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sexta-feira, 14 março, 2025

Estado e governança

Getty Images | Via G20 Brasil

DESENCAIXOTAMENTO

Para desenvolver o tema da liberdade e da submissão será necessário esclarecer diversos temas que ficam encobertos ou disfarçados ou simplesmente ocultos nas divulgações. Estes fenômenos cresceram muito, muitíssimo, a partir do domínio do neoliberalismo financeiro ao final do século XX e, em apenas vinte anos, já provocaram tantos males que o mundo pós 2010 está repleto de guerras, misérias, disseminação de vírus, pobreza e mortes, incompatíveis e mesmo inadmissíveis com o desenvolvimento tecnológico da humanidade.

Abram-se portas e janelas, em especial as mentes. Tratar-se-ão dos fatos como eles ocorrem, não para doutrinação.

Estes temas serão apresentados em suas especificidades, de modo que nossos caros leitores possam apresentar dúvidas, questionamentos e, eventualmente, encontrar identidades e respostas.

ABERTURA

O século XX não foi da disputa entre o comunismo e o nazifascismo, como nos desinformam muitos pseudos historiadores. Também não foi da luta da democracia liberal contra o comunismo marxista, o que os Estados Unidos da América (EUA) e suas colônias no Continente Americano, nos países da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), da Organização das Nações do Sudeste Asiático (ASEAN) e do Conselho da Europa (CE) tentaram e tentam impor pelo mundo.

A grande disputa do século XX foi do poder da industrialização, iniciando tateante na Idade Moderna (1453-1789), que assombra o mundo após as Revoluções Industrial (1760) e Francesa (1789), início da Idade Contemporânea, contra o poder financeiro, herdeiro do poder fundiário da Idade Média.

Esta batalha ocorreu no século XIX, prosseguiu nas duas grandes guerras da primeira metade do século XX e só terminou com a desregulação financeira, na década de 1980, e a vitória das finanças, que se completou, em 1991, com o desmonte da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS).

Após a vitória do poder neoliberal financeiro o mundo regride, tanto na questão da produção industrial quanto na capacidade de compreensão das mudanças introduzidas. O mundo ocidental, em mais de 99% dos habitantes, empobrece no corpo e na alma.

A nova tecnologia da administração das mensagens, com seus tratamentos matemáticos, psicossociais, neurocientíficos, e com novos equipamentos e instrumentos de transmissão, processamento e recepção, criaram verdadeira distopia, onde a ignorância, a corrupção, a falta de escrúpulos, a sede de poder e a concentração de riqueza prevalecem.

Por seu turno, a regressão da industrialização provocou desemprego, falta de receitas pelo trabalho e, consequentemente, fome, miséria, doenças e morte e o fim da previdência social pública.

Deem-se dois exemplos bem recentes.

A questão das mensagens ficou nítida e insofismável com as reações ocorridas quer nos EUA quer onde atuava a Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID, na sigla em inglês), após seu fechamento por Donald Trump, que muito longe de ser “das maiores agências oficiais de ajuda humanitária do mundo e responder por mais da metade de toda a assistência externa dos EUA”, era agência fomentadora de revoltas, golpes de estado e de doutrinações pró-estadunidenses.

Quanto à desindustrialização, a própria vitória eleitoral dos Republicanos demonstrou que o desemprego, o aumento da população de rua, a miséria grassando por todo território estadunidense foi consequência da política neoliberal financeira que aumentou a riqueza dos já ricos e reduziu os empregos, e consequentes receitas, dos trabalhadores. É icônica a foto de Trump, em seu discurso de posse, ladeado dos já existentes bilionários e trilionários, membros da plutocracia internacional, e onde nem um só líder sindical, venal que fosse, defensor do patronado, esteja presente.

ESTRUTURA DA GOVERNANÇA

Preliminar à questão da organização do Estado deve-se ter clareza de que este é indispensável à civilização humana, à sociedade onde se espera que as pessoas caminhem no sentido da vida produtiva, sadia, próspera e feliz. O oposto do Estado não é a anarquia, é o “mercado”, onde, sobre todos os valores e sem quaisquer limites, se busca o lucro, maior e mais rápido.

“O Reduzido Mundo Privado”

Editorial do jornal “Estado de S. Paulo” (11/2/2025) com título “Os novos horizontes do crime organizado” demonstra o resultado de mais de 20 anos de governadores ideologicamente neoliberais: o Estado tomado por organizações criminosas. “Após avançar sobre o mercado e o Estado, a hidra do crime agora manipula movimentos sociais e influencia a cultura. O mal é sistêmico e só será debelado com ampla articulação republicana”.

Mas o que espera este jornal tendo o governador de extrema direita bolsonarista a frente do Estado de São Paulo? Qual significado ele dá para “articulação republicana”?

“O Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) estima”, segundo o editorial, “que o País tenha 72 organizações criminosas – duas delas, o Comando Vermelho (CV) e o Primeiro Comando da Capital (PCC), transnacionais –, que influenciam diretamente o cotidiano de pelo menos 23 milhões de brasileiros. As organizações nascem da ausência do Estado e prosperam infiltrando-se nele”.

Ora senhores editores, a que se deve à ausência do Estado?

No dia 11 de fevereiro, na Coluna Fatos & Comentários, do jornalista Marcos de Oliveira, Diretor Responsável do Monitor Mercantil, em subtítulo denominado “O Morro e o Asfalto” se lê: “Ao debater no STF a ADPF das Favelas – ação que tenta garantir a presença da lei nas incursões policiais em comunidades do Rio – o ministro Alexandre de Moraes levantou um ponto importante: “A população nessas áreas é escravizada pelas milícias, se discordar dela é morta. É uma escravidão moderna, com uso de armas, ameaças e coação”.

Prossegue Marcos de Oliveira: “O que escapou ao ministro é que a polícia do Rio não sobe os morros para defender os moradores de lá; as operações acontecem quando os crimes derramam no asfalto, como excesso de tiroteios, fechamento de vias expressas ou alta de roubo de carros. Fora isso, o poder paralelo segue mandando na vida de quem vive nas favelas sem ser importunado”.

Desde 1990, explicitamente, o Estado Nacional Brasileiro vem sendo substituído pelo “Mercado” que aqui se assumiu como Comitê de Política Monetária (COPOM), um órgão do Banco Central, formado pelo seu Presidente e diretores, que define, a cada 45 dias, a taxa básica de juros.

É o ponto final do processo adotado desde 1989 (Consenso de Washington) que estabelece como “primeiro mandamento”: a Disciplina Fiscal, evitando grandes déficits fiscais em relação ao Produto Interno Bruto (PIB). Neste decálogo também se encontram os seguintes mandamentos:

(a) Taxas de juros determinadas pelo mercado;

(b) Taxas de câmbio competitivas;  

(c) Liberalização do investimento estrangeiro direto interno;

(d) Privatização de empresas estatais;

(e) Segurança jurídica para direitos de propriedade privada.

Após tão rígidas e objetivas leis, para que Estado, para que Poder Legislativo, Poder Executivo, Judiciário, Ministério Público? Bastam as sanções pelo pecado, desculpem-me, pela ousadia de ferir tão excelsos cuidados com a plutocracia reinante.

Do lado de baixo, sempre surgirão artífices sabujos impondo “Teto de Gasto”, “Preços Igualitários aos da Importação”, e argumentar com a liberdade de quem tem recursos tudo poder, na proporção desta riqueza, e quem nada possui que se submeta às mais agressoras condições de escravidão, como lembrou Marcos de Oliveira, de doenças pela falta de vacinas, de ver seus filhos morrendo pela fome na condição de miséria.

Mundo em Direção à Multipolaridade”.

A análise do relatório da Conferência de Segurança de Munique (MSC, sigla em inglês), assim resume a posição do Brasil: “vê a possibilidade do Sul Global assumir um papel mais forte na tomada de decisões internacionais” e cita do Relatório ter nosso País colocado “a reforma da governança global no topo da agenda da presidência do G20 do ano passado, juntamente com outras prioridades do Sul Global, como a redução da pobreza e a segurança alimentar”.

Esta mistura Lulista não dá qualquer esperança de o Brasil voltar a ser o Estado Soberano, com projeto próprio, como ocorreu entre 1974 e 1979, no governo Geisel que foi muito além da política desenvolvimentista do II Plano Nacional de Desenvolvimento (PND).  

Naquele período nosso País assinou o Acordo Nuclear com a Alemanha, contrariando os EUA que pretendiam exportar uma usina pronta, reatou ralações diplomáticas com a China, reconheceu as independências de Guiné Bissau e de Angola, este último país libertado pelo marxista Agostinho Neto, ajudou o governo do Iraque, usando a Petrobrás, que se tornou, em 1979, o terceiro maior parceiro comercial do Brasil. Em resumo, não aceitou imposições estrangeiras, em especial dos EUA, demonstrando firmeza e defesa dos interesses nacionais.

Na referida coluna “Fatos & Comentários”, do “Monitor Mercantil”, em 11/02/2025, Marcos de Oliveira seleciona do Relatório para MSC que “o governo Trump pode acelerar a multipolaridade do sistema internacional, pois outros atores assumirão maior responsabilidade por certas regiões ou questões políticas”.

A GLOBALIZAÇÃO É VIÁVEL?

O mundo viveu vários tipos de globalização, nenhuma verdadeiramente planetária. A arrogância europeia sempre procurou tratar das questões europeias como Universais: história geral, religião do mundo, tecnologia avançada, e, culminando, todo povo culto e educado residia nos 10 milhões 180 mil quilômetros quadrados da Europa, o menor continente do Planeta.

Por pouco a Inglaterra não fez de seu idioma o do mundo, e os EUA, de sua moeda, o dólar estadunidense, a da troca planetária.

Mas, como a religião católica apostólica romana já foi a mais importante da Europa, e hoje sobrevive, em grande parte, pela capacidade política e midiática do Papa Francisco, o futuro da globalização neoliberal tem seus dias contados.

O modelo unipolar adotado pelo Presidente Donald Trump deverá ter, talvez neste mesmo governante estadunidense, o seu coveiro.

Analise-se a situação deste século XXI.

Uma orientação representa os novos e futuros tempos, a do respeito pela soberania de cada um e de todos. E duas instituições representam este porvir: o acrônimo BRICS e a Iniciativa do Cinturão e Rota, a Nova Rota da Seda, de sigla em inglês BRI.

Os BRICS entre fundadores e parceiros recém-acolhidos contam com o Brasil, Rússia, Índia e China, iniciais em 2006, a África do Sul, primeira a se incorporar, em 2011, Arábia Saudita, Egito, Emirados Árabes Unidos, Etiópia e Irã ingressaram até 2023, e na última reunião, em Kazan, na Rússia, em 2024, tornaram-se parceiros: Argélia, Belarus, Bolívia, Cazaquistão, Cuba, Indonésia, Malásia, Nigéria, Tailândia, Turquia, Uganda, Uzbequistão e Vietnã. A tendência é incorporar ainda novos Estados Nacionais, pois outros países já se candidataram.

A Iniciativa do Cinturão e Rota (BRI) contava, em 2024, com 149 países, de todos os continentes. A Iniciativa define cinco grandes prioridades: (a) coordenação política; (b) conectividade de infraestruturas; (c) comércio sem impedimentos; (d) integração financeira; e (e) associar pessoas.

A ICR/BRI tem sido protagonista de grandes programas de investimentos no desenvolvimento de infraestruturas para portos, estradas, estradas de ferro, aeroportos, bem como para centrais elétricas e redes de telecomunicações. No entanto, desde 2019 os volumes de empréstimos da ICR/BRI liderados pela China têm diminuído. Agora a ênfase está nos “investimentos de alta qualidade”, nomeadamente através da maior utilização de financiamento de projetos de mitigação de riscos e financiamento verde.

A ICR/BRI é um mecanismo guarda-chuva cada vez mais importante para o comércio bilateral da China com os parceiros da BRI. 138 países, até março de 2020, aderiram à Iniciativa Cinturão e Rota com assinatura de Memorando de Entendimento (MoU) com a China.

Estas duas instituições têm apresentado resultados muitos superiores, sob todos os aspectos, do que aquelas constituídas no pós-guerra (1944) resultantes do Acordo de Bretton Woods, como Fundo Monetário Internacional (FMI), Banco Mundial e outras relativas aos sistemas monetários, cambiais e de comércio internacional.

A unipolaridade parece ter seus dias contados. As estruturas de governança doravante irão buscar nas próprias bases, para formação dos países, suas organizações políticas, seus modelos distintos, pois cada país está situado num condicionamento geográfico e possui sua própria, específica herança cultural.

Pedro Augusto Pinho, administrador aposentado.

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