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quinta-feira, 21 novembro, 2024

 América Latina sem soberania – Crônicas de arrogância, rapina e maldade. (2)

Pedro Augusto Pinho*

2ª Crônica: Os mexicanos pelos astecas

Náuatle, também denominada asteca ou mexicana, é a língua pertencente à família uto-asteca, usada pelo povo náuatle e falada, no território atualmente correspondente à região central do México, por menos de milhão e meio de pessoas.

Foi o idioma dos astecas, que dominavam o México central durante o fim do período pós-clássico, da cronologia mesoamericana. A expansão e influência do Império Asteca fizeram com que o dialeto falado e escrito pelos astecas de Tenochtitlán se tornasse o de prestígio na Mesoamérica deste período. Com a introdução do alfabeto latino, o náuatle se tornou língua literária e muitas crônicas, obras poéticas e códices foram escritos neste idioma nos séculos XVI e XVII.

Às cartas de Hernán Cortés (1485-1547), assim como os Relatórios endereçados ao rei Carlos V, os relatos dos habitantes, então senhores do “Paraíso”, colhidos entre 1550 e 1555, pelo frei Bernardino de Sahagún, e que constituem o Livro XII, da “História geral das coisas da Nova Espanha” (encontrado na Biblioteca Nacional de Paris, na coleção Goupil, sob o título “Anais históricos da nação mexicana”), estes relatos em náuatle formam o contraponto dos nativos às narrativas dos conquistadores.

Temos esta oportunidade pelo empenho do antropólogo, historiador e linguista francês, Georges Baudot, nascido em Madri, em maio de 1935, e falecido em Toulouse, em abril de 2002, ainda lecionando na Universidade onde obtivera seu doutorado (1975).

O trabalho de Baudot, que será apresentado nesta Crônica, está em “Relatos Astecas da Conquista” (“La Conquête: récits aztèques”, 1983) na tradução de Luiz Antonio Oliveira de Araújo, para Editora Unesp, SP, 2019. A ele agregamos trechos do Frei Bartolomé de Las Casas, na edição da L&PM (1984), com tradução de Heraldo Barbuy, em “O Paraíso Destruído”.

A chegada ao paraíso

O homem surgiu em condições especiais e específicas em área do leste da África. O hominídio mais antigo data de 5.300.000 anos e foi encontrado no Quênia. Sempre pelo método do potássio-argônio, têm-se descobertas de 2 a 4 milhões de anos na Etiópia, e de 1.750.000 anos na Tanzânia.

Basil Davidson (1914-2010), historiador e africanista britânico, em “À descoberta do passado de África” (1978), na edição especial para o Ministério da Educação da República Popular de Angola (1981), apresenta quadro da evolução do “homo sapiens”, tendo origem em 35 mil a.C. Observando os paralelos terrestres, esta região compreendida no entorno da linha do Equador, da Etiópia à Tanzânia, só encontra similar terrestre em ilhas da Malásia e Indonésia, ou na América do Sul, na parte norte da Amazônia: brasileira, venezuelana e colombiana. Faltavam, no entanto, outros requisitos, só encontrados na África, para o surgimento do homem.

Aceitando que o homem chegou à América, pelo Estreito de Bhering, em 12 mil a.C., nossos ancestrais levaram 23 mil anos do leste da África à América. Certamente chegaram muito mais sábios, experientes, do que saíram do leste da África, e, igualmente, daqueles que se acomodaram pela África, pela Ásia Menor, Mesopotâmia ou Europa.

Basta ver os desafios impostos pelas condições geográficas, pelos animais, florestas e desertos que tiveram que enfrentar.

O homem ocidental já no povoamento da Terra começa a se distinguir do homem oriental. Nos séculos 13 a 15, estas características começarão a ser relevantes pela atividade comercial. O Ocidente aprendeu com os chineses a fabricar o papel e a fazer a impressão, a produzir a pólvora, o macarrão, a seda e a usar a bússola e o carrinho de mão.

Porém, enquanto no Oriente estes conhecimentos serviam para melhorar a vida, promover conforto e alegria, no Ocidente orientou para conquistar terras e submeter seus semelhantes.

Há, portanto, que acreditar nos orientais, que atravessaram o Estreito de Bhering, muito mais do que naqueles que aqui chegaram em naus inglesas, espanholas, holandesas, portuguesas ou francesas. Uns vinham buscar condições mais confortáveis de vida, desenvolver seus conhecimentos, outros para conquista de terra e de gente.

O ingresso dos migrantes pela ponte de gelo formada no último período glacial, glaciação Würn há 150 mil anos, conforme vários antropólogos, deu-se em três levas, separadas no tempo. Porém, aceitando a hipótese de Charles Mann e do avanço tecnológico dos orientais, é bem possível que uma das formas de chegada à América tenha sido por embarcações. Teríamos assim dois modos e três épocas da chegada dos humanos à América.

Como se sabe, a costa oeste do Canadá e dos Estados Unidos da América (EUA) não são hospitaleiras. Além da glaciação de certo modo recente, a cadeia das Montanhas Rochosas segue por mais de 4 800 quilômetros, a partir da parte norte da Colúmbia Britânica, no oeste do Canadá, até o Novo México, nos EUA, com relevos de 4.000 metros. Ainda hoje é pouco habitada. Na região oeste, próxima às Rochosas, ocorre um grande vazio demográfico por conta do clima. Na região do meio-oeste, formam-se grandes pradarias, com a bacia fluvial do Mississipi-Missouri, onde o encontro de massas de ar frio, vindas do Canadá, e de ar quente, vindas do golfo do México, tornam frequentes os grandes e destruidores tornados.

Assim, a geografia explica porque os primitivos habitantes caminharam até o México para construir seu primeiro habitat.

E a partir do México chegaram à América do Sul, igualmente, seguindo a oeste do continente, formando os dois grandes polos civilizatórios: o mesoamericano, do México à Costa Rica, e o andino, na porção oeste da América do Sul. Identifica-se também outro polo, o Amazônico, que compreende a bacia do rio Amazonas e chega ao nordeste brasileiro.

A passagem destes primitivos habitantes para a costa leste deve ter-se valido dos grandes complexos fluviais, do Amazonas ao norte, e da bacia Paraná-Paraguai, abrangendo o centro-oeste, sudeste e sul brasileiros, o Paraguai, a Argentina e o Uruguai.

Tem-se então a perspectiva da formação das identidades e das civilizações, construídas ao longo de 12 mil anos, e destruídas em dois séculos com a chegada dos europeus.

Pode-se definir o início do projeto de conquista e da destruição da cultura asteca com a chegada de Hernán Cortés, em 1504, na atual República Dominicana. Aproveitando-se de desavenças entre os governantes, com 600 homens adestrados para guerrear, colocou a frágil população, que não se preparava como os espanhóis para guerra (vide as lutas contra os muçulmanos), diante do extermínio ou da união com aqueles seres a cavalo com armaduras, lanças e espadas de metal.

Nas cartas anteriormente citadas, Cortés procurava se defender da avaliação de outros espanhóis como pessoa ambiciosa, indigna da confiança de Carlos V. Tanto que, entre 1528 e 1530, viajou à Espanha para garantir sua fidelidade ao rei, mas que o nomeou Marquês, e não Governador, como esperava.

As narrativas

Selecionamos textos dos habitantes do México, escritos em seu idioma, e de Frei Bartolomé de Las Casas, conforme já apresentados.

Dos astecas

“Em que se conta como chorou o honorável Montezuma e como choraram os mexicanos ao saber quanto os espanhóis eram fortes”

“E Montezuma se angustiava, se inquietava: estava aterrorizado, estupefato: manifestava seus temores pelo destino da cidade”.

“E todos estavam apavorados. Havia um grande espanto, havia medo, havia assombro, as pessoas demonstravam angústia e preocupação; elas se consultavam, se juntavam, se reuniam. Choravam, choravam muito, choravam pelos outros. Andavam murchas, de cabeça baixa. Cumprimentavam-se chorando, chorando uns com os outros ao se cumprimentar. Encorajavam os outros, encorajavam-se uns aos outros; acariciavam os cabelos dos outros; afagavam a cabeça das crianças. Os pais diziam: Ai, meus filhos queridos! Como vos pode acontecer o que está a acontecer?”

“Em que se conta como os espanhóis massacraram, chacinaram os mexicanos enquanto eles celebravam a festa de Uitzilopochtli no adro do templo”

“Enquanto se celebrava a festa, e já se dançava, já se cantava, e um canto se enlaçava com o outro, e a cantoria era como um estrondo de ondas, então, quando pareceu aos espanhóis que era o momento de matar as pessoas, eles apareceram. Eles estavam preparados para a guerra. Chegaram a fechar as saídas, todas as entradas: a Porta da Águia, a porta do lado do palácio, a porta da Ponta da Cana e a Porta do Espelho da Serpente. E depois de as fecharem, eles se postaram junto delas. Ninguém podia sair”.

“Isso feito, então eles entraram no pátio do templo para massacrar as pessoas. Os encarregados de matar simplesmente vinham a pé, com seus escudos de couro; outros com escudos engastados de pregos e espadas de metal. Em seguida, eles cercaram os que estavam dançando. Foram aonde estavam os tambores e bateram nas mãos do tamborileiro, cortaram a palma de suas mãos, das duas; cortaram-lhe o pescoço e o pescoço caiu longe”.

“Em seguida, todos eles atacaram as pessoas com as lanças de metal e contra elas investiram com suas espadas de metal. Algumas foram feridas pelas costas, e suas entranhas se esparramaram pelo chão. De outras eles rebentaram a cabeça, esmigalharam, reduziram a cabeça delas a pó. E, de outras, atingiram os ombros, vieram furar, vieram despedaçar o corpo delas”.

“E foi em vão que as pessoas correram. Ninguém fazia senão engatinhar, arrastando as suas tripas; era como se elas se enredassem nos pés de quem queria fugir. Não se podia ir a lugar algum. E aqueles que tentavam sair eram feridos ali mesmo, eram apunhalados”.

De Frei Bartolomé

“Na ilha Espanhola, que foi a primeira a que chegaram os espanhóis, começaram as grandes matanças e perdas de gente, tendo os espanhóis começado a tomar as mulheres e filhos dos índios para deles servir-se e usar mal e comer seus víveres adquiridos por seus suores e trabalhos, não se contentando com o que os índios de bom grado lhes davam, cada qual segunda sua faculdade, a qual é sempre pequena porque estão acostumados a não ter provisão mais do que necessitavam e que obtêm com pouco trabalho. E o que basta para um mês de três famílias de dez pessoas, o espanhol come e destrói em um dia”.

“Depois de muitos abusos, violências e tormentos a que os submetiam, os índios começaram a perceber que esses homens não podiam ter descido do Céu. E tudo chegou a tão grande temeridade e dissolução que um capitão espanhol teve a ousadia de violar a mulher do rei e senhor da ilha. O que deu motivo para os índios procurassem meios de tirar os espanhóis de suas terras. Mas com que armas? São fracos e de tão poucos expedientes que suas guerras não são mais do que brinquedos de crianças. Os espanhóis com seus cavalos, espadas e lanças faziam apostas sobre quem, de um só golpe, fenderia e abriria um homem pela metade”.

“Certo cacique propôs aos espanhóis lavrar as terras, numa área de cinquenta léguas, pois não tinha como extrair ouro, nem seu povo sabia como o fazer. Estou certo de que o que propunha teria valido anualmente ao Rei de Castela mais de três milhões de castelhanos. Mas o que recebeu este Rei foi o desonrar, na pessoa de sua mulher, violando-a. E tão grande foi sua aflição que preferiu se exilar em terra de outro senhor. Mas os espanhóis, sabendo do exílio, começaram uma guerra contra o que abrigara o cacique, matando, saqueando tudo”.

Colonização europeia

Os civilizados europeus e seus sucessores americanos foram os grandes genocidas da História. Como escreve Frei Bartolomé de Las Casas: “assassinaram muitas nações, tendo mesmo chegado a fazer desaparecer os idiomas, por não haver restado quem os falasse”.

Assim fizeram todos. Quantas etnias a Inglaterra exterminou para se tornar o reino onde o sol nunca se punha? O que ocorreu na Indonésia com a passagem dos Holandeses?

Cada época cria sua colonização, como se fosse o processo histórico civilizacional. Não houve quem se debruçasse no estudo dos primeiros americanos e constatasse que havia uma civilização sem fome e onde o povo só temia as manifestações da natureza. E destas não havia a energia fóssil para receber a culpa!

Eram criativos para prover alimentos, como descrito na 1ª Crônica, para produzir artes e diversões, como revelado por antropólogos e estudiosos do passado do homem e da natureza.

O colonizador do presente é tão ou mais cruel do que o espanhol das narrativas apresentadas. É o sistema financeiro apátrida, sustentado pela ideologia neoliberal. Nele a fome e a miséria, a doença e a escravidão são consequências desejadas e inevitáveis do Deus mercado e seus mandamentos do Consenso de Washington.

O Brasil adotou, na eleição de 1989, este Senhor Mercado. E, desde então, só retrocedemos. A maior empresa brasileira foi fatiada e resta a triste sombra do que já foi, a energia não mais serve para o povo, mas para enriquecer ridícula percentagem de bilionários apátridas, a agricultura é para exportação, como nos séculos da colônia, do Império e da primeira República, a tecnologia é importada, somos dependentes até para nos comunicar, veja a marca de seu celular, de seu computador, quando já tivemos a Cobra, a Itautec, a Scopus, a Prológica, a Dismac.

Hoje falta o Estado Nacional, o orgulho do trabalho (MEIs e ubers), a segurança na velhice e na doença, pois tudo o que importa é o lucro monetário e toda educação, nas escolas e nas comunicações de massa, flui no sentido do convencimento e da segregação aos que não aceitam ser rebanho.

*Pedro Augusto Pinho, administrador aposentado.

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