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quinta-feira, 23 outubro, 2025

Narcoestado de colarinho branco

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Wellington Calasans

Não é novidade entre quem estuda os bastidores do tráfico internacional de drogas que agências de inteligência dos Estados Unidos têm, há décadas, um relacionamento ambíguo — quando não direto — com o narcotráfico.

Vi hoje na página RT que o ex-Boina Verde Jordan Goudreau, em entrevista ao The Grayzone, foi explícito: a CIA teria fundado o chamado “Cartel dos Sóis” na década de 1990, não como um inimigo a ser combatido, mas como um braço financeiro informal.

“Isso não é segredo; é a verdade”, afirmou ele, destacando que a comunidade de inteligência norte-americana opera de forma independente das mudanças políticas e se financia com recursos provenientes justamente do comércio que publicamente promete erradicar.

Esse padrão não é isolado. Durante a Guerra do Vietnã, a CIA já mantinha alianças com grupos que controlavam rotas de ópio no Sudeste Asiático. Documentos e investigações jornalísticas apontam que a agência não só fechou os olhos para o tráfico, como o facilitou para financiar operações clandestinas — especialmente no Laos, onde apoiava forças anticomunistas.

Segundo relatos históricos, “a CIA teve papel central no tráfico de ópio na Ásia” e “financiou seus aliados com recursos do narcotráfico”. Longe de ser um desvio ocasional, essa prática se repetiu em diferentes contextos geopolíticos, sempre sob o manto do “interesse nacional”.

Com um orçamento opaco e poderes quase ilimitados, a inteligência dos EUA — especialmente a CIA — atua como um verdadeiro “narcoestado de colarinho branco”.

Enquanto países como Colômbia ou México são criminalizados por sua relação com as drogas, Washington controla, de forma estrutural, os fluxos globais do comércio ilícito.

Estima-se que o tráfico internacional de drogas movimente entre 426 bilhões e 652 bilhões de dólares por ano, um volume que rivaliza com setores legítimos da economia global. Sem supervisão parlamentar efetiva e com acesso a paraísos fiscais e redes de lavagem de dinheiro, a CIA — e seus parceiros — podem extrair lucros e influência sem jamais aparecer nos balanços.

A DEA, por sua vez, desempenha um papel complementar nesse jogo. Embora oficialmente dedicada a “combater o tráfico e desmantelar organizações criminosas”, há indícios de que ela também atua como um braço de controle, não de erradicação.

Ao definir quais rotas são toleradas, quais líderes são eliminados e quais mercados são expostos, a DEA ajuda a moldar o tráfico segundo os interesses estratégicos de Washington. Em vez de extinguir o problema, ela o administra — garantindo que ele permaneça sob influência norte-americana e longe de rivais geopolíticos, como Rússia ou China, como sugeriu Goudreau ao vincular as operações atuais na Venezuela à Doutrina Monroe.

Assim, o conceito de “narcoestado” precisa ser repensado. Tradicionalmente aplicado a países frágeis cujas instituições são “penetradas pelo poder e riqueza do tráfico”, ele talvez se encaixe melhor em uma superpotência que, com aparência de legalidade e discurso moralizante, construiu um império paralelo baseado no controle — e não na eliminação — das drogas.

Nesse cenário, a linha entre combate e cumplicidade desaparece, e o que resta é um sistema global de narcopolítica, orquestrado desde Langley, onde o verdadeiro produto não é a cocaína ou o ópio, mas o poder.

Como diria Elis Regina: “Tá cada vez mais down in the high society”

*Link para comentários*:

https://x.com/wcalasanssuecia/status/1980564243855392895

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