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quinta-feira, 21 novembro, 2024

Eleições na América do Sul: qual o recado das urnas no Uruguai e no Chile?

© AP Photo / Natacha Pisarenko

O segundo turno das eleições presidenciais no Uruguai e o resultado das eleições locais no Chile foram tema do podcast Mundioka, da Sputnik Brasil, desta terça-feira (29), que ouviu a professora de relações internacionais da Universidade Veiga de Almeida Mayra Coan e o historiador uruguaio Daniel Osowicki.

Uruguai

Esquerda e centro-direita vão disputar o segundo turno das eleições presidenciais no Uruguai, marcado para 24 de novembro, quando cerca de 2,7 milhões de eleitores uruguaios vão estar habilitados a eleger o futuro presidente, que tomará posse em 1º de março de 2025 por um período de cinco anos.
Estão na disputa o candidato da coalizão Frente Amplia, de esquerda, Yamandú Orsi, que conjuga 35 partidos, e o atual vice-presidente, Álvaro Delgado, do partido de centro-direita, o Partido Nacional.
Independentemente de quem ganhe, do ponto de vista da política externa, o xadrez geopolítico da América Latina não deve ser alterado, opinaram analistas consultados pelo Mundioka.
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Doutora em história social e mestre em ciências da integração da América Latina pela Universidade de São Paulo (USP), Coan comentou que a eleição tem sido chamada de “atípica” e “apática” por especialistas e políticos uruguaios, por destoar de campanhas sem grandes contrastes entre esquerda e direita.

“[Há] a questão de um excesso de prudência dos candidatos, de não procurar realizar grandes transformações, sobretudo no âmbito econômico social. Além de também haver certa identificação de um despertar da despartidarização e do desinteresse de parte da sociedade, sobretudo de jovens”, comentou ela.

Osowicki, que é mestre em história pela Universidade Bar-Ilan, de Israel, lembrou que após interromper décadas de hegemonia de governos de direita e centro-direita, a Frente Amplia esteve no poder por 15 anos. Até as últimas eleições, quando o atual mandatário Luis Lacalle Pou saiu vencedor. De lá para cá, o contexto político e econômico mudou muito.

“Os resultados desta eleição foram menores do que os resultados da eleição do ano de 2004, em que o governo de Tabaré Vázquez, o Frente Amplia, ganhou na primeira volta”, acrescentou o professor.

Outro ponto levantado por ambos os entrevistados é a falta de carisma de ambos os candidatos, sem personalidades fortes como as do ex-presidente José Pepe Mujica, Tabaré Vázquez e o próprio Lacalle Pou.

“Realmente vai ser uma segunda volta muito pareja [disputada, em tradução livre]. Vai ser uma briga muito forte, no sentido de voto por voto”, acrescentou o historiador.

Por outro lado, a Frente Amplia conseguiu maioria no Senado e boa quantidade de cadeiras na Câmara, o que é positivo na questão da governabilidade caso a coalizão vença, salientaram.
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Uruguai e o Mercosul

Historicamente muito dependente dos vizinhos, sobretudo Argentina e Brasil, o Uruguai tem buscado outros mercados e atraído inversões internacionais por sua estabilidade e seu crescimento econômico, de acordo com o historiador uruguaio.
As tensões dentro do bloco do Mercosul são reflexo desse movimento impulsionado pelo governo atual.

“A política do partido nacional, o partido de Álvaro Delgado, continua nessa linha de atrair inversões para o Uruguai de qualquer fonte, e também procurar, por que não, tratados de livre-comércio, por exemplo, com a China”, comentou Osowicki.

Já Yamandú Orsi, opinou Coan, olha para o Mercosul como um bloco regional que precisa ser revisitado, mas acredita que o Uruguai precisa seguir o que foi proposto pelo bloco e que o acordo com a China deve ocorrer em conjunto.

“[…] Em termos de integração regional, nas propostas do Orsi há maior aproximação com essa perspectiva de que é importante a gente se integrar regionalmente”, comentou.

candidato Andrés Ojeda, do Partido Colorado, que ficou em terceiro lugar (16%), segue a lógica liberal e seu apoio a Delgado pode ser parte fundamental na nova balança do segundo turno, pontuou o analista:

“Andrés Ojeda é parte fundamental dessa coalizão, mas obviamente não alcança, os votos não alcançam. Entre Álvaro Delgado e Andrés Ojeda, eles estariam com quase 43%. Há também 4% de votos anulados, o que é bastante.”

A professora lembrou que o governo Lacalle Pou teve boa atuação perante a população durante a pandemia de COVID-19, assim como o vice, Delgado, e empreendeu grandes obras de infraestrutura e empregabilidade. Por outro lado, escândalos de corrupção recentes e cortes de auxílios sociais impactaram negativamente a campanha do partido de centro-direita.
Um dos principais desafios do próximo governo será igualar o custo de vida à renda do trabalhador, que hoje tem dificuldade de arcar com gastos básicos como moradia, saúde e alimentação, frisou o entrevistado.
Coan também acrescentou o aumento da pobreza infantil, cujos números apontam que entre 20% a 30% das crianças estão em situação de pobreza muito preocupante.
O aumento da violência foi outro ponto destacado por ambos os entrevistados.

“A questão da segurança pública é uma das que mais aparece nas pesquisas de opinião […]. O Uruguai está enfrentando um problema muito sério com o narcotráfico. Só para a gente ter uma ideia com relação às taxas de homicídio, cerca de 10 em 100 mil habitantes estão sendo comprometidos por essa questão”, apontou Coan.

Osovicki acrescentou que acadêmicos no Uruguai têm falado de uma “latino-americanização” do Uruguai em temas de segurança.

“Antes, o Uruguai era somente um ponto de passagem da droga entre a América e a Europa. Hoje, o Uruguai não é somente um ponto de passagem, mas também um lugar onde grandes narcotraficantes têm negócio.”

Chile

As eleições locais no Chile também foram tema do Mundioka. A coalizão de esquerda do presidente Gabriel Boric sofreu uma derrota contundente ao perder 40 prefeituras, inclusive a capital, Santiago, enquanto a direita somou 36.
Nas eleições regionais para governadores, 11 das 16 províncias serão definidas em segundo turno no próximo dia 24 de novembro.
O fenômeno do empoderamento da direita e da extrema-direita no Chile não é pontual, ressaltou a professora, ao citar a Argentina com o atual governo de Javier Milei.

“A gente vê isso em vários lugares aqui da América Latina. Acho interessante a gente observar e acompanhar esses movimentos, porque eles são transnacionais […] Também observar os outsiders, que se colocam como se fossem fora da política, que se utilizam das redes sociais que procuram captar jovens com mensagens um pouco mais simplificadas justamente para conseguir tornar problemas complexos como se tivessem soluções simples. E não é isso”, diz Coan.

Ela lembrou que a Constituição chilena é a mesma da época do ditador Augusto Pinochet. A partir dos movimentos de 2019, com grandes manifestações de rua, foi criada uma Assembleia Constituinte.
O presidente Boric tinha como uma de suas grandes apostas de governo aprovar uma nova Constituição, destacou Coan, que foi rechaçada por plebiscito duas vezes.

“Quase tudo no Chile é privatizado e muito caro. No caso das universidades, isso não é diferente. Então os jovens têm se endividado cada vez mais para conseguir fazer um curso de graduação. Somado a isso, há também os idosos, que foram para as ruas também agora dizendo um pouco dessa dificuldade com a previdência social.”

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