Tal dimensão foi reforçada em setembro de 2023, no Chile, quando em caravana de ex-exilados brasileiros visitamos no Museu da Memória de Santiago uma exposição de “arpilleras” – técnica têxtil que usa para fins artísticos o tecido da serapilheira ou da juta, como fez Violeta Parra, arpillerista (bordadeira) de mão cheia, cuja obra representa cenas do cotidiano. Já na ditadura de Pinochet, mulheres presas políticas bordaram em roupas velhas cenas da violência policial: prisões, torturas, sequestros e até assassinatos.
A exposição é um desdobramento do projeto “Fio às Cinco em Pontos” iniciado em 2020, quando foram realizadas 350 rodas de conversas com artesãs do Brasil e do exterior, incluindo também alguns artesãos numa tarefa que sempre foi vista como feminina – segundo informa a outra curadora Marisa Silva, bordadeira e arte educadora, para quem “o bordado é uma forma de expressão cultural que vem ganhando cada dia maior visibilidade, conquistando pessoas de distintas gerações”.
Um terceiro bordado de Silviane Lopes de Teresópolis sobre Povos Originários traz dados demográficos que revelam o genocídio, com invasão das terras indígenas, mas também a resistência. A população em 1.500 estimada em 5 milhões, é reduzida a 70 mil em 1950 e volta a crescer em 2022 com 900 mil pessoas. Cercada por árvores, a bandeira do Brasil sangra em vermelho no losango originalmente amarelo do ouro. A esfera azul celeste da faixa “ordem e progresso” é trocada por trançado verde-amarelo similar ao adjaká guarani.
Outro bordado de interesse dos alunos é o de Carla Guedes, de Porciúncula, que retoma o tema ambientalista. Ela costurou o coração da terra ladeado por pés de café, bananeira, jabuticabeira e ipê com a frase da carta de Pero Vaz de Caminha ao rei Dom Manuel: “Nesta terra, em se plantando tudo dá”. Mas a artista acrescenta por conta própria: “Sem abuso”, que soa como uma advertência ao agronegócio, aquele que é pop no uso de agrotóxico, o que seria aplaudido pelos participantes da COP-30, em Belém,
A Amazônia Azul dialoga com o Fio da Meada – um filme de 77 minutos do saudoso Silvio Tendler, que discute as conexões entre a crise ecológica contemporânea, o modo econômico, as desigualdades sociais e a injustiça ambiental. Ele propõe alternativas ao modo de vida predatório, com a conversa da Ciência e da Tecnologia com os Saberes Ancestrais que dão sentido à vida humana.
1.Ricardo Gomes Lima: Redescobrindo o Brasil em Fio. Texto da Exposição. Uerj-PR-3. 2022