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sexta-feira, 29 março, 2024

Por que o Brasil está a um passo do apagão

Por Roberto D’Araújo, no site Outras Palavras:

No Brasil, quando tragédias são vislumbradas no horizonte, além das demoradas medidas atenuantes, os dedos apontam vários culpados. Primeiro se tenta a estratégia do exagero (“é só uma gripezinha”). Depois o remédio inútil (cloroquina) e, só quando já é tarde (quase 600.000 mortos), o governo toma alguma providência.

Um racionamento grave, com probabilidade cada vez mais alta, é tratado do mesmo modo. Primeiro, tentativas de negar o evento, e, culpando o consumidor, faz-se propaganda tentando nos convencer que somos esbanjadores. Apesar dos preços irrisórios cobrados pelas usinas da Eletrobras por motivo da MP 579, mesmo assim temos a tarifa vice-campeã de carestia, como nos mostra a Agência Internacional de Energia. Com um consumo médio por domicílio de 170 kWh/mês, agrava-se a injustiça da empreitada.

Em seguida, a informação de que a atual crise hidrológica “é a pior em 91 anos”, culpando São Pedro. Para apontar a mentira da frase basta consultar os dados históricos das “energias naturais” (afluências dos rios em unidades de energia em MW médios) do sistema sudeste e centro-oeste disponibilizados no ONS. Como se mostra abaixo, esse triste “campeonato” precisa de um exame do VAR!

Dados históricos de energias naturais do período 1950 – 1956 (7 anos seguidos), se ocorressem sobre o sistema de geração atual, mostrariam uma situação pior do que a “inédita” crise hídrica 2014 – 2020 (7 anos). A média das energias naturais mensais de 1950 – 1956 é de 30.390 MW médios. A média da crise atual é 35.149 MW médios, 15% mais alta do que a da década de 1950. Em outras palavras, se ocorressem as afluências registradas no histórico, a situação seria mais grave. O ano de 2021 pode até dar o campeonato de secura para a “crise inédita”, mas São Pedro continuará inocente.

Quem não é inocente mesmo é a própria sociedade brasileira que permitiu ou não sabia dos desmatamentos que alteraram os movimentos de umidade na atmosfera desse vasto território. Não há mais como negar esse terrível efeito planetário. Infelizmente, se nossos rios não são mais tão caudalosos como antes, precisamos de mais usinas em outros rios ou novas fontes que não encareçam ainda mais nossa energia. Outro dedo acusador mira o ONS, mas, quem esvaziou reservatórios foram usinas térmicas super caras que o operador evitou usar.

De uma lista de 163 usinas hidroelétricas que somam 109 GW de potência, apenas 8,5 GW se originaram de iniciativas privadas desde o início. Cerca de 60 GW ainda são estatais e o restante, ou são usinas existentes compradas de estatais, ou foram construídas em parcerias com estatais. Nas termoelétricas aconteceu o inverso. As estatais têm 29% e o setor privado os 71% restantes, sendo que esses investimentos ocorreram numa reação atrasada ao racionamento e em 2008, quando ficou claro que o mercado livre (30% do consumo) não investia em expansão da oferta.

Como, desde 1995, a crença de que a economia depende apenas da pujança e independência do capital privado, essa decepcionante performance privada deveria acender um sinal de alerta. Não bastasse essa pífia atuação, dados do BNDES mostram que, a preços de 2020, só o setor elétrico usou quase R$ 2 trilhões de financiamento público!

Voltando ao “campeonato” de crise hídrica, a série histórica que inclui o ano de 2001, o do racionamento, parece uma benfeitoria de São Pedro quando comparada ao nosso histórico da década de 50. Com o anúncio da privatização da Eletrobras, nem a estatal investia e nem o setor privado, pois aguardava comprar usinas prontas. Um déficit de adição de nova capacidade desafiava um consumo que crescia a mais de 1.500 MW médios/ano. Basta consultar os dados.

Sendo assim, a privatização ou capitalização da Eletrobrás é um preocupante “já vi esse filme”! Quem consulta dados percebe que, na última década, praticamente 90% da expansão hidroelétrica foi feita através das Participações em Sociedades de Propósito Específico (SPEs) com grande sacrifício da Eletrobras. As usinas Belo Monte, S. Antonio, Jirau, Teles Pires, Peixes, Serra do Facão, Baguari, Sinop, Retiro Baixo, Mauá, Três irmãos, Dardanelos e Foz do Chapecó somam quase 17 GW. Seriam construídas sem a Eletrobras? É a esse capital privado que vamos entregar nosso futuro?

Se quem lê ainda não se convenceu que o que falta é investimento, alguns podem perguntar sobre eólicas e fotovoltaicas. A região nordeste está nos dando uma lição, pois, incrivelmente, a região mais seca do território está exportando MWh para o Norte e Sudeste. Vejam que o Rio São Francisco também sofre baixas afluências e, portanto, a energia exportada vem de vento e sol!

Entretanto, é preciso lembrar que a fonte de energia que complementa rapidamente as intermitências dessas novidades da eletricidade são as hidrelétricas. Portanto, precisamos repensar projetos de usinas médias sem reservatório que possam ser oferecidas não como fábricas de kWh, mas sim como soluções para outros usos da água. É inútil imaginar que existam novos potenciais que acrescentem reserva suficiente para voltarmos a ter quase um ano de consumo guardados nas represas.

O que é raramente argumentado é que as superfícies dos reservatórios das usinas podem receber placas fotovoltaicas flutuantes. Por estarem perto da subestação da usina, formam uma usina solar que já conta com a transmissão. Aliás, essa geração solar pode ser considerada um complemento da geração da própria usina, que, evidentemente, economiza água durante o dia e compensa o pôr do sol à noite.

Que tipo de avaliação econômica está sendo feita sobre esse imenso potencial de energia utilizando a fonte mais barata e mais promissora quanto a aumento da eficiência? O Brasil vai oferecer de graça superfícies ensolaradas?

Faltam estratégias, energia e investimentos. Sobram acusações.

* Publicado originalmente no site A Revolução Industrial Brasileira: https://rib.ind.br/

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