Projeto da Faz enda EcoAraguaia, na região do Parque Estadual do Cantão, no Tocantins, propõe novos olhares para o desenvolvimento sustentável.
Em um momento histórico repleto de dúvidas quanto ao futuro, uma fazenda com pouco mais de 400 hectares vem plantando algumas sementes de esperança. Localizada no município de Caseara (259 km de Palmas), às margens do rio Coco, vizinha ao Parque Estadual do Cantão, a Fazenda EcoAraguaia tem sua porteira aberta para um mundo mais solidário e colaborativo.
O conceito tradicional de fazenda passa longe dali. Tendo o bioagronegócio como modelo de gestão e desenvolvimento, mais conhecido como “Fazenda do Futuro”, o projeto como um todo provoca espanto e encantamento, por defender a floresta em pé e o trabalho em comunidade. Afinal, o Cerrado, que ocupa grande parte do território tocantinense, é um dos biomas mais ameaçados pelo avanço do agronegócio.
“Quando se fala em monocultura industrial, não há a visão da terra, é banco, commodities, o ‘cara’ não tem conexão nenhuma com a terra, inclusive o modelo aprisiona: é o extremo da agricultura industrial”. A sentença é de Guilherme Tiezzi, idealizador do projeto, que é dividido em sete dimensões de empreendimento: Ecoturismo, Agricultura e Pecuária Regenerativa, Empreendedorismo em Rede, Escola Floresta, Espiritualidade, Energia Renovável e Reflorestamento.
O começo
A fazenda que pode inspirar novos projetos futuros pelo Tocantins e outros estados é resultado de muitas vivências. A experiência de Tiezzi com a terra se resumia ao período na Escola Agrotécnica de Uberaba (MG), na adolescência. Anos depois, em 2002, após temporada fora do País e morando em São Paulo, atuando no desenvolvimento de redes colaborativas no mundo corporativo conheceu a região de Caseara. Ao lado do pai, sua intenção era a produção tradicional.
A atual fazenda foi adquirida em 2012. Era uma área de pastagens degradadas, uma situação que se manteve inalterada até 2016. Com o falecimento do pai, Guilherme começou a desenvolver o projeto da Fazenda do Futuro. “Eu tinha uma intuição que algo diferente precisava ser feito e tinha vontade de plantar árvores”, conta. Seus primeiros movimentos práticos de contato com a terra foi iniciar um Sistema Agroflorestal (SAF) e, com orientação da Embrapa aderir ao sistema integrado de produção que une lavoura, pecuária e floresta, o ILPF.
“Combinado a isso veio a parceria com a EFA de Porto Nacional, quando surgiu a questão da educação e do jovem”, continua. “Essa combinação, de ver a floresta retomando seu espaço e a criança e o jovem chegando para aprender o que é isso foi dando uma visão de futuro”, revela.
Ilhas
Uma boa parte da terra foi convertida em Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN). “Ninguém pode mexer nessa mata, nem minhas filhas ou os próximos donos”, explica, ressaltando que outros 50 hectares são Áreas de Proteção Permanente (APPs). “Com os outros 240 hectares, a gente está criando esse conceito das ilhas agroflorestais: são 24 ilhas de 10 hectares, incluindo dois hectares de agrofloresta. Em cada ilha vão morar três famílias, convivendo e produzindo em harmonia com a natureza. Numa visão de futuro, serão 72 famílias.”
O projeto também conta com uma “ilha de cooperação” espelhada no desenho das aldeias circulares do povo indígena Krahô, onde será montado o serviço de apoio à comunidade. “Pode ser desde a cooperativa com trator e drone, acessíveis a todas as famílias, até a própria escola, um centro de medicina, casa de artesanato, biblioteca, área de meditação. Toda essa parte que envolve arte, ciência e tecnologia estaria nessa ilha de cooperação, que a gente entende que pode abrigar mais umas 20 famílias, com professores, artesãos, facilitadores, programadores”, detalha.
E o turismo?
O desenvolvimento de um projeto de vivência turística integra uma das dimensões da Fazenda Ecoaraguaia. Ainda bem, porque privar as pessoas da possibilidade de conhecer este pedaço do paraíso seria um pecado!
O EcoAraguaia Jungle Lodge fica na parte mais privilegiada da propriedade, que dá acesso ao rio e uma praia exclusiva, com extensa faixa de areia. Aos visitantes, Guilherme mostra o local com entusiasmo e conta que a pandemia de Covid-19 o fez ficar em definitivo na fazenda. Até então, vinha ao Estado mensalmente e já havia recebido um bom número de pessoas para acampar. No começo, amigos e parentes, depois parceiros ligados a suas outras atividades mostraram que a proposta era viável.
A área é cercada pelo verde das árvores originais, com algumas cabanas biosustentáveis, erguidas sem uso de tijolos, ferro e concreto. Guilherme revela que o projeto estava pronto há algum tempo, mas faltava dinheiro, material e mão-de-obra para desenvolvê-lo. A partir do acesso indevido aos arquivos digitais da arquiteta responsável, o material tornou-se tema de artigo publicado em uma revista americana, em julho de 2020.
“O artigo dizia: ‘enquanto alguns fogem e se isolam em tudo, outros constroem um novo mundo’. O texto descrevia como se já tivesse acontecido e quando li aquilo pensei: já aconteceu, eu que não estou vendo!”
Construiu 10 cabanas de madeira (lodges), com modelos distintos, batizados com nomes indígenas – Hetô, Taba, Oca – mas usando os mesmos elementos: madeira, piaçava para a cobertura e tela. O tratamento dos resíduos dos banheiros é feito por biodigestor. Há energia elétrica, mas não chuveiro elétrico, o que não é problema no clima quente do Tocantins. Tem internet, mas quem precisa, se a ideia é desconectar?
“Não é um turismo dentro do modelo da lógica de mercado, é uma proposta de reconexão e regeneração. Vai muito da minha própria experiência de vir, me conectar, silenciar, meditar, experienciar e me sentir parte. Essa experiência é o que pulsa em mim para trazer pessoas e proporcionar que elas consigam silenciar, se reconectar e se sentir parte”, explica Guilherme.
“Teve gente que veio para ficar uma semana e ficou dois meses. Com a mudança de uma lógica de tempo, esse turismo de contemplação e meditação traz a experiência de você se desconectar um pouco do tempo econômico e se conectar com a natureza e se sentir parte de algo. A Fazenda do Futuro tem essa ambição de ir além do turismo, é quase uma experiência de regeneração de vida”, pondera.
O que virá pela frente?
Guilherme Tiezzi tem muitos planos para a Fazenda EcoAraguaia, mas sem limites definidos para ver todas as ilhas ocupadas e em pleno funcionamento. É uma atividade em constante movimento, sem prazos rígidos. “Trabalho com significado é fluxo constante de energia. Dinheiro no banco barra a energia de abundância, gera uma lógica de medo e escassez”, conclui. O que tiver que ser, assim será
Visão do rio Coco revela exuberância da área próxima ao Cantão, no Tocantins_S.Fontes
Integração com a natureza é uma das propostas do projeto_S.Fontes
Cabanas foram feitas sem tijolos e cimento_S.Fontes
Vivências com indígenas tocantinenses é uma das propostas do projeto_Guilherme Tiezzi
Guilherme traz como uma de suas prioridades o trabalho com estudantes_Divulgação
Samaúma, árvore com propriedades curativas, pode ser apreciada no local_Maru Huni Kui