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sexta-feira, 29 março, 2024

Serguei Lavrov: Se depender da Federação da Rússia, não haverá guerra

– Entrevista às rádios “SPUTNIK”, “Eco de Moscou”, “Fala Moscou” e “Komsomolskaya Pravda”

Serguei Lavrov [*]

Pergunta: Vai haver uma guerra? Enviámos-lhes as nossas propostas, esperámos pela sua resposta, a sua resposta chegou. Não ficámos satisfeitos, como era de esperar. Antes disso, dissemos e deixámos claro pela voz de várias pessoas que, se a sua resposta não nos satisfizesse, reservar-nos-íamos o direito de responder e defender os nossos interesses por meios os mais duros possíveis. O senhor poderia esclarecer o que queremos dizer com isso, o que vamos fazer? Afinal, não será o McDonalds que iremos proibir, não é? Se o senhor me permite citar os meus subscritores, eles colocam a pergunta da seguinte forma: ” Quando é daremos uma surra a Washington?”, “Haverá uma guerra?”, “Até quando ficaremos a tagarelar? “Haverá uma guerra?”

Serguei Lavrov: Se isso depender da Federação da Rússia, não haverá guerra. Não queremos guerras, mas não vamos permitir que os nossos interesses sejam espezinhados e ignorados. Não posso dizer que as negociações tenham terminado. Como sabem, os norte-americanos e a NATO levaram mais de um mês para estudar as nossas propostas muito simples contidas nos projetos de tratado com Washington e de acordo com a Aliança do Atlântico Norte. Só ontem recebemos as suas respostas. Estão redigidas à ocidental e “turvam as águas claras”. Ao mesmo tempo, têm grãos racionais em questões secundárias. Por exemplo, a questão dos mísseis de médio e curto alcance (foi de grande importância para nós em algumas etapas). Quando os norte-americanos destruíram o Tratado INF, instámo-los a ouvir a voz da razão. O Presidente da Rússia, Vladimir Putin, enviou uma mensagem a todos os membros da OSCE sugerindo que se juntassem à nossa moratória unilateral para chegarem a um acordo sobre medidas de verificação. A sua proposta foi ignorada. Agora vem como parte das suas propostas. Do mesmo modo, foram ignoradas as nossas iniciativas, avançadas pelo Estado-Maior General da Federação da Rússia, de afastar os exercícios militares das fronteiras dos dois lados e de acordar uma distância mínima permitida para a aproximação de aviões e navios de guerra, além de uma série de outras medidas de confiança, “desconflito” e desescalada. Todas estas nossas propostas foram rejeitadas nos últimos dois ou três anos. Agora propõem nos debatê-las. Isto é, os aspetos construtivos contidos nestas propostas foram importados das iniciativas que temos formulado ultimamente. Creio que isso, e digamos em russo, é “pelo menos alguma coisa”. Repito, o mais importante para nós é compreender os fundamentos conceptuais em que a segurança europeia se baseia.

Em 2010, em Astana, e, antes disso, em 1999 em Istambul, todos os Presidentes e Primeiros-Ministros dos países da OSCE assinaram um pacote de princípios interligados relativos à indivisibilidade da segurança. O Ocidente “arranca” deste pacote apenas um slogan, segundo o qual cada país tem o direito de escolher aliados e alianças militares. Todavia, este direito é condicionado ao compromisso de cada país, assinado pelos ocidentais, de não reforçar a sua segurança à custa da segurança dos outros. Nos seus cânticos rituais de que a política de porta aberta da NATO é sacrossanta, que ninguém pode proibir a Ucrânia de aderir à Aliança e que só cabe à Ucrânia decidir, não quer sequer ouvir referências à segunda parte deste compromisso. Mais do que isso, quando Josep Borrell e Antony Blinken e muitos outros dos nossos colegas falam da necessidade de seguir os princípios acordados no contexto da arquitetura de segurança euro-atlântica, nenhum deles menciona a Declaração de Istambul nem a Declaração de Astana. Fazem referência à Ata Final de Helsínquia e à Carta de Paris para uma Nova Europa, de 1990, que não estipulam o compromisso de não reforçar a sua segurança à custa dos outros. A Rússia insistiu em que os documentos subsequentes da OSCE incluíssem este compromisso.

Hoje, como eu já disse, vou enviar a todos os meus colegas um pedido formal para explicarem como pretendem cumprir, nas atuais circunstâncias históricas, os compromissos que os seus respetivos países subscreveram ao mais alto nível. Estas são questões de princípio. Antes de discutirmos os aspetos práticos da segurança europeia, queremos ver como o Ocidente se vai furtar desta vez. Espero que nos respondam honestamente o que querem dizer quando implementam estes acordos apenas de modo a servir os seus interesses, omitindo completamente, permitam-me salientar isso novamente, a tese de que o direito de fazer alianças é explicitamente condicionado pela inadmissibilidade de reforçar a segurança de alguns Estados à custa de outros. Vejamos qual será a sua resposta.

Pergunta: Se derem a resposta de que muitos peritos estão a falar, ela decerto não nos satisfará. Poderá isto causar o rompimento das relações? Tudo o que temos ouvido ultimamente dos norte-americanos, e eles estão prontos a impor sanções aos dirigentes do nosso país, até mesmo contra si…

Serguei Lavrov: O que quer dizer com “até mesmo”, não serei eu digno disso?

Pergunta: Nunca na história se falou de sanções contra um Ministro dos Negócios Estrangeiros e um Presidente. Isso é o cúmulo! Veja o que está a acontecer aos nossos diplomatas contra este pano de fundo. A declaração de ontem do nosso Embaixador nos EUA, segundo a qual tudo isso quase poderia causar o rompimento das relações. Como disse Anatoli Antonov, os nossos diplomatas estão simplesmente a ser expulsos, apresentando-o de forma um pouco diferente. O que devemos fazer nesta situação? Como isso vai ficar?

Serguei Lavrov: A questão tem muitos aspetos. Começarei por abordar o mais importante: o que vamos fazer se o Ocidente não ouvir a voz da razão. O Presidente da Rússia já o disse. Se as nossas tentativas de chegar a acordo sobre princípios de a segurança na Europa mutuamente aceitáveis para garantir falharem, retaliaremos. Ao ser perguntado diretamente quais poderiam ser essas medidas, ele disse que poderiam ser as mais diversas. Ele tomará decisões com base nas propostas que os nossos militares lhe apresentarão. Naturalmente, outros ministérios estarão também envolvidos na elaboração destas propostas.

Agora as autoridades competentes estão a estudar conjuntamente as respostas que recebemos dos EUA e da NATO. O seu conteúdo já é praticamente conhecido por todos. Acabei de tocar em alguns detalhes. Mencionarei entre parênteses que a resposta norte-americana, em comparação com a da NATO, é quase um modelo de ética diplomática. A resposta da NATO é tão ideológica e está tão imbuída do espírito do excecionalismo da Aliança do Atlântico Norte, da sua missão e predestinação especiais que fiquei um pouco envergonhado por aqueles que escreveram estes textos.

A nossa resposta será preparada. As propostas de resposta serão apresentadas para a apreciação do Presidente da Rússia, cabendo-lhe tomar uma decisão. Por enquanto, estamos a elaborar a nossa posição e os nossos passos que acabo de mencionar.

Quanto às ameaças de sanções, dissemos aos norte-americanos, inclusive nos contatos entre os dois Presidentes, que o pacote de sanções que acaba de mencionar e que prevê, entre outras, a de deixar a Rússia fora dos sistemas financeiros e económicos controlados pelo Ocidente, equivaleria ao rompimento das relações. Dissemos isso sem rodeios. Penso que eles compreendem isso. Não creio que alguém esteja interessado nisso.

Quanto ao seu comportamento para com os nossos diplomatas. Há alguns anos, em dezembro de 2019 para ser exato, eu estava em Washington, e lá um vice do então Secretário de Estrado dos EUA, Mike Pompeo, disse, de passagem, como que se despedindo, ao meu vice que eles estavam a pensar em como otimizar o funcionamento das nossas missões diplomáticas numa base de reciprocidade, porque, após três anos de lotação num posto no estrangeiro, os diplomatas norte-americanos eram transferidos para um posto noutro país ou regressavam a Washington. Por essa razão decidiram que os nossos diplomatas também deveriam permanecer nos EUA por três anos, no máximo. Quando lhes perguntámos sobre a razão pela qual haviam adotado essa medida às escondidas em relação ao nosso país e se tinham planos semelhantes em relação a outros países, eles disseram-nos que “não”. Nenhum outro país senão a Rússia era visto por eles como objeto dessa “experiência”. Assim começou mais uma ronda dos nossos combates diplomáticos. Dissemos-lhes “tudo bem”, vocês têm a prática, segundo a qual um diplomata só pode permanecer num posto no estrangeiro por três anos, a nossa prática é de não permitir a contratação do pessoal local para os trabalhos nas embaixadas. A Embaixada norte-americanos tinha mais de 400 pessoas contratadas localmente (nacionais da Rússia e de outros países, na sua maioria, países da CEI).

Deve ter estado a acompanhar esta discussão. Começaram a gritar e a soluçar: “Vocês nos deixam “desenergizados”? Quiseram trabalhar segundo os princípios que lhes permitiam tudo e impor-nos o que lhes parecia correto. Faremos o mesmo. Esta é outra espiral da crise iniciada por Barak Obama que mostrou o seu verdadeiro caráter. Três semanas antes de deixar a Casa Branca, ele quis bater com a porta e “deixou uma trapalhada” para Donald Trump, tendo-nos apreendido cinco bens imóveis diplomáticos e expulsado dezenas dos nossos diplomatas e os seus familiares, dando-lhe o prazo de três dias para fazer as malas. Foi assim que tudo começou.

Voltámos a abordar este assunto nas nossas conversas com Antony Blinken em Genebra, finalizando o nosso diálogo sobre a segurança europeia. Dissemos-lhe que era necessário fazer com que esta situação volte ao normal. Sugerimos zerar tudo, do passo, e digamos sem rodeios, mesquinho e vergonhoso do Prémio Nobel Barack Obama ao que se lhe seguiu. Vejamos. Deverá haver outra reunião nas próximas semanas. Os norte-americanos começaram a regatear, dizendo que o pessoal de apoio do Embaixador deve contar com 12 pessoas. Para eles, estas pessoas servem o Embaixador e devem, portanto, ser retiradas do número de funcionários que estamos a acordar na base de reciprocidade. Explicamos-lhes que o número de funcionários acordado é de 455 para os dois lados. Do nosso lado, é um gesto de grande boa vontade, pois este universo inclui não só o pessoal das missões diplomáticas bilaterais: as Embaixadas e os dois Consulados Gerais, mas também 150 funcionários da nossa representação junto da ONU, que nada tem a ver com os laços bilaterais nem equilíbrios de quotas em qualquer outra área. Este foi um ato da nossa boa vontade. No entanto, avisámo-los de que, se continuarem a ser grosseiros conosco (não encontro outras palavras para qualificar as suas declarações de que, se não deixar entrar no país os seguranças do seu Embaixador, pedirão ao nosso Embaixador Anatoli Antonov que deixe os EUA), ainda temos recursos para realmente equilibrar as nossas presenças diplomáticas.

Pergunta: O senhor está ciente de que as minhas perguntas se baseiam nas perguntas dos nossos ouvintes. Já que estamos a falar das relações russo-norte-americanas, o nosso ouvinte Michael McFaul [NR], professor catedrático da Universidade de Stanford, na Califórnia, enviou uma pergunta para si. Porque é que a Rússia não tentou pelo menos obter a aprovação do Conselho de Segurança da ONU para usar a força se o uso da força na Ucrânia for necessário. A Rússia não tem mais fé no Conselho de Segurança da ONU? Porque é que a Rússia ainda não reconheceu as autoproclamadas repúblicas de Donetsk e de Lugansk, se estão a enfrentar uma ameaça semelhante à enfrentada pela Ossétia e a Abcásia em 2008?

Serguei Lavrov: Para dizer a verdade, estas perguntas são absolutamente ignorantes. Aqui está uma questão relativa ao Conselho de Segurança. Estou certo? Porque é que a Rússia (no passado) não pediu ao Conselho de Segurança da ONU a autorização para usar a força, se necessário? Não vou sequer explicar porque esta frase não tem sentido. A palavra “se” não existe nas ações práticas de nenhuma diplomacia.

Quanto ao reconhecimento. Penso que Michael McFaul, que deu uma enorme contribuição para a destruição de tudo o que de construtivo tinham as relações russo-norte-americanas, não teve simplesmente tempo para se familiarizar com os acordos de Minsk acordados em fevereiro de 2015. Referem-se à preservação da unidade e integridade territorial da Ucrânia. Isto foi feito numa situação em que, meses antes da reunião de Minsk, as repúblicas de Donetsk e de Lugansk já tinham declarado a sua independência. A Alemanha e a França, que, juntamente conosco e com os ucranianos, tinham acordado o texto dos acordos de Minsk, pediram-nos muito, juntamente com Petro Poroshenko, que convencêssemos os líderes das duas repúblicas, que haviam sido especialmente convidados para Minsk por ocasião dessa reunião, a assinarem os acordos de Minsk, o que alterava assim os resultados do referendo em Donbass realizado na primavera de 2014. Michael McFaul deveria provavelmente estudar a história moderna desta região. A questão do reconhecimento deve ser considerada no contexto da nossa política firme de persuadir o Ocidente a forçar Kiev a cumprir os acordos de Minsk. Então tudo estará em ordem, tal como estipulado neste documento aprovado pelo Conselho de Segurança da ONU.

Pergunta: Penso que muitas pessoas que leram o documento que propusemos aos norte-americanos ficaram estupefatas. Muitas pessoas (para dizer a verdade, eu também) ficaram com a sensação de que a Rússia ganhou uma guerra, enquanto a América já a perdeu. Refiro-me ao caráter radical da proposta: a NATO deve regressar à sua demarcação de 1997 e assim por diante. A questão é: o que foi que houve? Afinal, é óbvio que os norte-americanos não se retirarão para as suas posições de 1997 nem se retirarão dos países estão muito bem instalados? Obviamente, teve em conta algo. O que teve em conta e teve em conta a reação a esta carta? A retirada deveria ser rápida. Foi dito que nos respondessem rapidamente.

Esta é a quarta equipa norte-americana com a qual o senhor trabalha, desde a época de George W. Bush, em que o senhor foi nomeado Ministro dos Negócios Estrangeiros. Existe alguma diferença fundamental nas equipas? Pode ser que a teoria do papel de um grande homem na história, como outrora nos foi ensinado, seja verdadeira ou tudo isso seja irrelevante? Com quem se sentiu mais à vontade para trabalhar? É bom trabalhar com esta “rapaziada” em comparação com as equipas anteriores?

Serguei Lavrov: As nossas propostas entregues aos norte-americanos e à OTAN a 15 de dezembro de 2021 só podem parecer escandalosas se o perito encarregado de as avaliar partir da premissa de que os “norte-americanos já se apoderaram de tudo à sua volta e não adianta inquietarem-se. Fiquem quietos e contentem-se com o mínimo que têm”.

Queremos ser tratados com justiça. Citei os compromissos assumidos ao mais alto nível no seio da OSCE. Sublinho que foram assinados pelos Presidentes, incluindo o dos EUA, e dizem que ninguém irá reforçar a sua segurança à custa da segurança dos outros. Os norte-americanos dizem-nos que o direito de escolher alianças é sacrossanto. Dizemos-lhes que pode sê-lo desde que não exacerbe a situação de segurança de nenhum outro país. Este postulado foi assinado por vocês, meus senhores.

Agora que eles estão a tentar apresentar as nossas propostas como ultimato, estamos a recordar-lhes isto e vamos pressioná-los a dizerem-nos honestamente como interpretam aquilo que foi assinado pelo seu Presidente. Se ele assinou, pensando que a Rússia jamais conseguiria obter o que estes documentos prometiam, devem confessá-lo. Esta confissão completará a sua resposta à nossa referência às suas promessas verbais de não alargar a NATO, feitas em 1990, de que haviam tido em mente coisas absolutamente diferentes, que não haviam desejado induzir-nos em erro e que haviam atuado às pressas, concentrando-se em questões mais importantes. Esta é a sua explicação direta.

Estamos no nosso próprio território. Os norte-americanos pretendem convocar o Conselho de Segurança da ONU lembrado por Michael McFaul para analisar o que estamos a fazer em relação à Ucrânia e a razão por que não estamos a tratar das questões da desescalada. Este anúncio foi feito por um representante de um país que espalhou as suas bases militares por todo o mundo, à volta da Federação da Rússia, da CEI, país que se encontra no Iraque por razões não claras (quem o convidou lá?). Se os norte-americanos quiserem considerar o tópico da instalação das tropas, temos o que conversar aqui. Nós não enviamos as nossas tropas aos países que não nos convidam. Cumprimos os acordos que celebramos com um país que nos convida, em plena conformidade com o direito internacional. Fomentando histericamente o tema da escalada na Ucrânia e exigindo de nós uma desescalada, Josep Borrell e Antony Blinken (este deve ser o seu cântico ritual) dizem-nos que esperam muito que a Rússia opte pelo “caminho da diplomacia”. Pego-os na palavra. Estamos no caminho da diplomacia há muitas décadas, desde a desagregação da União Soviética. Um resultado muito importante desta diplomacia são os acordos de Istambul e Astana que mencionei: ninguém irá reforçar a sua segurança à custa da segurança dos outros. Este é um acordo, uma declaração, o cúmulo da diplomacia. Compromisso, consenso, acordo, o que quer que lhe queiram chamar. Se vocês forem a favor da diplomacia, cumpram primeiro aquilo que foi acordado.

Não quero avaliar as qualidades pessoais dos nossos parceiros. Há muito sobre o que falar. Devemos trabalhar com todos, é o nosso princípio. Trabalhamos com todos. Posso dizer que tive uma relação equilibrada com cada um dos meus colegas. Podíamos sempre falar francamente, inclusive sobre as questões que nos dividiam e até causavam contradições entre os nossos países.

Pergunta: O senhor é diplomata. Nunca formulará as frases como eu formulo, mas eu sou jornalista e posso permitir-me fazê-lo.

Serguei Lavrov: Houve casos em que as minhas frases estavam longe de ser diplomáticas.

Pergunta: É verdade. Todavia, não as diz num microfone nem nas suas entrevistas. Somos nós que o apanhamos para produzir depois t-shirts com as suas frases brilhantes.

Acabámos de salvar recentemente o Cazaquistão. Talvez tenhamos de salvar agora a situação entre o Tajiquistão e o Quirguizistão. Salvámos recentemente a paz em Nagorno-Karabakh e na Arménia. Temos sempre salvado as ex-repúblicas soviéticas. O que é que temos em troca?

Os colegas do editor-chefe Vladimir Sungorkin, que agora está no estúdio da rádio “Komsomolskaya Pravda”, realizaram uma boa investigação e publicaram um excelente artigo sobre o que os livros escolares das ex-repúblicas soviéticas, incluindo as que salvamos, dizem sobre a Rússia, a União Soviética, o Império Russo. É um bom artigo. Se ainda não o viu, ficará surpreendido. O Presidente do Cazaquistão, Kassym-Jomart Tokayev, assevera o nosso Presidente que tudo está bem com a língua russa nas escolas locais e no país em geral. Segundo as informações que temos, isto não é bem assim, para não dizer que isso não é verdade. Quanto à situação dos russos naqueles países, recebemos muitas queixas sobre assédios. Não estou a falar concretamente do Cazaquistão, mas da política adotada pelas ex-repúblicas soviéticas. Ouvimos dizer muitas vezes que o Ministério dos Negócios Estrangeiros é contra facilitar o procedimento de concessão da cidadania russa aos russos ali residentes. Sei de uma fonte segura que isto não é verdade. O senhor e eu já discutimos este assunto; conheço a sua posição e sei que o senhor é a favor. Mais do que isso, o senhor tomou parte ativa nos trabalhos para simplificar a legislação existente. Poderia dizer-nos: até quando vamos tolerar esta atitude para com os nossos compatriotas? Quando é que vamos começar a trazer de volta o nosso povo como fizeram os gregos, alemães, judeus e muitos outros? Como vamos proteger os direitos dos nossos compatriotas que lá permanecem contra a sua vontade em consequência da desagregação do país?

Serguei Lavrov: Muitas perguntas dentro de uma só. Quanto às relações com os nossos vizinhos, os nossos aliados e parceiros da OTSC, da Comunidade de Estados Independentes, este problema existe. Ninguém o está a esconder. Tem, em grande parte, a ver com o facto de os novos Estados independentes que surgiram no lugar da União Soviética, fazendo no período anterior à URSS parte do Império Russo, terem recebido, pela primeira vez num longo período histórico, a oportunidade de criar os seus próprios países (isto é salientado). O seu desejo de afirmar a sua identidade nacional, o mais rapidamente possível, gera, por vezes, esforços exagerados. Ninguém vai contestá-lo. Estas coisas acontecem quando grandes impérios caem.

A União Soviética sucedeu ao Império Russo, sendo, em geral, uma entidade imperial, embora mais branda e humana em comparação com os impérios britânico, francês e vários outros impérios.

Neste período da história, os excessos que menciona são inevitáveis. Queremos evitar e pôr-lhes um fim. Devemos fazê-lo por todos os meios, usando inclusive o chamado “poder suave”, para o qual temos de alocar recursos muito maiores do que os disponibilizados atualmente. O nosso Ministério está a defender a necessidade das respetivas decisões do Governo para sistematizar as atividades do Estado nesta área. Por enquanto, estamos longe do nível que os países ocidentais atingiram nesta área. Para além do “poder suave”, para além da diplomacia e dos nossos esforços para levantar estas questões nos nossos contatos com os nossos aliados e parceiros, deve haver, naturalmente, a reciprocidade condicionada pela necessidade de considerar a atitude para com as questões relevantes para nós aquando do exame das questões na Federação da Rússia que são relevantes para o nosso parceiro. Trata-se dos trabalhadores migrantes, da assistência económica e de muitas outras coisas. Os nossos sistemas económicos estão interligados. A União Económica Eurasiática cria condições, cuja parte leonina será garantida pela Federação da Rússia.

Não vejo nenhuma contradição com o desenvolvimento de estreitas relações amigáveis, aliadas e pessoais com as elites dos nossos vizinhos. A presente situação deve-se ao desastre geopolítico, à extinção, à desagregação da União Soviética, quando, como disse o Presidente Vladimir Putin, 25 milhões de pessoas (talvez até mais) ficaram, num instante, no estrangeiro, fora do seu país. Não havia fronteiras, ninguém sabia como contactar. Isso exigia esforços titânicos. Agora que a situação se normalizou mais ou menos, é claro quem é responsável por quê. Isso já é uma grande conquista. Todavia, as questões que mencionou: o destino dos nossos compatriotas, devem ser resolvidas numa base de reciprocidade.

Dois aspetos a destacar. Um diz respeito à necessidade de discutirmos mais ativa e abertamente as questões dos direitos humanos na CEI, incluindo os direitos dos russos no Cazaquistão, dos cazaques na Rússia, dos azeris na Arménia e vice-versa (apesar de estes são agora poucos ali). Conseguimos fazer com que os nossos parceiros do CEI aceitassem o seguinte. Quando a Comunidade de Estados Independentes estava a ser criada, incluímos na sua Carta uma disposição a dizer que, entre os órgãos da CEI, haveria uma Comissão de Direitos Humanos. Por algumas razões, essa disposição não chegou a ser concretizada. Nos primeiros tempos, pensávamos que era simples: para que o Ocidente pudesse ver que também lidávamos com os direitos humanos. Nos últimos anos, temos levantado a questão de levar à prática esta disposição. Os países membros consentem em dar início aos trabalhos desta Comissão, entendendo que tratará sobretudo das questões dos direitos humanos na CEI para que nós mesmos, todos os países da CEI, façamos conclusões sobre a situação dos direitos humanos nos países da CEI, e não estruturas ocidentais ou estruturas como o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, que há muito se desviou dos princípios da justiça e politiza cada vez mais as suas decisões.

Outro aspeto que mencionou são os nossos compatriotas que querem regressar à sua Pátria. Alguns têm de regressar por causa dos seus pais, amigos, família, negócios, trabalho. Todavia, é do nosso interesse, do interesse de todos os países da CEI, fazer com que todos os cidadãos dos novos Estados independentes permaneçam onde nasceram e onde se estabeleceram. Claro que isto exige a eliminação de todas e quaisquer formas de discriminação. Seria ideal que os russos vivessem tranquilamente e prosperassem no Cazaquistão e em todas as outras repúblicas da antiga União Soviética e que, àqueles que desejassem mudar-se para a Rússia, fossem proporcionadas condições o mais favoráveis possível para o fazer. Agora muitos vêm aqui em busca de melhores condições de vida. Aqui, os interesses e posições de muitos departamentos sobrepõem-se em termos de preparação das respetivas decisões na Rússia.

O Ministério dos Negócios Estrangeiros da Rússia é a favor de uma liberalização máxima. Nos últimos anos, foi aprovada, com a nossa participação e a do Ministério do Interior e outros ministérios, uma série de alterações à Lei Federal “Da Cidadania” adotada em 2002. Estas alterações visavam eliminar uma série de barreiras burocráticas para os requerentes de passaportes russos, incluindo a exigência de o requerente abdicar da nacionalidade que detinha no momento da apresentação do pedido e provar uma fonte de subsistência. Foi revogada a exigência de as pessoas originárias da República Socialista Federativa Soviética Russa (RSFSR), crianças e pais dos cidadãos da Rússia obterem um certificado de residência temporária. Agora podem requerer de imediato um certificado de residência permanente. Logo que o obtenham (por um procedimento simplificado), podem apresentar imediatamente o pedido de nacionalidade.

Há um mês, a 29 de dezembro de 2021, o Presidente da Rússia apresentou para a apreciação da Assembleia Federal uma nova versão da Lei “Da Cidadania”. Trabalhámos neste documento em conjunto com outras autoridades competentes. O projeto alarga consideravelmente a lista de motivos para a concessão da cidadania para os candidatos que nasceram ou residiram no território da RSFSR ou têm parentes diretos que nasceram ou viveram na RSFSR e simplifica ainda mais o procedimento de concessão da cidadania a estrangeiros e apátridas que são de fala e cultura russa e que são capazes de se integrar na sociedade russa. Este é um critério subjetivo. No entanto, acredito que ele é muito importante. Entre eles estão, por exemplo, familiares de cidadãos russos, estrangeiros e apátridas graduados com distinção pelas nossas universidades e beneficiários do “Programa Nacional de Assistência à Mudança Voluntária para a Federação da Rússia de Compatriotas Residentes no Estrangeiro”. Os que aderiram a este Programa no ano passado somaram mais de 60.000, apesar da pandemia.

No ano passado, o número de programas regionais ultrapassou os 80 (contando com o programa federal), abrangendo também as regiões do Extremo Oriente e do Transbaikal, que encaramos como prioritárias para o estabelecimento daqueles que desejam mudar-se para a Federação da Rússia. Listei os principais benefícios que foram aprovados. Deixem-me dizer desde já que queríamos benefícios maiores. Creio que não só os candidatos com as raízes da família, dos pais, dos familiares na RSFSR, mas também originários de outras repúblicas da antiga União Soviética devem ter privilégios na obtenção da cidadania russa.

Há uma série de questões que gostaríamos de abordar o mais rapidamente possível. O trabalho ainda não está terminado. Por enquanto, “capitalizámos” o que acordámos nesta fase. O Presidente da Rússia aprovou o consenso alcançado. Continuaremos a trabalhar para melhorar ainda mais e facilitar o procedimento de aquisição da cidadania. Tanto mais que, por iniciativa do Presidente Vladimir Putin, a nossa principal força política, o partido “Rússia Unida”, criou uma comissão para a cooperação internacional e assistência aos compatriotas no estrangeiro. Isto implica não só ajudar os nossos compatriotas a virem à Rússia, mas também nos aspetos que discutimos consigo abordando a sua primeira pergunta e que dizem respeito ao seu bem-estar naqueles países.

Há alguns dias, o jornal “Komsomolskaya Pravda” publicou um artigo sobre os livros de história atualmente publicados nas antigas repúblicas soviéticas. Não comentarei o que os estónios, ucranianos, lituanos e letões escrevem nos seus livros escolares. Quanto aos países da CEI, temos salientado repetidamente nos últimos anos que não é necessário explorar os momentos difíceis da nossa história comum para não dar motivos aos nacionalistas. A nossa história comum acabou por ajudar todos os povos que viviam e vivem neste enorme espaço geopolítico a criar o seu Estado, a criar os seus alicerces. Com toda a compreensão das aspirações à autoafirmação dos novos Estados independentes que mencionei, devemos evitar avaliações excessivas que favorecem os nacionalistas e ultrarradicais.

Por nossa iniciativa, no âmbito da Comunidade de Estados Independentes, aprovámos, no ano passado, a criação da Associação Internacional (Comissão) de Historiadores e Arquivistas dos Estados Membros da CEI, cuja uma das principais funções será discutir questões da nossa história comum com vista a uma consideração construtiva de todas as questões. Penso que não haverá manuais de história unificados, mas haverá manuais metodológicos que refletirão um ponto de vista consolidado, a diversidade de pontos de vista. Temos uma comissão de historiadores com a Alemanha, Polónia, Lituânia que produzem documentos conjuntos. Estou convencido de que um mecanismo semelhante funcionará muito mais construtivamente no seio da Comunidade de Estados Independentes, dada a nossa proximidade em muitas organizações: a OTSC, a UEE, a CEI e a OCX.

Pergunta: Quero voltar à nossa relação com os norte-americanos. O senhor acaba de dizer que vamos continuar a trabalhar com eles. Teremos uma reunião com Antony Blinken num futuro próximo. Todavia, já hoje, após recebermos a sua resposta, muitos peritos, na verdade quase todos, dizem que é pouco provável que os norte-americanos e a NATO mudem a sua posição sobre as questões fulcrais. Eles dizem que “a bola está agora do lado da Rússia, estamos prontos para qualquer opção”. O senhor diz que o nosso Presidente disse que tomaremos medidas de retaliação, e que estas medidas de retaliação estão em elaboração. O Ministério dos Negócios Estrangeiros também estará envolvido neste processo. Gostaria de termos uma pequena orientação para entendermos em que direção o nosso Ministério dos Negócios Estrangeiros irá trabalhar para que a bola fique do lado deles. É a América Latina: Cuba, Venezuela, Nicarágua? Talvez seja uma vertente europeia, a Sérvia, por exemplo? Poderá ser a vertente iraniana? O senhor poderia dar-nos a entender como poderemos responder para que estes rapazes ponham os seus cérebros a funcionar e nos deem outras respostas às nossas perguntas principais e não secundárias?

Serguei Lavrov: Se eles insistem em não mudar a sua posição, nós também não mudaremos a nossa. A sua posição baseia-se em argumentos falsos, em deturpações dos factos. A nossa posição tem por base os compromissos assinados por todos. Não vejo aqui qualquer margem para concessões. Caso contrário, o que há para negociar se eles sabotarem descaradamente e falsificarem as decisões anteriores. Este será um teste fundamental para nós.

Quanto à “bola”, jogamos jogos diferentes. No seu caso, pode ser uma bola do basebol enquanto no nosso, uma bilharda. Importa não tentar exonerar-se da responsabilidade, é o que os nossos parceiros norte-americanos e os seus parceiros da NATO estão a fazer agora. Não conseguirão esquivar-se a responder à questão do porque não estão a cumprir aquilo que os seus Presidentes assinaram, ou seja, o compromisso sobre a inadmissibilidade de reforçar a sua segurança em detrimento da segurança dos outros.

Quanto às nossas relações com os países da América Latina, com a Sérvia, com o Irão, com a China e com muitos outros países que se comportam bem no cenário internacional que não tentam impor nada a ninguém e que estão sempre dispostos a procurar acordos mutuamente aceitáveis sobre quaisquer questões. Estas relações não estão sujeitas a nenhuma conjuntura. São intensas e abrangem contatos económicos, humanitários, educacionais e desportivos. Incluem também a cooperação militar e técnico-militar, em plena conformidade com as normas do direito internacional. Garanto que continuaremos a estreitar gradativamente estas relações independentemente da evolução da situação da segurança europeia.

Gostaria de salientar que estamos a estudar a resposta que recebemos. Já demos a nossa primeira avaliação. A resposta recebida não nos pode satisfazer de forma alguma no que se refere à questão principal: o Ocidente não honra os seus compromissos sobre a indivisibilidade da segurança e ignora os nossos interesses, embora estes sejam anunciados de forma muito aberta e clara.

Quanto às questões secundárias, ficaram chocados ao ver que lhes apresentámos publicamente tais documentos. Isto ajudou-os a mudar a sua atitude negativa para com as nossas propostas anteriores, incluindo as relativas aos mísseis de médio e curto alcance, sobre as medidas de desescalada durante os exercícios. Isto significa que o Ocidente só compreende este tipo de conversa e que a conversa com ele deve ser estruturada da forma como nós fizemos, apresentando as nossas iniciativas. Agora vamos concentrar-nos em obter uma explicação. Não poderemos aceitar desculpas sobre a indivisibilidade da segurança. O Ocidente tem vindo a fugir aos seus compromissos, tal como não honrou, em tempos, o seu compromisso de não alargar a NATO. Naquela altura, porém, se tratava (como agora nos explica) de compromissos verbais. Agora, há um documento por escrito. Respondam-nos por escrito às nossas exigências por escrito. Expliquem-nos como estão a cumprir os compromissos por escrito assumidos pelos vossos Presidentes.

Pergunta: Quando é necessário defender os jornalistas russos que sofrem restrições nos EUA ou na Alemanha – já sabemos a história do RT – o MNE passa a envolver-se com muita energia e de maneira não pública, ou seja, não somente a nível de Maria Zakharova, mas a nível do Embaixador, ao nível do Vice-Ministro, a nível do senhor, defendo os jornalistas. Já no caso de países com que temos relações mais estreitas, a sua entidade fica bastante modesta. Basta lembrar a história dos jornalistas do Komsomolskaya Pravda, com o fim do escritório do Komsomolskaya Pravda, que se encontra praticamente fechado. O chefe do escritório está preso.

Vou lembrar das mortes de jornalistas. Se no caso da morte trágica dos nossos jornalistas na Ucrânia o MNE ocupava uma posição ofensiva patente e dura, esteve calado quando os nossos jornalistas foram mortos na República Centro-Africana.

Pergunta do nosso ouvinte Dmitry Muratov, de Moscou, laureado do prémio Nobel, editor-chefe do Novaya Gazeta: o novo Embaixador da Rússia na República Centro-Africana indicou, sem a investigação, os culpados da morte dos jornalistas russos, o grupo 3R. O MNE sabe, as famílias das vítimas não sabem. A roupa foi queimada, como as provas materiais, a investigação inexiste. O MNE não se manifesta a respeito das autoridades da República Centro-Africana. O MNE deveria ficar mais ativo nesta questão inclusive e no que respeita às autoridades bielorrussas e às da República Centro-Africana?

Serguei Lavrov: Diz com toda a razão: sempre devemos defender os direitos dos nossos cidadãos, não somente os jornalistas – de cada cidadão, dos quais muitas dezenas são sequestrados, no caso dos norte-americanos. Também devemos defender os jornalistas, sempre que tenhamos justificações diretas.

Já manifestávamos a preocupação pelos acontecimentos no escritório do Komsomolskaya Pravda. Falámos disso com Viktor Sungorkin. Lá, se compreendo bem, trata-se de cidadãos da Bielorrússia e de um cidadão concreto da Bielorrússia. É uma história um pouco diferente. Qualquer país que admite cidadania dupla aplica as suas leis se algo acontece no seu território. Não quero entrar em pormenores: há assuntos que exigem o silêncio. Fizemos muita coisa para que as autoridades bielorrussas manifestassem a compreensão da situação atual. Agora, essa é a sua postura e eu não posso discutir com ela. Estão prontos para abrir qualquer escritório, desde que os empregados sejam cidadãos da Federação da Rússia.

Vale também a pena ver como os jornalistas russos são tratados no Ocidente, como são-lhes ditadas as condições de trabalho. Não acho o pedido de empregar cidadãos da Rússia para média russos, e não empregar cidadãos da Bielorrússia, algo extremo. Manifestamo-nos pela observância dos direitos dos jornalistas em todas as partes, inclusive na Bielorrússia ou em qualquer outro país da CEI, sem exceção. Vamos sempre levantar estas questões quando estes direitos forem violados descaradamente.

Quanto à República Centro-Africana. Estaremos prontos para transmitir as informações que temos aos familiares dos jornalistas mortos. Quanto a quem fez isso: sabe que as autoridades da República Centro-Africana conduzem esta investigação. Eu não tenciono justificar estes jornalistas. Só posso dizer que não se deve esquecer que os jornalistas hão de observar as medidas de precaução. Se, ao partirem a um país que sofria um conflito interno armado, onde havia a ameaça terrorista, eles tivessem informado o Ministério dos Negócios Estrangeiros e a nossa Embaixada, então, pelo menos, a iminência da tragédia teria sido diminuta. Mais do que isso, viajaram lá como turistas, sem anunciar o objetivo da visita. Reitero: não é uma justificativa, mas isso cria riscos adicionais de segurança em tais casos.

Por isso apelo a todos: estamos a favor de os nossos jornalistas trabalharem no mundo inteiro e nos pontos quentes. Tiro o chapéu a inclino-me perante todos quem faz tais reportagens, em coletes à prova de bala, capacetes, e acrescento entre parênteses: os seus colegas no Leste da Ucrânia. Volto a dirigir-me, através do senhor, a todos os quem podem influenciar, de alguma maneira, o jornalismo e os média ocidentais. Por que os jornalistas apenas visitam esporadicamente, uma vez ao meio-ano, o lado da linha de contacto em Donbass controlado por Kiev, para fazer essas reportagens fragmentadas? Seria muito interessante ver. Do lado direito da linha do contacto, os nossos jornalistas mostram os resultados das atrocidades perpetradas pelas Forças Armadas da Ucrânia, que bombardeiam as creches, os hospitais, as moradas, matando pessoas civis. Seria bom mostrar como estão as moradias daquele lado. De acordo com os dados da OSCE, os habitantes e os civis sofrem 5 vezes mais do lado controlado pelas milícias. Isso deixa claro alguma coisa.

Voltando ao assunto da República Centro-Africana. Enviámos mais uma solicitação às autoridades do país quando surgiram as informações sobre o grupo 3R. Vamos levar esta investigação a cabo, dentro das nossas possibilidades, já que a investigação está a cargo do governo deles. Sublinho mais uma vez: queremos a verdade. Peço aos meus colegas e amigos, aos jornalistas: quando forem para algum ponto quente – não posso força-los a fazer isso, se não confiam no nosso Ministério, mas peço: informem-nos. Vai ajudar.

Pergunta: Agradeço muito o apoio que o senhor deu à nossa equipa na história com Guennady Mozheiko. Agradeço a Aleksei Venediktov por ter falado sobre isso. Guennady Mozheiko está preso por quatro meses, sem nenhuma interrogação ainda. Fica preso. Preso. Eu perguntei ao Presidente da Bielorrússia, Aleksandr Lukashenko, mas não há nenhuma reação.

Como o senhor disse com toda a razão, não se trata apenas de jornalistas. Hoje em dia, de acordo com os dados da Embaixada russa na Bielorrússia, 457 cidadãos da Rússia estão presos na Bielorrússia. São apenas dados da Embaixada. Suponho que o número não seja completo. Ontem, esta lista ficou acrescida de mais uma pessoa, a cidadã da Rússia, Viktoria Tsvikevich. Foi presa por uma coisa concreta: quando havia manifestações, ela tirou uma foto, um selfie de vestido vermelho, bonito, com uma patrulha no fundo. Foi por causa disso que a prenderam. A previsão baseada na experiência é que fique dois anos no cárcere. Algo devemos fazer com isso.

Tratando-se da Bielorrússia, devemos “relacionar-se” com eles de um outro jeito. Pois formamos o Estado-União. Hoje, é na Bielorrússia onde os nossos jornalistas têm as condições de trabalho piores e mais difíceis e não na Geórgia, não nos Estados Unidos, etc. Ficamos sempre a falar do Estado-União, da necessidade de sincronizar a legislação. O que temos pela frente? Há uma chance de nos tornarmos um Estado-União de verdade?

Serguei Lavrov: Quanto ao Estado-União. O senhor sabe que existem 28 programas ao seu abrigo, aprovados no outono do ano passado…

Pergunta: É interessante que não foram publicados.

Serguei Lavrov: São instrumentos-quadro. Não contêm segredos. Implicam um trabalho, que já começou, de preencher cada uma destas 28 áreas por soluções jurídicas concretas de ação direta, na economia, nas finanças, nos transportes, nas comunicações, etc. É um passo significativo rumo à consolidação da dita base económica, material. Os Presidentes decidiram que este trabalho deve ser terminado nos próximos dois ou três anos. É um movimento rumo ao Estado-União que terá poderes muito mais significativos.

Ontem, enviámos para a Bielorrússia o novo Embaixador russo, Boris Gryzlov. Entreguei-lhe as credenciais assinadas pelo Presidente da Rússia. O Embaixador da Bielorrússia na Federação da Rússia, Vladimir Semashko, também esteve presente na cerimónia. Muita coisa já foi feita. Acredito que 95% dos direitos estão alinhados, mas ainda restam questões pendentes em várias áreas que devemos resolver depressa. Em particular, têm-se em vista as condições da prestação de serviços médicos, condições de concessão de espaços em hotéis aos cidadãos que viajam por razões pessoais. É muito importante para o dia-a-dia.

Mas a pergunta que o senhor fez não está relacionada com o futuro do Estado-União. Mesmo se a legislação criminal for completamente unificada, haverá sempre russos detidos na Bielorrússia e bielorrussos detidos na Rússia. A nossa Embaixada acompanha regularmente os processos dos cidadãos russos detidos. Há um diálogo entre os órgãos de proteção da ordem pública, entre as promotorias gerais. Não ouvi da Viktoria Tsvikevich. Está na última edição do jornal?

Pergunta: Não, é o jornal do ano passado, de 2020.

Serguei Lavrov: Por que o senhor diz que ela passou a fazer parte da lista ontem?

Pergunta: Foi detida ontem. O jornal é antigo, ontem é que foi detida.

Serguei Lavrov: Trabalha no Komsomolskaya Pravda?

Pergunta: Não é somente uma cidadã da Rússia. Eu disse que havia quase 500 cidadãos da Rússia presos na Bielorrússia.

Serguei Lavrov: 457. De modo que ela vai ser a 458a. Vamos acompanhar o seu destino, como o fazemos em qualquer outro país. Aqui há questões que exigem uma cooperação estreita dos órgãos da ordem pública. Não quero comentar isso agora em público, mas essas questões existem. É importante que sejam resolvidas entre integrantes da união, entre irmãos. Vamos insistir nisso consequentemente.

Pergunta: Eu não tenho uma pergunta, mas um pedido urgente, relacionado com o trabalho do canal alemão do RT. Em nenhum país do mundo (nem nos EUA, nem no Reino Unido) deparámo-nos com tal proibição sem precedentes – que ultrapassa em pleno a pressão, de facto, como acontece na Alemanha. Vem a ser justificada por declarações hipócritas, feitas pelas autoridades da Alemanha a diversos níveis. Alegam que não tenha nada a ver com o encerramento do canal em alemão no YouTube. Não nos encerraram mesmo quando passámos a ser o maior canal de toda a história do YouTube em língua inglesa entre todos os canais de TV mundiais. Não ousaram. Os alemães ousaram. Pressionaram o Luxemburgo para não nos conceder a autorização, apesar de já o termo praticamente combinado, tudo já estava pronto. Afinal, concederam-nos a autorização na Sérvia. Pressionaram os reguladores europeus, então não podemos usar esta autorização para transmitir. O labor titânico de centenas de pessoas que “construíam” o canal na época da pandemia, faziam transmissões, ganhavam o público, tudo em vão. Os espetadores ficaram à margem dos seus interesses. Ninguém mostra aos alemães o que nós mostramos.

A única coisa que os pode influenciar (como aconteceu com o Reino Unido) são medidas recíprocas, que o senhor conhece melhor do que nós. A Deutsche Welle nem tem o título de agente estrangeiro. Mesmo se este estatuto na Rússia não implica consequências que a designação análoga implica nos EUA (ação penal). Cá, é apenas um “papelzinho” e um pretexto para reclamar. Não significa nada. Os agentes estrangeiros podem fazer entrevistas, são convidados para a conferência de imprensa do Presidente da Rússia, Vladimir Putin. Sem falar que ninguém tenta fechar a Deutsche Welle, como fecharam-nos lá. É válido também para outros média alemães. Ajude-nos por favor.

Serguei Lavrov: Não precisa convencer-me. Ontem, a Embaixada da Rússia em Berlim voltou a exigir esclarecimentos. Os procedimentos estão em andamento. Não é a agência federal quem trata disso, mas a reguladora da região metropolitana de Berlim-Brandemburgo. Os advogados da Embaixada estudaram os casos semelhantes. O consórcio Axel Springer já deparou com uma situação parecida, mas no seu caso, a autorização foi emitida rapidamente.

O essencial aqui é que os alemães tentam colocar as suas regras internas que, alegadamente, impedem o registo de canais estatais, acima das suas obrigações internacionais, assumidas no âmbito da Convenção Europeia sobre a televisão internacional. De acordo com os dados que temos, as suas reguladoras tentam fazer tudo para justificar a prioridade do seu direito nacional. Isso não adianta. Vai ser como acontece com a expansão da NATO: disso eles gostam, portanto, não vão fazer aquilo que prometeram em outro lugar. Os alemães sabem que as medidas recíprocas (medidas de resposta, para falarmos russo) não tardarão. Mencionei o assunto no decurso da visita da Ministra dos Negócios Estrangeiros da Alemanha, Annalena Baerbock. Acho que ela e a sua delegação ouviram-me. Hoje, vai haver uma conversa telefónica com ela. Não hesitarei em lembrar disso.

Pergunta: Um escândalo está a eclodir nos EUA. O CNN divulgou uma reportagem em que os jornalistas contavam, referindo-se às suas fontes de informação, da conversa telefónica dos Presidentes dos EUA e da Ucrânia, na qual Joe Biden teria gritado para Vladimir Zelensky, tentando explicar-lhe, a gritos, que caso ele não mudasse a sua postura relativa a Donbass, Kiev ficaria invadido, roubado etc. O CNN publicou a reportagem no seu site, mas depois apagou-a. Não obstante, o escândalo deflagrou. Fazem-se perguntas a Joe Biden e a Vladimir Zelensky. Nesta conversa, o Presidente dos EUA exige, alegadamente, ao Presidente da Ucrânia, resolver o assunto do estatuto especial de Donbass com urgência.

Se Kiev realmente optar por emendar a Constituição e conceder o estatuto especial a Donbass, como isso pode afetar a vertente ucraniana da nossa política? Os camaradas não têm muita confiança. Hoje em dia, estão lá 720 cidadãos nossos. O número pode vir a aumentar. Percebemos o que acarreta para eles a obtenção do passaporte russo. Estamos prontos para tais cenários? Como planeamos estruturar a nossa política para com as Repúblicas Populares?

Serguei Lavrov: Nós nunca tivemos uma postura diferente da que implica a necessidade de cumprir os Acordos de Minsk minuciosamente, integralmente, conforme a sequência prevista por eles. Eu e os meus colegas mencionávamos publicamente que no decurso da reunião dos Presidentes da Rússia e dos EUA em Genebra, em junho de 2021, Joe Biden disse, por iniciativa própria, que queria ajudar que os Acordos de Minsk fossem cumpridos, destacando inclusive a necessidade de conceder a Donbass o estatuto autónomo (esta palavra foi pronunciada). Ele compreende tudo. Isso reflete o teor dos Acordos de Minsk, onde o estatuto especial fica inscrito sem ambiguidade. Fica claro o que deve ser feito. O Secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, confirmou-me que eles querem ajudar a cumprir os Acordos de Minsk. Os seus assistentes diziam que não iam fazer parte do formato de Normandia, mas que queriam ajudar. Se eles obrigarem Kiev a fazer isso (além deles, ninguém é capaz de o fazer), vamos ficar satisfeitos com este resultado. Ainda não acreditamos muito nisso. Um jogo está em curso: há fornecimentos de armamentos. Há quem goste de ver nestes fornecimentos uma “armadilha” para quem poderá perder a paciência e iniciar um conflito armado irresponsável. Muitos devem ter isso em conta. Parece que ninguém quer, mas existe um pequeno grupo de pessoas que poderia tirar certa vantagem disso.

Por que somente os norte-americanos podem fazer isso? Paris acolheu a reunião dos quatro conselheiros dos líderes do formato de Normandia, onde o Vice-Diretor da Administração do Presidente da Rússia, Dmitry Kozak, participou. Combinaram em aproveitar mais duas semanas para ver como prosseguir com o cumprimento dos Acordos de Minsk.

A França, a Alemanha e a União Europeia chamam a Rússia de uma parte do conflito. Como negociar? Declaram que nós devemos cumprir os Acordos de Minsk. O Presidente da Rússia, Vladimir Putin, e Dmitry Kozak ressaltavam muitas vezes que ninguém responde à pergunta sobre que alínea concreta devemos cumprir. Implica-se que tudo dependa da Rússia. Como se bastasse que façamos um gesto e tudo se resolve.

Kiev percebeu que Berlim e Paris não vão fazê-la cumprir os Acordos de Minsk. Vladimir Zelensky disse que não gosta do Pacote de Medidas, porém é importante porque permite manter as sanções ocidentais contra a Rússia. Ponto. Cinismo puro. E nada mais. A Ucrânia percebe que agora tudo é permitido. Vladimir Zelensky e o seu regime são usados (pelos norte-americanos antes de tudo) para escalar a tensão, usando as suas “testas de ferro” na Europa, que apoiam as suas tentativas russófobas. O objetivo principal de Washington neste caso não é o destino da Ucrânia. É importante para os EUA agravar a tensão em torno da Federação da Rússia para “fechar” o assunto para “tratar” depois da China, como os politólogos norte-americanos escrevem. Como pretendem “fechar”? Não tenho nenhuma ideia. Se restam politólogos razoáveis lá, devem perceber que este caminho não leva a parte nenhuma.

Agora, os norte-americanos passaram a usar a Ucrânia contra a Rússia de uma maneira tão descarada e cínica que o próprio regime de Kiev ficou com medo. Dizem que não é preciso aquecer tanto a discussão, sugerem moderar a retórica, perguntam a razão da evacuação dos diplomatas. Quem evacua? Os norte-americanos e os restantes anglo-saxônicos (os canadianos, os britânicos). Então devem saber algo que os outros não sabem. Vamos pensar, talvez devamos tomar medidas de precaução com os nossos diplomatas também, no aguarde de uma provocação pela sua parte. Vamos ver.

Já respondi à pergunta da nossa atitude para com as ideias pronunciadas sobre o reconhecimento das Repúblicas Populares de Lugansk e de Donetsk. A minha resposta é simples: devemos insistir no cumprimento dos Acordos de Minsk. Há muitos “desejosos” que vão gostar de qualquer pretexto para redimir Kiev da culpa pela sabotagem do documento aprovado pelo Conselho de Segurança da ONU, que continua já por oito anos.

Pergunta: O senhor disse que o Secretário-geral da NATO, Jens Stoltenberg, “perdeu” o sentido da realidade. Será que os senhores vivem em realidades diferentes? Ele concede entrevista hoje à emissora “Eco de Moscovo”, quer dizer algo a ele?

Serguei Lavrov: Recebe o que merece.

Pergunta: Eu conferi a lista de sanções do ano passado, adotadas pelo Congresso e pelo Departamento de Finanças dos EUA. A maioria esmagadora delas tem a ver com o nome de Alexei Navalny, e não com a Ucrânia. A OPAQ (laboratórios independentes alemão, francês e sueco) fizeram testes e detectaram vestígios de substância tóxica no seu sangue. Parece evidente que foi envenenado. O MNE solicitou ajuda. Mas a Rússia não iniciou a investigação penal. Então, não vai ter ajuda, disse a Alemanha. Nós somos membros da OPAQ. O senhor viu o relatório sobre Navalny. Continua a cooperar neste âmbito? Passamos a fazer parte da minoria em qualquer organização europeia. Dizemos que o TEDH, a APCE, a OSCE, a OPAQ são entidades russófobas. Será que não percebemos algo?

Serguei Lavrov: Vou começar de longe. Assisti ontem à Euronews. Era uma reportagem sobre o povoado de Dvani, na Geórgia, perto da fronteira com a Ossétia do Sul. Fica num território que a Geórgia considera seu. O repórter disse que “estava no povoado de Dvani na linha divisória, atrás dele estava a fronteira administrativa constantemente reforçada pela Rússia”. Uma casa pertencente a um georgiano “foi queimada durante a guerra”. Uma casa nova “ficou na zona de observação dos militares russos”. Um morador local conta que nós “furtamos pessoas com métodos incompreensíveis”. Um jornalista georgiano mostra como “tem trabalhado vários anos em povoados perto da zona do conflito” e disse: “14 anos passaram depois da guerra, que forçou as pessoas a morarem em condições difíceis. Perdem as suas terras, os seus terrenos florestais quase a cada dia. Pessoas são sequestradas. São detidas por soldados russos”, etc. Depois, o repórter conta que “depois da queda da URSS, a Geórgia foi a primeira das ex-repúblicas a sofrer a escalada do separatismo e do confronto armado, e milhares de refugiados seguem sem poder voltar às suas casas”.

Mas aqui ficou omitido que “tipo” de separatismo surgiu na Geórgia antes ainda da queda da URSS. Zviad Gamsakhurdia exigia, de maneira chauvinista, que os abkhazes vazassem ou “se ageorgianizassem”. Já os ossétios do Sul, nem os considerava pessoas. Ninguém diz nada sobre isso. O que segue é genial: “Em 2008, quando o conflito passou para uma fase quente, a Rússia participou do lado da Ossétia do Sul”. É a Euronews, que se posiciona como o canal mais justo, exemplar do ponto de vista da diversidade de pontos de vista. Ao falar de um conflito fratricida, nem mencionaram como tinha começado.

Para que falei disso. O senhor perguntou sobre a OPAQ sem mencionar os pontos de referência que exigem esclarecimento. Se continuarmos à maneira da sua pergunta, Michael McFaul e outros ouvintes pouco sabedores podem pensar que tudo isso é verdade. O senhor diz que nós solicitámos esclarecimentos dos alemães e eles exigiram que lançássemos uma ação penal, então iam conceder algo. Isso é o quê? As obrigações da Alemanha assumidas no âmbito da Convenção Europeia para o Auxílio Judiciário Mútuo em Matéria Penal nada têm a ver com o facto de existir ou inexistir uma investigação penal. A nossa legislação prevê o lançamento desse processo se houver factos. Isso não contradiz aos numerosos casos em que este procedimento foi usado nas relações com outros países. Temos muitos materiais. Ficamos a enviá-los pelo mundo inteiro. Estou seguro de que os jornalistas da emissora “Eco de Moscovo” e outros média têm acesso a eles.

Ainda não recebemos a resposta sobre quem chegou para levar Alexei Navalny. Por que o avião que foi levá-lo de Omsk tinha sido solicitado um dia antes de ele se sentir mal. Por que não há a resposta a perguntas estritamente concretas, factológicas, feitas no Parlamento alemão: por que o piloto, que não queria que Maria Pevchikh levasse a garrafa, terminou por consentir? Houve mais um passageiro, o sexto. Todas as perguntas foram feitas no Bundestag. Por que não é possível interrogar Maria Pevchikh? Os alemães dizem que ela não falava com o blogueiro e não o visitava na clínica. Mas ela diz que visitava. Não mostram a ninguém a garrafa que ela levou. Os nossos pedidos de investigarmos em conjunto são rejeitados. As alegações sobre as substâncias tóxicas proibidas no organismo de Alexei Navalny começaram a ser feitas depois de nada ter sido achado na clínica Charité (que é uma clínica civil) que fosse proibido pela CPAQ. Tudo ficou “detectado” na clínica da Bundeswehr, no decurso de três dias apenas. Antes, já havia a história semelhante com os Skripal. Nós insistíamos que não se baseasse em uns “highly likely”, mas em factos concretos. Citámos os dados que confirmam que no Ocidente, nos EUA, há quase 150 patentes do mesmo Novichok. A Europa também o produzia. Então, a Alemanha, a França, a Suécia e muitos outros juravam não possuir essas tecnologias. Sem possuir tecnologias, é impossível detectar esta substância num organismo humano em três dias. Qualquer químico experiente o sabe.

Primeiro, os alemães disseram que não iam disponibilizar os materiais por se tratar de “informações militares secretas”. Ora essa. Acusam-nos de homicídio ou de tentativa de homicídio, mas as informações são secretas. Eles não devem possuir essa tecnologia, se forem bons membros da CPAQ. Depois, começaram a dizer que até podiam conceder, mas que Alexei Navalny proíbe. O que mais? Já o seu advogado critica Dmitry Peskov por ter acusado o blogueiro de colaboração com a CIA, exigindo prestar provas. Que provas? Ele foi visitado na clínica pela inteligência norte-americana, Dmitry Peskov disse apenas isso. Nós exigimos as provas em que se baseia a acusação de tentativa de homicídio, e dizem-nos que esta pessoa não quer. Solicitámos o resultado na OPAQ. Disseram-nos que só podem fazê-lo se os alemães o permitirem. O círculo fechou-se. Leiam atentamente o que a OPAQ acaba de emitir. Está escrito lá: detectadas substâncias de composição parecida a outras, constantes da lista de substâncias proibidas pela OPAQ. Nem uma palavra sobre o Novichok. Nem os alemães, nem os franceses, nem os suecos deram-nos a fórmula. “Um segredo”. É a fórmula que será a prova de se é verdade ou mero engano e mentira.

De momento, inclino-me a pensar que o Ocidente não tem nenhuma justificação para acusar-nos. O objetivo é uma provocação. Mencionei o dia em que o avião especial foi solicitado para levar Alexei Navalny de Omsk. Um dia antes do envenenamento, os alemães (de acordo com o relatório da OPAQ) dirigiram-se à Haia pedindo auxílio para investigar o caso. Depois, passaram a dizer que era um erro tipográfico e que tudo aconteceu depois. Há muita coisa interessante aqui. No início de setembro de 2020, os alemães dirigiram-se à OPAQ. Os funcionários do Secretariado da Organização tinham ocultado este facto de nós por alguns dias. Confessaram depois alegando que os alemães teriam pedido para não dizer a ninguém. Não é causa suspeitas toda essa história? Para mim, é suspeita, e bem profundamente. Convido a todos os ouvintes da “Eco de Moscovo” e de outras emissoras a ler sobre a matéria no site do MNE que contém um grande número de perguntas não respondidas pelo Ocidente, perguntas perfeitamente motivadas.

Pergunta: A pergunta mais popular: haverá guerra com a Ucrânia?

Serguei Lavrov: Disso começámos. Se depender da Federação da Rússia, não vai haver guerra. Não excluo que alguém deseje provocar as hostilidades.

Conforme os dados do Ocidente, há cerca de 100 mil militares na linha de contacto. O regime de Kiev não controla a maioria destes homens armados. A maior parte das unidades que estão lá são antigas divisões de voluntários, regimentos da resistência popular. Já começam a receber lançadores de mísseis. Estas informações estão a ser divulgadas pela mídia. Apelam-nos a levarem os seus fuzis de caça, pois “não vai bastar lançadores de mísseis para todos”. É uma psicose militarista. Não posso excluir que alguém possa ter um ataque de nervos, como aquele soldado que matou a tiro cinco companheiros.

Pergunta: Por que não nos comunicamos com Vladimir Zelensky? Pois é nosso ex-aluno, do Komsomol, graduado do Piervy Canal…

Serguei Lavrov: E “pianista” também. O Presidente da Rússia, Vladimir Putin, respondeu a esta pergunta. Se Vladimir Zelensky quer discutir a normalização das relações bilaterais, que estão deterioradas pelas ações unilaterais do seu regime (e nós respondíamos a estas ações), a Rússia está pronta. Pode viajar a Moscovo, a Sochi, a São Petersburgo, a qualquer lugar que combinem. Se quer discutir Donbass, vá ao Grupo de Contacto, por favor, que deve, conforme a decisão do formato de Normandia, estudar todas as questões de solução diretamente entre Kiev, Donetsk e Lugansk. Quando ele diz que não vai falar com eles, é ruim para a crise interna ucraniana. Se ele tem algo que sugerir no intuito de retificar os passos que levaram à deterioração das relações bilaterais, iniciados por Kiev, por Vladimir Zelensky e pelo seu antecessor, estamos prontos para estudar tal hipótese. O Presidente Vladimir Putin disse isso com clareza.

Pergunta: O novo meme de Serguei Lavrov para imprimir na camiseta: “Vá ao Grupo de Contacto, por favor”.

Pergunta: Nós também vamos evacuar os nossos empregados de Kiev?

Serguei Lavrov: Nós discutíamos aquela psicose que está a ser escalada na Ucrânia, principalmente à mão e por conta dos anglo-saxônicos e alguns europeus. Fazem parte desta psicose as declarações histéricas sobre a necessidade de sair de lá. Apelam aos cidadãos que estão lá por motivos pessoais convencendo-os a sair. Levam de volta os diplomatas com as suas famílias, demitem o pessoal “não imprescindível”.

Não temos o direito de deixar de ouvir isso e de fechar os olhos. Se eles fazem isso (especialmente se os ucranianos não pedem), os anglo-saxônicos estrão armando alguma coisa? Os ingleses são experientes nisso.

Pergunta: Isso aconteceu depois de o senhor dizer algo na reunião com o Secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken. O que o senhor disse ou mostrou? Logo depois de Genebra, ele começou a insistir que os diplomatas deviam ser evacuados. O senhor é que montou algo lá…

Serguei Lavrov: Não precisa pensar que eu perdi a capacidade de perceber a realidade. Não lhe disse nada. Estando a sós (espero que não o leve a ofensa), ele disse-me: “Qualquer coisa, os nossos estarão lá…”. Foi bastante estranho para mim. É o que eu respondi a ele.

Asseguro-lhe que apenas discutíamos as garantias de segurança. Depois, eu mencionei a situação inadmissível e inaceitável das nossas missões diplomáticas. Sugeri aquilo que afinal combinámos. Dentro de um par de semanas, deve acontecer mais um evento com especialistas. Asseguro-lhe: sem ameaças. Mas não podemos deixar tudo sem análise alguma. Analisamos o que está por trás das ações anglo-saxônicas.

[NR] Ex-embaixador dos EUA na Rússia (2012-2014).

[*] Ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia

A versão em português encontra-se em mid.ru/pt/foreign_policy/news/1796330/

Este artigo encontra-se em resistir.info

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