores da paz baseada na justiça contra os defensores da guerra fundamentada na falsidade que realmente prevalece.

As dimensões dos massacres começaram a revelar-se quando os canais de satélite e as redes sociais passaram a divulgar de forma sem precedentes os detalhes dos terríveis eventos. Especialmente notável foi o bombardeio do Hospital Batista em 17 de outubro, resultando em 500 vítimas, incluindo crianças, mulheres, pessoal médico, doentes e feridos. A sociedade civil despertou da influência da propaganda israelense, das narrativas falsas e das campanhas de desinformação, mantendo-se firme na verdade, descrevendo os acontecimentos como massacres sem precedentes, crimes de guerra e crimes contra a humanidade.

Posteriormente, o discurso evoluiu, e muitos passaram a adotar o termo “genocídio”. Centenas de organizações da sociedade civil nos Estados Unidos e na Europa protestaram, exigindo um cessar-fogo imediato e a entrada de ajuda humanitária para milhões de pessoas sujeitas a bombardeios, enfrentando perigos de fome, seca e epidemias. Israel inicialmente subestimou essas ondas de raiva, acreditando que diminuiriam rapidamente, mas aumentaram em ferocidade e se espalharam globalmente, de Seul a Santiago, de Sydney a Toronto e Montreal, de Paris, Londres e Berlim a Nova Iorque, Washington e Chicago, além de Istambul, Jacarta, Kuala Lumpur e Tunísia. De Argélia, Rabat e Trípoli a Alexandria, Amã, Kuwait, Sanaa, Bagdá e centenas de outras cidades em todo o mundo.

Organizações liberais, apoiadores da paz e da justiça, aliaram-se à esquerda, incluindo grupos como “Black Lives Matter”, juntamente com organizações judaicas, árabes e islâmicas, formando um movimento global contra a injustiça israelense. As vozes indignadas nas ruas uniram-se a figuras proeminentes do canto, cinema, esportes e mídia, resultando em uma manifestação global de apoio à causa palestina, algo sem precedentes na história contemporânea. A questão palestina tornou-se o tema mais discutido globalmente, com vídeos dos massacres circulando nas redes sociais para milhões de seguidores. Comentaristas, entrevistas e talk shows também se espalharam de forma sem precedentes.

A guerra contra o povo palestino em Gaza e na Cisjordânia trouxe a questão palestina de volta ao centro da atenção global. A Palestina venceu a batalha midiática, impactando as forças políticas na Europa e nos Estados Unidos, que reconhecem a importância das vozes que enviam representantes aos parlamentos e à presidência. O discurso por uma solução radical e abrangente tornou-se dominante, com o apelo à criação de um Estado palestino independente, onde os palestinos possam desfrutar de liberdade, dignidade e soberania, sendo agora o cerne do discurso global.

Fraturas sobre a posição ocidental

Com a propagação de notícias sobre massacres contra civis palestinos na Faixa de Gaza, especialmente crianças, começaram a surgir fissuras na posição unificada dos Estados Unidos, Europa, Canadá, Austrália e Japão. Isso se deve a uma série de fatores:

– A disseminação de vídeos horríveis de massacres, especialmente de crianças, e o aumento sem precedentes do número de vítimas na era moderna.

– Ataques a hospitais, escolas e abrigos para centenas de milhares de pessoas deslocadas, bem como a centros das Nações Unidas, resultando na morte de um grande número de funcionários da UNRWA, trabalhadores humanitários e equipes médicas.

– Relatórios e apelos de todas as organizações humanitárias, especialmente a UNRWA, o Gabinete de Assuntos Humanitários, a Organização Mundial da Saúde, a UNICEF, o Programa Alimentar Mundial e muitos outros. As declarações do Secretário-Geral das Nações Unidas, António Guterres, sobre os antecedentes que originaram a operação de 7 de outubro e a subsequente transformação de Gaza em um “cemitério infantil” tiveram amplo impacto.

– A postura de Israel contra a comunidade internacional, sua rejeição das resoluções da Assembleia Geral e do Conselho de Segurança, sua oposição a qualquer discussão sobre tréguas humanitárias ou cessar-fogo, mesmo que temporário, e seus exageros em impedir a entrada de ajuda humanitária, especialmente combustível. Também direcionou insultos a autoridades internacionais porque a proposta delas entrava em conflito com o que Israel queria, especialmente sua exigência de que Guterres se demitisse.

A fragilidade das suas falsas declarações sobre o número de mortes, a decapitação de crianças, violações, o assassinato de civis em um concerto de música e a transformação de hospitais em centros de operações para facções de resistência fica exposta. As fissuras no campo ocidental começaram a aparecer, começando pela Espanha, depois pela França, Irlanda, Suécia, Bélgica, Itália, Escócia, Países Baixos e, recentemente, até pelo Canadá. Essa política foi expressa por Josep Borrell, representante da política externa da União Europeia, que começou a apelar veementemente a um cessar-fogo humanitário, à introdução de ajuda humanitária em grande quantidade e à troca de prisioneiros. No entanto, a posição estadunidense, até certo ponto, continuou a opor-se a um cessar-fogo, mas falar sobre uma solução radical através do estabelecimento de um Estado palestino tornou-se uma parte essencial das declarações estadunidenses.

O papel das mídias sociais

A transmissão ao vivo de canais por satélite diretamente do terreno, especialmente da Al Jazeera, tanto em árabe quanto em inglês, tornou-se a principal fonte de notícias sobre massacres, destruição, assassinatos em massa e imagens de corpos de crianças empilhados nos corredores dos hospitais. Essas imagens, notícias e um número surpreendente de vítimas foram divulgados nas redes sociais, e os gritos das crianças, os lamentos das mulheres, os edifícios destruídos e os hospitais profanados espalharam-se nas redes sociais de maneira incrível. Milhões de jovens, homens e mulheres, voluntariaram-se para utilizar meios modernos como TikTok, Instagram, Telegram, Twitter, Facebook e outros, por serem os mais rápidos, abrangentes, fáceis de espalhar e influentes. Esses meios deram origem ao que chamamos de “jornalismo cidadão”, onde uma pessoa atua como produtor, diretor, fotógrafo, palestrante, editor e comentarista simultaneamente. Isso não significa que outros meios de comunicação tradicionais tenham desaparecido, como televisão, rádio e jornais, mas sua velocidade de circulação e extensão de influência diminuíram.

De um fenômeno passageiro a um apoio sustentável

Esse fenômeno sem precedentes deve ser explorado para apoiar a causa palestina, desenvolvê-la e organizá-la de modo que esse apoio se torne sustentável e propenso à expansão, tanto horizontal quanto verticalmente. As seguintes etapas podem ser executadas:

– Envolver a geração mais jovem em grupos especializados, um para cada tipo de rede social, para que o trabalho midiático seja organizado e mais eficaz. Homens e mulheres jovens na tecnologia devem sentir que há alguém que os apoia, cuida deles e fornece os meios de empoderamento.

– Criar um banco de dados que inclua todas as figuras atraentes e influentes que contribuíram para confrontar a narrativa israelita, incluindo jornalistas, atores, cineastas, cantores, escritores, ex-funcionários e blogueiros famosos. Esses indivíduos podem então ser apresentados em plataformas digitais envolventes e interativas.

– Identificar sites que apoiam a propaganda israelita e trabalhar para equipar habilidades para responder e refutar suas declarações e relatórios com fatos convincentes e respostas fortes de especialistas e peritos.

– Formar lobbies em cada cidade, país e estado, e ter um superlobby, se possível, que inclua todos esses lobbies, assim como o Comitê Estadunidense-Israelense de Assuntos Públicos (AIPAC).

– Apoiar grupos e plataformas já existentes na América e na Europa, como o (If Not Now) e o (Jewish Voices for Peace), e incentivar o estabelecimento de outras plataformas.

– Conceder prêmios especiais para cada reportagem, curta-metragem, artigo influente, tweet com milhões de visualizações, grande livro, poema ou música de ampla circulação, entre outros.

– Criar uma extensa lista de doadores e financiadores dispostos a apoiar todas essas iniciativas.

A porta para iniciativas não tem limites. Nem sempre as oportunidades surgem, e as autoridades competentes, especialmente os grupos de Boicote, Desinvestimento e Sanções (BDS), devem começar a trabalhar nesse sentido em colaboração com todas as organizações e grupos ativos nas arenas. A vitória pode não estar sempre no campo de batalha, mas sim na mobilização de milhões de corações, gargantas, canetas e mentes para defender a verdade contra a falsidade, e com os defensores da paz baseada na justiça contra os defensores da guerra baseada na falsidade, como os filhos e filhas da África do Sul fizeram ao jogar o regime do apartheid na lata de lixo da história.

@Heba Ayyad

Jornalista internacional

Escritora Palestina Brasileira

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