por Catarina Casanova [*]
É em Dezembro de 1968 na cidade de Champigny que o Partido Comunista Francês (PCF) oficializa um programa (manifesto de Champigny) que vê o socialismo como um sistema naturalmente decorrente da democracia burguesa, fruto de sucessivas e contínuas reformas. O texto admite que existe uma espécie de contínuo entre estes dois tipos de sistema: de reforma em reforma, sempre que a correlação de forças for favorável ao trabalho, os trabalhadores e a classe operária vão avançando rumo ao socialismo. Referem os “comunistas” franceses que para trás fica progressiva e gradualmente a ditadura do capital. Passar-se-á do sistema capitalista ao socialista com acções de massas que pura e simplesmente vão ” limitar progressiva e sistematicamente as empresas monopolistas na economia nacional, a enfraquecer o capitalismo monopolista de Estado nos seus meios económicos e financeiros “, que os monopólios vão ser obrigados a ” ceder as suas posições ” – porque não vão contrariar a vontade popular – abrindo-se assim a ” via do socialismo “. Defendem que ” isolando a grande burguesia, apoiando-se na colaboração política dos partidos democráticos ” os trabalhadores chegarão ao sistema socialista. E os “comunistas” franceses sustentam todo este edifício “teórico” na tese de que a democracia é um valor universal fazendo tábua rasa de todos os ensinamentos marxistas-leninistas sobre o que é a democracia. O manifesto de Champigny conclui, assim, pela possibilidade de uma rendição da burguesia sem luta e sem recorrer à força. Não seria necessária qualquer revolução. Pacificamente, o capitalismo transformar-se-ia em socialismo pela acção de massas dos ” partidos democráticos ” dentro do quadro legal. Mas afinal qual é a natureza de classe das estruturas políticas que vão assegurar o domínio da classe operária e dos trabalhadores e que antes asseguravam a defesa dos interesses do capital? O manifesto de Champigny passa qual buldózer por cima da natureza de classe do Estado, como se a democracia não fosse sempre a forma de uma classe dominante exercer o poder sobre a classe dominada. Por outro lado, o documento tenta tranquilizar os comunistas ao juntar a esta capitulação – sem vergonha absolutamente nenhuma – afirmações como o facto do PCF continuar a ser “marxista-leninista”, e continuar a ser um partido “revolucionário”, de novo tipo. Isto é um exercício de dissimulação. A verdade é que este partido, ao defender que o papel da vanguarda, o papel do partido, é ” sem se substituir aos órgãos do Estado, às instituições representativas e às administrações”, “traçar em cada etapa as perspetivas do desenvolvimento socialista nos diferentes sectores da vida económica social, política e cultural “, está a negar a função da vanguarda. A vanguarda aponta precisamente a via da revolução, educa e organiza os trabalhadores para a fazer. Uma força política que se limita a apontar “perspectivas de desenvolvimento” não é uma vanguarda: é, quando muito, um departamento de qualidade da democracia burguesia.
Com a derrota do campo socialista dos chamados países de leste, estes partidos deixam de existir enquanto partidos comunistas e perdem a grande maioria da sua influência de massas (e eleitoral). Embora ainda ostentando a designação de “comunista” nos seus nomes, o seu discurso e a sua prática é a de traidores de classe. Estes partidos continuaram a trilhar caminhos revisionistas: renunciaram à perspectiva marxista do Estado enquanto ditadura da burguesia, traíram a visão leninista de um partido de novo tipo, e o PCF foi ao ponto de defender a “economia social de mercado”, no âmbito da sua participação (destacada, como a dos restantes partidos eurocomunistas) na organização retintamente reformista que é o Partido da Esquerda Europeia – aliás, Pierre Laurent, secretário-geral do PCF, preside à organização. Há muito que estes partidos não são comunistas, embora só em 2013 o PCF tenha abandonado a simbologia comum aos partidos comunistas (a foice e o martelo). No entanto, o PCE que votou cortes salariais na Andaluzia e a Refundação Comunista que fez, em 2014, a campanha eleitoral “Uma Outra Europa Com Tsipras”, estão muito longe dos tempos em que, de armas na mão, combateram as ditaduras fascistas de Mussolini e de Franco. O PCF, que no final da 2ª Guerra Mundial era conhecido como o “Partido dos Fuzilados” (não apenas lutando contra o nazi-fascismo mas também contra o governo colaboracionista de Vichy), transforma-se num partido da capitulação sem vergonha, ao serviço da burguesia. É essencial entender como se chegou aqui. Da mesma autora: Centrismo ou linha revolucionária [*] Professora Associada da Universidade de Lisboa O original encontra-se em www.odiario.info/… Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ . 07/Mai/16 |