Helena Iono
A recente “Marcha Federal do Orgulho Antifascista e Antiracista”, convocada pela comunidade LGBTIQNB+, amplamente apoiada pelas Centrais sindicais (CGT/CTAs/ATE), movimentos sociais e cidadãos autoconvocados, numa multitudinária manifestação em Buenos Aires, em todo o país e no mundo, é um freio; o pré-anuncio de uma resposta social em 2025 de rechaço ao atual governo que restringe os direitos humanos, sociais e trabalhistas já conquistados pelo povo argentino ao longo de sua história peronista.
O discurso agressivo de Milei no Fórum Mundial Econômico em Davos foi o detonador que levantou transversalmente o rechaço de segmentos populares, inclusive de parte do seu eleitorado que votou pela “Liberdade” no sentido estrito e não conservador. Milei disse que “a ideologia de gênero constitui pura e simplesmente abuso infantil. São pedófilos”, e atacou o feminismo como um privilégio, prometendo “eliminar a figura femicídio do Código Penal…”
Após este discurso, houve várias expressões políticas de rechaço. Um grupo de 47 deputados, apoiados pela UP, chamam a uma causa judicial contra essas agressões e ameaças presidenciais à esquerda nas redes sociais, como na ditadura. A ex-vice presidenta, Cristina Kirchner (União Pela Pátria), além da ex-deputada Elisa Carrió (Coalisão Cívica) também não hesitaram em condenar.
Se o objetivo de Milei em Davos, em território extranacional, e não cara a cara com o povo argentino, era desviar a atenção de todas as medidas governamentais desastrosas e antipopulares no país, recortes econômicos na saúde e educação, subida de tarifas de energia (gás, luz), aluguéis, alardeando sobre um tema que julgava minoritário, se equivocou. Não há como desviar a atenção de dados que não são só números de pesquisa do Indec (em setembro-2024, a pobreza já havia aumentado a 52,9%, 11% acima de um ano atrás em 2023, e agora com 25 milhões de pobres), mas realidades do dia a dia do povo, no bolso e no estômago.
As fakenews e a campanha do ódio contra a dita “corrupção no Estado” causaram danos na consciência popular, mas não puderam deter a multidão na defesa da Universidade Pública em abril de 2024. Movimentos e organismos pelos Direitos Humanos, uniram-se a esta Marcha Federal antifascista e antirracista de 1 de fevereiro passando pela Universidade da Casa das Madres de Praça de Maio situada na praça do Congresso, recentemente fechada (com seus arquivos) pelo governo. Assim visibilizaram o que a grande mídia oculta: a eleita Secretaria dos Direitos Humanos de Milei acabou de fechar, no início de janeiro, o Centro Cultural Haroldo Conti na ex-ESMA, com 87 trabalhadores demitidos. Em nome da “reestruturação” o Arquivo Nacional da Memória está em risco.
Empunhando cartazes, professores, pessoal médico e de enfermaria, congregados em sindicatos e comitês de resistência fizeram presente a oposição ao desmonte do Estado na área da educação e da saúde (Hospital Bonaparte de saúde mental, e Hospital pediátrico Garrahan). As privatizações são a atual meta do novo modelo neo-liberal-fascista privatizante ao qual se alinha “Liberdade Avança”. O Estado do passado governo kirchnerista não somente assegurou a continuidade dos direitos trabalhistas e da aposentadoria, mas a Lei do Aborto, Legal e Seguro; e a Lei do Matrimônio Igualitário. O questionamento à instigação ao ódio à violência racial e contra minorias desceu às ruas. Vários protestos se referiam à questão do gênero, mas também contestavam a política global de Milei. O que este considera uma marcha ideológica, na realidade foi uma união para por um freio à demolição do Estado.
O Elon Musk, dos EUA, tem o superpoder financeiro, comunicacional e em países, como Argentina, o poder político. A debilidade comunicacional do governo progressista de Alberto/Cristina na TV Pública e redes sociais, facilitou a sua derrota na batalha cultural, e o retorno ao poder dos contratantes de dívida do FMI, a casta das grandes fortunas, do Lago Escondido e dos paraísos fiscais no exterior. A democracia dos votos, a representativa, não participativa, apoiada nas redes sociais envenenadoras da consciência popular, consagrou em 2024 o retrocesso da política de Estado no controle do lítio, do gás, das águas projetada pelo governo peronista precedente (2020/2023). A soberania das Ilhas Malvinas voltou a ser ameaçada. Milei segue Macri, mas a todo vapor. Não há mais ministério dos direitos de mulher, nem ministério do trabalho. Tudo em nome do “fim da política”, do “Estado corrupto”, com slogan de metas contra a “inflação” e o “déficit fiscal”, recortando os direitos humanos consagrados, dos trabalhadores, das minorias, mulheres, crianças, idosos e deficientes físicos. Essa é a “casta” que está sendo eliminada pela motosserra de Milei.
Mas, um novo mundo é possível. A capacidade tecnológica, política e a planificação econômica estatal da China põe em crise o imperialismo e engrandece o polo opositor, respaldado por um BRICS unificador e crescente para os países ditos subdesenvolvidos da América Latina, Ásia e África. A crise provocada nas empresas multinacionais de IA, desde a Meta (Mark Zuckerberg) à Gemini (Google) pelo desenvolvimento da DeepSeek da China a baixo custo, são sinais dos novos tempos com consequências politico sociais imprevisíveis. Cabe inserir-se nas novas ferramentas para aprofundar a batalha cultural.
A questão não é só tecnológica. É de conteúdos. É preciso ver como as forças progressistas, do peronismo e do kirchnerismo vão dar conteúdo, informação verdadeira e saídas políticas unificadas que correspondam aos anseios desta Marcha Federal Antifascista e Antirracista na Argentina. O ânimo social e a memória não estão apagados; nem mesmo na Alemanha cujo antinazismo também se expressou nas ruas com mais de 160 mil pessoas em Berlim, contra o apoio do governo ao fascista Zelensky, e em solidariedade ao povo palestino. Há uma sintonia fina entre isso e as iniciativas que vem do governo bolivariano da Venezuela onde, em setembro de 2024, mais de mil representantes de 125 países lançaram a criação de uma Internacional antifascista.
É preciso debater e unificar um programa político nas lideranças da oposição, com consulta nas bases, nos bairros, fábricas e sindicatos. O deputado (UP) e líder sindical da CTA, Hugo Yasky, fez um chamado a “uma frente nacional que seja capaz de levantar as bandeiras da justiça social e também da defesa dos direitos humanos”. Ele alertou que “não se pode conviver com alguém que ameaça constantemente eliminar quem pensa diferente”. É imprescindível que os sindicatos se unam urgentemente na defesa dos postos de trabalho, seja nos entes públicos, como na área privada. Além do desmonte do Estado, é preciso conter a enorme onda de demissões que se agravam diariamente na área da indústria privada, com jovens e chefes de família na rua, produto do fechamento de fábricas: de alimentos, automobilísticas (Nissan, pneumáticos) e utensílios. Nesse contesto, o tsunami de protesto pelo respeito à diversidade, à dignidade e à sobrevivência humana é justificado, uníssono e intocável.