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quinta-feira, 18 abril, 2024

Sete perguntas não formuladas acerca dos gastos militares dos EUA

William Astore [*]

Onde é vai conseguir o dinheiro? Essa questão assombra as propostas do Congresso para ajudar os pobres, os sem abrigo e aqueles que lutam para pagar a hipoteca ou a renda ou contas médicas, entre tantos outros assuntos internos críticos. E no entanto – grande surpresa! – há sempre dinheiro de sobra para o Pentágono.

No ano fiscal de 2022, de facto, o Congresso está a ser especialmente generoso com US$778 mil milhões em financiamento, cerca de 25 mil milhões a mais do que a administração Biden pediu inicialmente. Mesmo esta quantia assombrosa subestima seriamente o financiamento governamental para o vasto estado de segurança nacional dos EUA, que, uma vez que engoliu mais de metade das despesas discricionárias federais, é verdadeiramente o principal, se não oficial, quarto ramo do governo deste país.

A aprovação final do último orçamento militar, formalmente conhecido como a Lei de Autorização da Defesa Nacional de 2022 (NDAA na sigla em inglês), pode entrar em Janeiro enquanto o Congresso discute várias questões laterais. Ao contrário de tanto financiamento crucial para o cuidado directo dos americanos, no entanto, não imagine por um segundo que não será aprovado com supermaiorias. (Sim, o governo poderia de facto ser encerrado um dia destes, mas não – nunca! – os militares dos EUA).

Alguns dos meus tópicos favoritos entre as questões orçamentais de “defesa” que estão agora a ser discutidas incluem se os membros militares deveriam poder recusar vacinas Covid-19 sem serem punidos, se as mulheres jovens devem ser obrigadas a registar-se no Sistema de Serviço Selectivo quando fizerem 18 anos (apesar de os EUA não tem conscrição há quase meio século e não ser provável que venha a ter num futuro previsível), ou se a Autorização de Uso da Força Militar do Iraque (AUMF), aprovada pelo Congresso com efeitos desastrosos em 2002, deveria ser revogada após quase duas décadas de calamidade e futilidade.

Enquanto os debates sobre estas e outras questões semelhantes, previsivelmente partidarizadas, ganham manchetes, a maior de todas as questões escapa a uma cobertura séria: Porque é que, apesar de décadas de guerras desastrosas, os orçamentos do Pentágono continuam a crescer, ano após ano, como nuvens de cogumelos nucleares em constante expansão? Por outras palavras, à medida que se levantam vozes e as armas são acenadas no Congresso sobre a tirania das vacinas ou uma hipotética futura conscrição da sua filha de 18 anos, questões verdadeiramente críticas envolvendo o seu dinheiro (centenas de milhares de milhões, se não milhões de milhões de dólares dos contribuintes) ficam em grande medida descobertas.

Quais são algumas dessas questões que deveríamos estar, mas não estamos, a analisar? Estou feliz por ter perguntado!

Sete perguntas com ‘Arremesso de peso’

Nos meus tempos na Força Aérea, enquanto trabalhava na Cheyenne Mountain (o último abrigo anti-bombas da era da Guerra Fria), falávamos de mísseis nucleares em termos do seu “arremesso de peso” (throw-weight). Quanto maior o seu “arremesso de peso”, maior a ogiva. Nesse espírito, gostaria de lançar sete perguntas de peso – algumas com “ogivas” múltiplas – na direcção geral do orçamento do Pentágono. É um exercício que vale a pena fazer em grande parte porque, apesar da sua enorme dimensão, esse orçamento parece geralmente impermeável a uma supervisão séria, muito menos a questões reais de qualquer espécie.

Portanto, aqui vai e agarre-se bem (ou, no espírito nuclear, duck and cover!): [1]

Custos da guerra no Afeganistão, 2001-2022Primeiro: Porque é que, com o fim da Guerra do Afeganistão, o orçamento do Pentágono ainda está a crescer? Mesmo quando o esforço de guerra dos EUA supurou e a seguir desabou em derrota, o Pentágono, segundo os seus próprios cálculos, estava a gastar quase 4 mil milhões de dólares por mês ou US$45 mil milhões por ano naquele conflito e, de acordo com o Projecto Custos da Guerra, US$2,31 milhões de milhões (trillion) desde o seu início. Agora que a loucura e a mentira finalmente acabaram (pelo menos teoricamente falando), após duas décadas de fraude, desperdício e abusos de todo o tipo, não deveria o orçamento do Pentágono para 2022 diminuir em pelo menos US$45 milhões de milhões? Mais uma vez, a América perdeu, mas não deveriam agora os contribuintes americanos serem poupados num mínimo de US$4 mil milhões por mês?

Dois: Depois de uma desastrosa guerra contra o terrorismo que custou mais de US$8 milhões de milhões (trillion), não será finalmente tempo de começar a diminuir a presença imperial global da América? Honestamente, para a sua “defesa”, será que os militares americanos precisam de 750 bases além-mar em 80 países de todos os continentes, excepto na Antárctida, mantidas a um custo algures acima de US$100 mil milhões anuais? Por que razão, por exemplo, os militares estão a expandir as suas bases na ilha de Guam, no Pacífico à custa do ambiente e apesar dos protestos de muitos dos povos indígenas dali? Uma palavra: China! Não é espantoso como a ameaça sempre inflada da China dá poder a um Pentágono cujas exigências orçamentais insaciáveis podem ser perturbadas sem que haja um adversário “quase” definido por si próprio? É quase como se, em algum sentido retorcido, o próprio orçamento do Pentágono estivesse agora a ser “Feito na China”.

Três: Falando da China e da sua alegada busca de mais armamento nuclear, porque é que os militares americanos continuam a tentar conseguir US$1,7 milhões de milhões nos próximos 30 anos para o seu próprio conjunto de armas nucleares “modernizadas”? Afinal de contas, a actual força estratégica da Marinha, representada sobretudo por submarinos da classe Ohio com mísseis Trident, é (e será num futuro previsível) capaz de destruir o mundo tal como o conhecemos. Um intercâmbio nuclear “geral” acabaria com a vida da maior parte da humanidade, dado o impacto terrível que o Inverno nuclear que se seguiria teria na produção de alimentos. Para que serve a lei “Build Back Better” de Joe Biden, se os líderes americanos estão a preparar-se para destruir tudo com uma nova geração de bombas e mísseis nucleares provocadoras de holocausto?

Carregamento de armas nucleares.Quatro: Porque é que os militares americanos, alegadamente financiado para “defesa”, estão configurados para projecção de força e ataques globais de toda espécie? Pense-se na Marinha, construída em torno de grupos de ataque de porta-aviões, levando agora a luta ao “inimigo” no Mar do Sul da China. Pense-se nos bombardeiros estratégicos B-52 da Força Aérea, ainda a voar provocadoramente perto das fronteiras da Rússia, como se o filme Dr. Strangelove tivesse sido lançado não em 1964, mas ontem. Em suma, porque é que os militares norte-americanos se recusam a ficar em casa e a proteger a Fortaleza América? Um velho cliché desportivo, “a melhor defesa é um bom ataque”, parece capturar a falência daquilo que se passa, mesmo após décadas de guerras perdidas em terras distantes, para o pensamento estratégico americano. Pode fazer sentido num campo de futebol, mas, a julgar por tais guerras, tem sido uma estarrecedora perda de liderança para os nossos militares, sem falar dos povos estrangeiros que recebem armas letais, em grande medida “Made in the USA”.

Ao invés de se deleitar em choque e pavor, este país deveria descobrir as guerras que travou desde 1945, verdadeiramente chocantes e odiosas – e agir para acabar com elas de uma vez por todas e desfinanciar quaisquer versões futuras das mesmas.

Cinco: Falando de ataques globais com repercussões terríveis, porque é que o Pentágono está a trabalhar tão arduamente para cercar a China, ao mesmo tempo que agita tensões que só podem contribuir para a temeridade nuclear e mesmo possivelmente uma nova guerra mundial já em 2027? Pergunta relacionada: Porque é que o Pentágono continua a afirmar que, nos seus “jogos de guerra” com a China sobre uma possível batalha futura para a ilha de Formosa, perde sempre? Será porque “perder” é realmente ganhar, uma vez que essa mesma possibilidade pode então ser citada para justificar ainda mais pedidos de fundos do Congresso de modo a que este país possa “alcançar” a mais recente Ameaça Vermelha?

(Pergunta bónus: Como os generais americanos continuam a perder guerras reais, bem como guerras imaginárias, porque é que nenhum deles é despedido?)

Seis: Por falar em agressão global, porque é que este país mantém um vasto e dispendioso exército dentro do exército que é dirigido pelo Comando de Operações Especiais e operacionalmente orientado para facilitar intervenções em qualquer lugar e por toda a parte? (Note-se que as forças de operações especiais deste país são maiores do que as forças armadas de muitos países deste planeta!) Quando se olha para trás nas últimas décadas, as forças de Operações Especiais não provaram ser assim tão especiais, não é? E não importa se está a mencionar as guerras no Vietname, Iraque, ou Afeganistão. Dito de outra forma, para cada missão da SEAL Team 6 que mata um grande vilão, há um número surpreendente de catástrofes em pequena escala que só alienam outros povos, gerando assim um ricochete (e, claro, um maior financiamento dos militares).

Sete: Finalmente, porque, oh porque, é que após décadas de fracassos militares, o Congresso continua a acatar de forma tão covarde a “experiência” dos nossos generais e almirantes? Porquê emitir tantos cheques essencialmente em branco para a gang que simplesmente não consegue disparar a direito, seja em batalha ou quando testemunha perante os comités do Congresso, bem como às empresas gigantes (e monstros do lobby do Congresso) que fabricam o próprio armamento que não pode disparar direito?

Para os militares é um elogio ser chamado de atirador atirador frontal (straight shooter). Sugiro que o Presidente Biden comece a despedir uma série de generais até encontrar uns poucos que estejam dispostos a fazer exactamente isso e dizer-lhe e ao resto de nós algumas verdades duras, especialmente sobre armamento que funciona mal e guerras perdidas.

Quarenta anos atrás, depois de Ronald Reagan se ter tornado presidente, comecei a escrever a sério contra o inchaço do orçamento do Pentágono. Naquele tempo, porém, nunca teria imaginado que os orçamentos desses anos pareceriam modestos comparados com os de hoje, especialmente depois de a grande inimiga daquela era, a União Soviética, ter implodido em 1991.

Por que, então, a cada ano a NDAA [2] sobe cada vez mais alto na troposfera, à deriva ao vento e envenenando a nossa cultura com o militarismo? Porque, para afirmar o óbvio, o Congresso preferiria envolver-se em gastos democráticos do que exercer a mais pequena supervisão real quando se trata do estado da segurança nacional. É claro que foi essencialmente capturado pelo complexo militar-industrial, um destino terrível de que o Presidente Dwight D. Eisenhower nos advertiu há cerca de 60 anos no seu discurso de despedida. Ao invés de ser um cão de guarda do dinheiro da América (para não falar do rápido desaparecimento da nossa democracia), o Congresso tornou-se um verdadeiro cão de guarda das altas patentes militares e dos seus bem sucedidos fabricantes de armas.

Assim, mesmo quando o Congresso faz um espectáculo do debate sobre a NDAA, isto não passa realmente de uma dança política Kabuki (uma metáfora, a propósito, que é bastante comum entre os militares, o que lhe diz algo sobre o bem viajado sentido de humor dos seus membros). Claro, os nossos representantes do Congresso actuam como se estivessem a exercer supervisão, mesmo quando fazem o que lhes é dito, enquanto os empreiteiros de bolsos fundos fazem grandes contribuições para os cofres das campanhas desses mesmos políticos. É uma vitória para eles, claro, mas uma grande perda para este país – e na verdade para o mundo.

Fazer mais com menos

Como seria uma verdadeira supervisão quando se trata do orçamento da defesa? Mais uma vez, ainda bem que perguntou!

Concentrar-se-ia na defesa real, na prevenção de guerras e, acima de tudo, na redução das nossas gigantescas forças armadas. Envolveria cortar esse orçamento aproximadamente para a metade nos próximos anos e assim forçar os nossos generais e almirantes a envolverem-se na mais rara das acções para eles: fazer algumas escolhas difíceis. Talvez então vissem a loucura de gastar 1,7 milhões de milhões de dólares na próxima geração de armamento mundial, ou manter todas aquelas bases militares a nível global, ou talvez até a estupidez chamejante de encurralar a China num canto em nome da “dissuasão”.

Aqui está um pensamento radical para o Congresso: Os americanos, especialmente a classe trabalhadora, estão constantemente a ser aconselhados a fazer mais com menos. Vá lá, seus trabalhadores, tenham iniciativa e arrisquem-se!

Para tantos dos nossos representantes eleitos (muitas vezes abrigados em bairros grotescamente manipulados), menos dinheiro e menos benefícios para os trabalhadores são raramente vistos como problemas, apenas desafios. Deixe-se de lamúrias, aplique alguma maquilhagem e faça isso!

Os militares dos EUA, ainda orgulhosos do seu espírito “confiante” em numa era de falta de confiança na guerra, deveria ter muitos espertalhões a aproveitarem-se. Basta considerar todos aqueles “think tanks” de Washington a que podem recorrer! Não será tempo, então, de o Congresso desafiar o complexo militar-industrial para se concentrar em como fazer muito menos (como menos combates de guerra) com muito menos (como orçamentos mais baixos para abundância de armamento e guerras calamitosas)?

Para este e futuros orçamentos do Pentágono, o Congresso deveria enviar as mensagens mais fortes, cortando pelo menos 50 mil milhões de dólares por ano durante os próximos sete anos. Forçar os rapazes (e umas poucas garotas) a usar as estrelas para estabelecer prioridades e enfatizar a defesa real deste país e da sua Constituição, o que, acreditem-me, seria uma experiência única para todos nós.

Todos os anos, ouço novamente o discurso do complexo militar-industrial de Dwight Eisenhower. Naqueles momentos finais da sua presidência, Ike advertiu os americanos das “graves implicações” da ascensão de um “imenso estabelecimento militar” e de “uma indústria de armamento permanente de vastas proporções”, cuja combinação constituiria um “aumento desastroso de poder inapropriado”. Este país está hoje a sofrer de um tal aumento para níveis que deformaram a própria estrutura da nossa sociedade. Ike também falou então da prossecução do desarmamento como um imperativo contínuo e da importância vital de procurar a paz através da diplomacia.

No seu espírito, todos nós devemos apelar ao Congresso para pôr fim à loucura de orçamentos de guerra cada vez mais exagerados e substituí-los pela busca da paz através da sabedoria e da contenção. Desta vez, não podemos verdadeiramente permitir que as numerosas armas fumegantes da América se transformem em tantas nuvens de cogumelos acima do nosso planeta sitiado.

NT

[1] Duck and cover: Filme de nove minutos exibido na década de 1950 em todas as escolas dos EUA como preparação para a guerra nuclear.

[2] NDAA: National Defense Authorization Act

[*] Tenente-coronel aposentado (USAF) e professor de história, colaborador de TomDispatch e membro sénior da Eisenhower Media Network (EMN), uma organização de militares veteranos críticos e profissionais de segurança nacional. O seu blogue pessoal é Bracing Views.

O original encontra-se em TomDispatch e em consortiumnews.com/2021/12/17/7-unasked-questions-about-us-military-spending/

Este artigo encontra-se em resistir.info

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