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quinta-feira, 18 abril, 2024

Privatização de ativos da Petrobrás: barrar o projeto nacional

Por Guilherme Estrella no Monitor Mercantil *
Mais do que a soberania, o protagonismo global de qualquer nação depende centralmente de seu próprio patrimônio estratégico natural e de desenvolvimento científico, tecnológico e das engenharias construído em bases autônomas.

Estas três condicionantes juntam-se para, orientados por um projeto de país devidamente e livremente discutido e aprovado pela sociedade nacional, promoverem o desenvolvimento industrial e, desta forma, criarem um processo contínuo, ininterrupto, virtuoso de causa e efeito.

É bom acentuar que, inquestionavelmente, é a dimensão industrial que – ao demandar mão de obra qualificada – promove treinamento e formação técnico-científica em padrão elevado e em permanente evolução. O resultado deste cenário é o desenvolvimento social geral (salário, renda, emprego…), que da mesma forma se reflete na dimensão das ciências sociais.

Associado a este cenário e para assegurar sustentabilidade permanente, a existência de um mercado interno forte e com potencial de crescimento permanente é ingrediente importante para dar-lhe sustentabilidade a longo prazo.

Mas há um pilar, um alicerce político imprescindível neste processo: que o país e seu povo detenham, efetiva e concretamente, a propriedade e, em consequência, a gestão direta e autônoma de seus recursos naturais.

Esta é condição excludente deste processo e deságua diretamente no conceito de soberania nacional. A razão disto é que as nações, hoje globalmente hegemônicas, já o são há muito tempo, construíram seu protagonismo ao longo do século XX, a partir das revoluções industriais e do grande conflito mundial – em duas etapas, 1914 e 1939.

E estes recursos naturais, em seus próprios territórios e fora deles, esgotaram-se ou esgotam-se rapidamente, e torna-se decisiva a apropriação destes recursos em territórios de outras nações, no exterior. Como é o caso da mais rica nação do planeta.

País e seu povo devem deter a gestão

direta e autônoma de seus recursos naturais

Do amplo conjunto destes recursos naturais, destaca-se a energia. É a oferta segura, permanente de energia – primeiro carvão e depois petróleo & gás natural – que permitiram aos hoje países desenvolvidos construírem seus projetos de nação, tendo a atividade industrial no centro de tudo.

Surgirão, certamente, críticas a este conjunto de argumentos centradas numa realidade fática que é a revolução industrial 4.0, já em curso, que modifica radicalmente todos os meios de produção – sem exceção. Assim como sua associação com a instalação da nova forma de capitalismo, o rentismo financeiro, desligado do processo industrial produtivo.

Esta abordagem desmantelaria a visão nacional-desenvolvimentista tradicional exposta acima, o que, na realidade dos países emergentes, não se sustenta na medida em que será impossível manter a profunda desigualdade social que marca a vida destas nações.

Aqui entram as considerações sobre o Brasil. O nosso país, o quinto mais extenso do planeta, possui abundantes recursos naturais – minérios, água, florestas, terras agricultáveis, clima, área desértica mínima, diversidade étnica unida por uma só língua, entre outras vantagens.

Mas nos faltava o componente básico para o nosso desenvolvimento industrial: a energia. Não temos carvão, chegamos ao final do século XIX como produtor de recursos primários – extrativista mineral e florestal – e agrícola.

Os insumos energéticos que sustentavam este quadro indigente eram a roda d’água, a lenha, a tração animal e, o principal, o braço escravo.

A geração elétrica (térmica e hidro) chegou ao Brasil no final do século XIX, a fornecer energia para as nossas primeiras “indústrias”, principalmente têxtil e correlatas. No campo social, nas cidades mais importantes, com a iluminação pública e doméstica e o transporte urbano.

A primeira escola de Engenharia – sensu stricto – brasileira foi, como não poderia deixar de ser, a Escola da Minas de Ouro Preto (MG), dedicada ao extrativismo mineral.

No final do século XIX desponta nos Estados Unidos da América (EUA) a mais importante forma de energia que supre toda a humanidade até hoje: o petróleo. Com base no petróleo, em seu território e depois no exterior, aquela nação construiu sua hegemonia geopolítica mundial, até hoje mantida por todos os meios, políticos, econômicos, militares e até jurídicos, como se constata atualmente.

E o Brasil, como passou o século XX? Praticamente na mesma situação; até 1930 o poder no Brasil era o chamado “café com leite”, quando os presidentes da República alternavam-se com paulista e mineiros, e a escravidão só tinha acabado no papel. Industrialização de porte, zero.

Vargas quebra este esquemão, assume o poder, o pessoal do café ensaia, sem êxito, uma “revolução” em 1932. Vem a guerra, Vargas negocia a adesão brasileira aos aliados, e é inaugurada, em 1946, a primeira usina siderúrgica brasileira de grande porte, a CSN.

Tem início a fase de industrialização brasileira, supertardia e com o conhecimento, tecnologia e engenharia, importado.

Mas o Brasil ainda não contava com suprimento energético suficiente para sustentar o crescimento industrial, pois a hidroeletricidade, mesmo muito importante, não abrangia o transporte, tampouco o gás natural e outros insumos industriais restritos ao petróleo & gás (p&g).

Além disso, a hidroeletricidade é sujeita a chuvas e trovoadas, literalmente. Dois anos de estiagem provocam os apagões, e não há investimentos industriais que resistam a períodos de interrupção de energia e a medidas emergenciais para apenas minorar este problema.

O Brasil não contava com petróleo e gás natural, nossas reservas e a produção decorrente eram modestas. O Brasil dependia de suprimento energético externo para seu desenvolvimento. Pior, não nos era possível construir um projeto de desenvolvimento minimamente autônomo a partir desta dependência.

 

Pré-sal propicia ao Brasil perspectivas

únicas para elaborar um projeto de nação

A Petrobrás foi criada para resolver esta parada, tão crítica e decisiva para a nossa verdadeira soberania como nação.

A onda neoliberal mundial alcança o Brasil, o Governo FHC extingue o monopólio estatal do petróleo, com a Petrobrás como executora, e abre o território brasileiro para as empresas estrangeiras, privadas e estatais.

É instalado o regime de concessões de blocos exploratórios, onde o petróleo/gás natural descoberto é de propriedade do concessionário, aspecto que lhe tornará atraente correr o elevado risco da atividade exploratória.

Mas as empresas estrangeiras não se entusiasmaram muito, não conheciam a geologia brasileira, os investimentos são capital-muito intensivo. Esperavam a Petrobrás correr o risco e, quando o p&g era encontrado pela nossa estatal, a área em que isto acontecia era valorizada e tornava-se atraente para elas.

O Governo FHC não consegue privatizar a Petrobrás, tampouco mudar-lhe o nome para o grotesco “Petrobrax”, que lhe suprimia o Brasil em sua marca. Apesar disto, transforma a Petrobrás numa empresa privada, aliás, numa instituição privada de investimentos no setor petrolífero, a visar o lucro máximo no mínimo prazo, a repelir o risco exploratório.

A Petrobrás passar a exibir o “Brasil” só no nome. No resto vira uma empresa privada com a mesma postura das estrangeiras em relação ao compromisso com o nosso país e os brasileiros.

O Governo FHC “orienta” a Petrobrás a concentrar-se na bacia mais produtiva – e lucrativa – do Brasil que, por isso, apresentava os menores riscos exploratórios, a Bacia de Campos. E tratava de desativar – ou diminuir drasticamente – as operações em outras áreas, terrestres e marítimas.

Outra consequência direta, muito negativa, desta decisão foi a de – com esta mesma visão financista – não investir mais em exploração em outras bacias, o que levou a Petrobás à situação de contarmos somente com a perspectiva de cinco anos (até 2008) para atividades exploratórias fora da Bacia de Campos, inclusive com a devolução à ANP dos blocos já adquiridos em outras bacias. Esta situação colocava em risco a própria preservação da Petrobrás, no médio&longo prazo, como empresa petrolífera.

Mas mostra total incoerência com esta postura ideológica e política – quando, ocorrido o apagão de 2001, obriga a estatal Petrobrás a assinar contratos de altíssimo risco financeiro para suprir de gás natural – que não produzia em quantidade suficiente para tal – várias usinas termoelétricas privadas. O prejuízo para a Petrobrás foi da ordem de R$ 1 bilhão.

Efetivamente, a Bacia de Campos nos leva à autossuficiência de petróleo – não de gás natural – com a entrada em produção de grandes campos, lá localizados, já no Governo Lula, em 2006.

Aqui entra um aspecto fundamental para se entender a diferença, para o Brasil, entre o petróleo da Bacia de Campos – até então produzido em reservatórios pós-salinos – e as descobertas do pré-sal, logo a seguir.

Os campos da Bacia de Campos produzem óleo pesado, com pouco gás natural. Por causa disto, a produção de cada poço – e também dos campos – pode ser até elevada, no início, mas entra rapidamente em queda, a exigir, em curto prazo, novos e pesados investimentos na atenuação deste quadro.

O resultado desta realidade – não levada em conta pela instituição financeira em que a Petrobrás foi transmudada pelo FHC – foi o Brasil perder rapidamente a autossuficiência, bastando para isso a retomada do crescimento da economia brasileira com o Governo Lula e a consequente tendência de elevação do consumo de combustíveis no país.

O novo governo – de Lula – toma posse em 2003 e reverte esta realidade. Concede a sua empresa estatal a liberdade de atuação para cumprir sua missão central com o Brasil: descobrir petróleo e gás natural em território nacional.

As descobertas não se fizeram esperar, com a retirada de sondas da Bacia de Campos para outras bacias: Golfinho, na Bacia do Espírito Santo, Uruguá-Tambaú e Mexilhão (o maior campo de gás natural do Brasil) na Bacia de Santos – sem atividade de perfuração exploratória há anos – foram descobertos ainda em 2003.

Com esta liberdade de iniciativa e – indispensável citar isto – com a competência de seu corpo técnico/científico, internacionalmente reconhecida há décadas, a Petrobrás partiu para enfrentar o risco da perfuração exploratória em todo o território nacional.

Ainda em 2006, em meio às comemorações da fugidia, efêmera autossuficiência, nossa broca adentrou na seção pré-salina da Bacia de Santos.

Os custos desta iniciativa – junto com os parceiros no consórcio detentor do bloco – muito arriscada, mas baseada no conhecimento geocientífico e na tecnologia/engenharia de projetos de construção de poços e de produção de petróleo e gás natural – construído em décadas de investimento em formação e treinamento de suas equipes, tanto da frente operacional com o Centro de Pesquisas (Cenpes) – levam a Petrobrás, como operadora do bloco, e o Brasil a identificarem a maior província petrolífera do planeta descoberta depois do Mar do Norte, hoje moribundo.

O óleo ali é leve, diferente do pesado do pós-sal da Bacia de Campos. É muito rico em gás natural, gás este também muito rico em matéria prima para fertilizantes nitrogenados e para a indústria petroquímica, duas áreas em que o Brasil é muito carente.

Ainda mais do que isto, as rochas pré-salinas que contêm p&g caracterizam-se por serem muito porosas e permeáveis, exibem altíssimos índices de produtividade por poço – alguns a produzir mais de 50.000 barris por dia com grande quantidade de gás.

A continuidade dos trabalhos das equipes da Petrobrás, diante desta extraordinária descoberta, com o mapeamento regional das rochas produtoras do pré-sal conduz à definição de uma extensa área marítima que vai de Vitória, no Espírito Santo, até o Estado de Santa Catarina.

A continuidade das perfurações efetuadas pela Petrobrás comprovaram que o risco exploratório havia zerado, e as avaliações dos volumes de p&g encontrados permitem que se estimem as reservas petrolíferas – e de gás natural – do pré-sal brasileiro na ordem dos 100 bilhões de barris de petróleo e gás equivalente.

São, portanto, imensos recursos energéticos descobertos pela empresa estatal brasileira, por profissionais brasileiros, em território nacional hoje submerso – a nossa Amazônia Azul – e em frente à região brasileira economicamente mais importante.

Estes recursos energéticos vêm propiciar ao Brasil a superação de sua mais decisiva e excludente limitação para elaborar um projeto de nação completo, a ter como objeto o desenvolvimento industrial autônomo e de sua imprescindível base científica, tecnológica e de engenharia, com todos os benefícios econômicos e sociais daí decorrente.

Segunda parte

Privatização de ativos da Petrobrás: interesses estrangeiros poderososPor Guilherme Estrella.

Monitor Mercantil – Opinião, pag. 2 – 04 de setembro de 2019

A oportunidade representada pelo pré-sal para o desenvolvimento industrial brasileiro ainda não foi adequadamente avaliada pelos setores decisórios nacionais.

Enquanto na Bacia de Campos o processo exploratório exibia riscos, ainda que baixos, as descobertas no pré-sal são previsíveis a longo prazo, e de grandes campos, muitos gigantes com reservas maiores que 500 milhões de barris e também supergigantes, como Lula, com mais de 5 bilhões de barris.

Este fato carrega duas oportunidades extraordinárias e imprescindíveis para se elaborar um projeto de desenvolvimento industrial para qualquer país:

(i) suprimento energético a longo prazo, no caso do pré-sal por décadas ao longo deste século XXI, e

(ii) o fator escala, a caracterizar a garantia firme de demanda por uma imensa gama de materiais, equipamentos, máquinas, produtos eletrônicos, sistemas computacionais de controle e qualidade de produção etc. Tudo a basear-se em conhecimento científico e capacitação tecnológica e de engenharia de projetos com elevada sofisticação e garantia de qualidade.

Atacar perspectivas únicas em toda a

nossa história como nação independente

Para assegurar formalmente a concretização destas perspectivas – talvez únicas em toda a nossa história como nação independente – o Congresso Nacional aprovou o novo marco regulatório do pré-sal brasileiro, transformando a União em proprietária do petróleo/gás produzido nos novos campos dentro da área mapeada e, centralmente decisivo, estabelecendo a Petrobrás como operadora única da produção destes estratégicos recursos naturais brasileiros.

É preciso esclarecer, para o público não especializado, o que significa atuar como operador num consórcio na produção de petróleo/gás natural.

O operador exerce um controle total não só sobre as atividades operacionais. Abrange igualmente a completa elaboração dos projetos de engenharia envolvidos e, em consequência, do conteúdo científico e tecnológico do projeto, da definição e escolha de todos os materiais, equipamentos e processos necessários à construção, montagem, operação, manutenção, reparo e de toda a sofisticada logística de transferência e transporte da produção do campo (marítimo, oleodutos e gasodutos).

Diante desta realidade, pode-se perceber o poder do operador do campo em contribuir para um projeto de industrialização do nosso país, principalmente, no caso do nosso pré-sal, quando se trabalha na fronteira do conhecimento científico/tecnológico.

Neste cenário, não se prescinde de uma total integração com a universidade e centros de pesquisa brasileiros, na formação e treinamento de pessoal especializado, de elevada qualificação, assim como com a empresa genuinamente brasileira, tanto na área de materiais e equipamentos especiais quanto na área do desenvolvimento de sistemas eletrônico-computacionais muito avançados, largamente exigidos pelo offshore ultraprofundo (megaprojetos de engenharia instalados em lâmina d’água maior que 2.000m, com poços produtores especiais de mais de 5.000 metros de extensão perfurada pela broca).

Importante também informar que este conjunto de conhecimentos de toda ordem engloba igualmente o campo das tecnologias de defesa, chamadas de “sensíveis” e absolutamente indispensáveis para um país com a importância geopolítica do Brasil.

Mas é exatamente toda esta imensa oportunidade que o pré-sal brasileiro traz ao desenvolvimento minimamente autônomo e soberano de nosso país que despertou a preocupação de interesses que se sentem ameaçados pelo surgimento de novo e importante membro protagonista no palco geopolítico mundial.

Estes interesses, extremamente poderosos, se mobilizaram e modificaram radicalmente a trajetória do Brasil como Nação Soberana.

Afastaram a presidenta da República e imediatamente investiram contra o ponto central do marco regulatório do pré-sal, extinguindo a obrigatoriedade de a Petrobrás ser a operadora única das atividades de exploração & produção. Aliás, cumprindo uma promessa do candidato neoliberal aos interesses não brasileiros que o apoiavam nas eleições presidenciais de que, no final, saiu derrotado em 2013.

Todo o poder de aplicação de uma política desenvolvimentista integral que o governo brasileiro exercia através de sua empresa estatal foi simplesmente extinto, com a falsa ressalva de que a Petrobrás poderia “escolher” se atuaria como operadora ou não, como se fosse aceitável que a empresa pudesse contrariar uma decisão de Estado decidida pelo seu controlador, o próprio governo que usurpou o governo em 2016.

Como consequência, todo benefício que o pré-sal pudesse gerar para a indústria brasileira foi repassado para as empresas estrangeiras e seus fornecedores de mesma origem ou pertencentes aos mesmos interesses financeiros.

Mas esta medida não era suficiente para sepultar definitivamente um projeto autônomo de desenvolvimento nacional. Era preciso minimizar ao máximo a obrigatoriedade do conteúdo nacional, o que foi feito.

Mas, novamente, para promover a compra e utilização de projetos de engenharia, materiais, máquinas e equipamentos realizados fora do Brasil, foi-lhes concedida uma imensa isenção tributária de importação para elevar ainda mais a atratividade das operações.

Entretanto, a Petrobrás permanecia como a operadora única das atividades de produção de cerca de 12 a 15 bilhões de barris nas áreas da chamada “cessão onerosa”, com volumes de reservas que excediam o volume original contratado. Produzir estas áreas é questão de sustentabilidade para a Petrobrás no médio e longo prazos, e a anulação dos contratos traz ameaças ao futuro da companhia.

Todas estas decisões inserem-se com perfeição na opção dos governos após 2016 pela redução da participação do governo, através de suas empresas estatais, na gestão do nosso país.

Com o atual governo, esta intenção tornou-se clara e defendida publicamente com a defesa de privatização/desnacionalização total da economia brasileira e a desconstrução do aparelho de Estado Nacional.

Mas, no caso da Petrobrás, em razão do simbolismo que a empresa ostenta em relação à própria nacionalidade brasileira, este governo apresenta argumentos falsos para conduzir o cidadão comum brasileiro a aceitar sua privatização.

Consumo de energia aumentará para atender

a mais de 1 bilhão de pessoas no mundo

Primeiro, afirma que a Petrobrás está quebrada, visão totalmente desmontada principalmente pelos dados apresentados pela Associação dos Engenheiros da Petrobás (Aepet), com base em estudos do economista Claudio da Costa Oliveira.

Outro argumento diz respeito ao abandono dos combustíveis fósseis – petróleo e gás natural – como principais fontes de energia da humanidade, nestes próximos anos. Esta previsão não tem qualquer credibilidade pelo fato de que na atual matriz energética mundial, óleo e gás (o&g) aparecem com 60% de participação, realidade que não será mudada por décadas pois exigiria transformações radicais nas atividades humanas de todos os tipos, impossíveis de serem implementadas em poucas décadas.

Certamente, o&g terão diminuídas sua contribuição na matriz mundial, abrindo espaço crescente para fontes renováveis; ao mesmo tempo, entretanto, o consumo de energia aumentará significativamente nas próximas décadas na medida em que mais de 1 bilhão de pessoas no mundo vivem com baixos níveis de consumo de energia, em razão da gigantesca desigualdade social por que padece a humanidade.

Exemplo disto é o próprio Brasil: somos a nona economia no mundo e ocupamos a 72ª colocação (dados de poucos anos atrás, mas que não deve ser diferente da realidade atual) no quesito consumo de energia por habitante. Nosso consumo de petróleo – 2,5 milhões de barris/dia – reflete esta realidade e aponta para um concreto potencial de aumento de consumo de o&g, desde que o país saia desta crise em que foi afundado.

É necessário, também, citar a nossa matriz energética, de longe a mais equilibrada entre fósseis (55%) e renováveis (45%) dentre as maiores economias do mundo, com predominância absoluta de combustíveis fósseis em seu consumo de energia. Este fato significa que, com a crescente contribuição dos renováveis na nossa matriz, com o crescimento inescapável de nosso consumo de energia, nosso pré-sal tem assegurada sua participação também crescente nas próximas décadas. Aliás, este é um ponto central na discussão da privatização da Petrobrás, já anunciada por este governo.

O Brasil aparece, pelo conjunto muito significativo de nossos recursos naturais, como um dos países com notável potencial de crescimento de seu mercado interno, a garantir a sustentabilidade e o devido retorno financeiro de investimentos para produzi-los. Petróleo & gás natural têm mercado seguro e muito crescente no nosso território, pela sociedade brasileira,

A manutenção da integridade do sistema industrial produtivo da Petrobrás – exploração & produção, refino e distribuição, terminais e dutos distribuidores, logística, fertilizantes – é inquestionavelmente mandatória. Não só por manter a gestão direta, pelo Estado Nacional, de insumos estratégicos básicos para a construção do PIB brasileiro mas por permitir que estes mesmos insumos energéticos, tão indispensáveis à vida dos cidadãos deste país, cheguem ao consumidor final com os menores preços possíveis na medida em que sejam geridos de forma a manter a sustentabilidade do sistema como um todo e não de partes isoladas, que focam somente no lucro e na rentabilidade de suas atividades específicas.

Não há qualquer dúvida que o esquartejamento do sistema industrial Petróleo Brasileiro S.A. através da privatização/desnacionalização de seus componentes – refinarias, dutos, terminais, setor de fertilizantes, terminais etc… – irá enfraquecer, senão eliminar, a gestão do Estado Brasileiro num setor tão estratégico para a soberania nacional como é o de energia, especialmente petróleo e gás natural.

Tudo agravado pelo fato de que as instituições que estão comprando os ativos da Petrobrás exibem grande, senão total, participação de fundos de investimentos internacionais, representantes centrais do capitalismo rentista mundial, sem qualquer compromisso como desenvolvimento brasileiro, em qualquer de suas dimensões.

Trata-se de um crime de lesa-pátria típico pois, no caso do pré-sal, as empresas estrangeiras que estão adquirindo os blocos não correram qualquer risco para descobri-los enquanto foi a Petrobrás – em última análise o povo brasileiro, representado pelo acionista principal, a União – que se transforma numa agência de apoio e promoção às grandes empresas petrolíferas internacionais e as empresas fornecedoras de bens e serviços industriais de seus países originários ou componentes do mesmo conjunto de interesses financeiros que as domina.

E que perderam para a Petrobrás a competição para descobrir os campos gigantes do pré-sal brasileiro, como foi o caso da Shell, em 2001, quando desistiu de aprofundar um poço que perfurava a camada de sal, na Bacia de Santos – por incompetência técnico-científica ou por postura financista/rentista dos gestores de seu investimento – deixando embaixo cerca de 10 bilhões de barris – e devolvendo o bloco á ANP.

Este campo foi depois descoberto pela Petrobrás, que é sua atual operadora. Quer dizer, estamos passando às empresas privadas estrangeiras, que perderam a competição para descobri-lo, um bem estratégico cujo aproveitamento é decisivo para nosso desenvolvimento autônomo, como nação soberana.

No caso das refinarias, a mesma situação: serão vendidas junto com os mercados que lhes consomem o produto, pois esta foi a racionalidade de suas construções – pela Petrobrás/Povo Brasileiro – para o abastecimento regional integrado de combustíveis em todas as regiões do território nacional. As empresas/instituições compradoras não enfrentarão competidores nestes mercados, projetadamente cativos para sua produção.

E mais, com projetos originais de refino completamente modificados, ao longo de décadas, com melhorias contínuas, engenheiradas pela área de refino da Petrobrás em conjunto com o nosso centro de pesquisa e desenvolvimento (Cenpes) e que exigiram pesados investimentos para se tornarem realidade. Tudo acompanhado de esforço permanente de formação, treinamento e capacitação profissional que levou estas unidades industriais à excelência operacional de eficiência e segurança que hoje as caracteriza.

Em suma, esta iniciativa de esquartejar e privatizar/desnacionalizar o Sistema Petrobrás é criminosamente lesiva aos interesses brasileiros, ao desenvolvimento nacional integral, ao bem-estar e à qualidade de vida do povo brasileiro, à soberania nacional.

Não pode ser aceita pela sociedade brasileira, há que ser totalmente rejeitada e ter revertidas todas as operações já realizadas neste sentido.

*Guilherme Estrella, geólogo, ex-diretor da Petrobrás.

N.R. O autor mantém a grafia do nome da estatal com acento agudo.

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