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quinta-feira, 28 março, 2024

OTAN, armas nucleares, Nord Stream 2: como seriam as táticas e desafios do novo governo da Alemanha?

Sputnik – Em breve, a Alemanha se despede de quase duas décadas da era Merkel e dá lugar a uma coalizão entre diferentes partidos para administrar o país. A Sputnik Brasil entrevistou analista para saber como será a nova gestão e quais desafios o país germânico pode enfrentar.
Após 16 anos, a chanceler, Angela Merkel, está deixando o poder. Com legado memorável, Merkel passa o bastão do comando da Alemanha para Olaf Scholz, do Partido Social-Democrata.
No entanto, na dinâmica da geopolítica, nova chefia pode ser traduzido como novas diretrizes, e sendo a nação germânica uma das mais importantes da OTAN, surge entre seus aliados a dúvida sobre como Berlim direcionará sua política de armas nucleares.
De acordo com o The Economist, o “P3” da Aliança Atlântica – que inclui EUA, Reino Unido e França – está preocupado com dois pontos referentes ao assunto: se a Alemanha pode abrandar o seu envolvimento nos acordos de “partilha nuclear” da OTAN e se o próximo governo vai flertar com o Tratado sobre a Proibição de Armas Nucleares (TPNW, na sigla em inglês).
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Neste momento, vários novos elementos estão em jogo, incluindo as fissuras no regime internacional de controle de armas, a crescente imprevisibilidade da Rússia e a ascensão ao governo do Partido Verde, que mantém forte tendência pacifista.
Ainda segundo a mídia, o P3, individualmente e em conjunto, já pressionou o governo alemão e a nova coalizão sobre ambas as questões.
A Sputnik Brasil entrevistou Maria Khorolskaya, pós-doutoranda em ciências políticas e pesquisadora do Instituto de Economia Mundial e Relações Internacionais da Academia de Ciências da Rússia (IMEMO-RAN, na sigla em russo) para saber como será a nova gestão alemã e se as políticas em relação à OTAN e ao gasoduto Nord Stream 2 (Corrente do Norte 2, na tradução) podem mudar.
A chanceler alemã em exercício, Angela Merkel, recebe buquê de Olaf Scholz antes da reunião de gabinete semanal na chancelaria em Berlim, Alemanha, em 24 de novembro de 2021 - Sputnik Brasil, 1920, 25.11.2021
A chanceler alemã em exercício, Angela Merkel, recebe buquê de Olaf Scholz antes da reunião de gabinete semanal na chancelaria em Berlim, Alemanha, em 24 de novembro de 2021
Khorolskaya afirma que na área da segurança, o novo governo terá de enfrentar desafios internos e externos, os quais estão ligados entre si, e elucida que a primeira adversidade para a segurança interna será o problema dos migrantes.

“A Alemanha tem uma atitude positiva à recepção de migrantes por sua história, e ao mesmo tempo, precisa de mão de obra. De acordo com dados do presidente da Agência Federal do Trabalho, anualmente, o país necessita de cerca de 400 mil novos trabalhadores”, conta Khorolskaya.

A questão se torna complexa uma vez que “o problema migratório não está regulamentado juridicamente o suficiente, nem a nível europeu nem a nível interno alemão”, o que faz com que o assunto se transforme em “um desafio de segurança”.
O segundo desafio interno, de acordo com a pesquisadora, “é o terrorismo, tanto de direita quanto islâmico“, uma ameaça que se mostra presente e sobre a qual “o Gabinete Federal para a Proteção da Constituição alemão está atento em monitorar”.
Já em relação às adversidades na área da segurança externa, Khorolskaya diz que “a crise ucraniana e o cenário em Belarus, particularmente a situação na fronteira belarusso-polonesa” assim como “a desestabilização nos países do Oriente Médio e da Ásia Central, como o Afeganistão”, são preocupações, pelo fato de que ambos os contextos podem convergir para questão migratória anteriormente citada.
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Se o país pode procurar ajuda da OTAN para resolver tais desafios, Khorolskaya considera que não, pois “é provável que a Alemanha prefira resolvê-los no nível da União Europeia [UE], com exceção da situação no Oriente Médio e na Ásia Central se houver problemas graves”.

Nova coalizão de governo

A nova coalizão que vai governar a Alemanha na era pós-Merkel contará com um núcleo diversificado, incluindo sociais-democratas, democratas livres e o Partido Verde. Se a variedade na liderança pode mudar a participação do país na OTAN, a pesquisadora considera que não.
“Sobre isso falam apenas as forças dos partidos mais radicais, digamos assim. Quanto aos partidos de centro, centro-direita e centro-esquerda, inclusive os que compõem a coalizão, eles estão em consenso em relação à política externa. Portanto, quanto a participação da Alemanha na OTAN basicamente não mudará nada.”
Para a especialista, o país germânico continuará a buscar “o que sempre buscou, o equilíbrio”, além de “acentuar que o fortalecimento da defesa europeia serve para o fortalecimento das forças unidas da OTAN”.
Em relação à França, especificamente, “está em andamento o desenvolvimento do avião de combate SCAF e do sistema principal de combate terrestre. Tudo isso se continuará no novo governo”.
O principal candidato do Partido Social Democrata (SPD) para o chanceler Olaf Scholz, os co-líderes do partido Verdes Robert Habeck e Annalena Baerbock, o líder do Partido Democrático Livre (FDP), Christian Lindner, fazem uma declaração conjunta após uma rodada final de negociações de coalizão para formar um novo governo, em Berlim, Alemanha, 24 de novembro de 2021 - Sputnik Brasil, 1920, 25.11.2021
Principais líderes da coalizão caminham após uma rodada final de negociações para formar um novo governo, em Berlim, 24 de novembro de 2021

Política antinuclear em andamento?

De acordo com a revista The Economist, Washington estaria preocupado com uma postura mais branda do novo governo sobre a questão nuclear, a qual poderia levar a Alemanha a repensar o estacionamento de 20 bombas nucleares norte-americanas em seu território.
Contudo, Khorolskaya acredita que Berlim “não revisará a presença de armas nucleares em seu território” visto que “valoriza os laços transatlânticos” e interpreta que é “importante ter a presença dessas bombas em seu território pois permite ao país participar do programa nucelar da Aliança Atlântica”.
“Sabemos que a Alemanha não pode possuir suas próprias armas nucleares devido aos eventos históricos. Mas, tendo bombas no seu território, ela participa do programa nuclear da organização, e isso garante o direito de voto no planejamento ou na organização de operações da OTAN com o uso de armas nucleares”, elucida a pesquisadora.
Khorolskaya também salienta um terceiro ponto o qual faria o país ficar com as bombas, que é o fato da nação germânica ter fechado recentes acordos para compra de caças específicos que podem transportar cargas nucleares, como Eurofighter modernizados e os norte-americanos F-18.

“Para Rússia isso é bom porque outros países não tão contidos e sem o trauma histórico alemão, no bom sentido, também estariam dispostos a instalar bombas nucleares norte-americanas em seu território, por exemplo, países da Europa Central e Oriental. O que seria muito menos vantajoso para Moscou. É melhor que isso [a carga nuclear] esteja no território de um país tão sensato como a Alemanha.”

A pesquisadora também sublinha que acha difícil o país aderir ao Tratado de Proibição de Armas Nucleares, uma vez que “todos os países da OTAN boicotaram esse tratado”.
Explosão da Trinity, a primeira bomba nuclear (foto de arquivo) - Sputnik Brasil, 1920, 29.08.2019

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Relação Rússia-Alemanha com novo governo

Sobre a conexão Moscou-Berlim com a chegada do novo governo alemão, a especialista crê que não haverá mudanças cruciais, pois “todos os partidos de centro-direita e centro-esquerda, em relação à Rússia, têm visões mais ou menos próximas”.

“O que gerou algumas preocupações é o fato de que, possivelmente, o posto de chefe das Relações Exteriores será ocupado por Annalena Baerbock do Partido Verde, e esse partido é um interlocutor bem complicado. Mesmo assim, precisamos entender que esse é um governo de coalizão, então, os Verdes terão que suavizar sua posição e de alguma forma sintonizar sua posição com a dos sociais-democratas, que historicamente têm laços com a Rússia”, afirmou Khorolskaya.

Entretanto, “falta um pouco mais de poder brando [soft power] por parte da Rússia na Alemanha”, a partir do momento que “o interesse russo na geração jovem alemã e nos jovens políticos alemães está diminuindo”, além do fato da nação germânica não tecer laços de simpatia constantes com Moscou.
Vladimir Putin, presidente da Rússia, participa de reunião com Angela Merkel, chanceler da Alemanha, em Moscou, Rússia, 20 de agosto de 2021 - Sputnik Brasil, 1920, 25.11.2021
Vladimir Putin, presidente da Rússia, participa de reunião com Angela Merkel, chanceler da Alemanha, em Moscou, Rússia, 20 de agosto de 2021

Nord Stream 2

Com a entrada de uma nova gestão, outro tópico importante a ser analisado é se Alemanha poderá mudar sua posição em relação ao gasoduto Nord Stream 2.
Khorolskaya não acha que Berlim “vá mudar significativamente sua posição” sobre o gasoduto, no entanto, compreende que a não citação do Nord Stream 2 no novo acordo da coalizão pode gerar apreensão.
Porém, isso pode ter acontecido em um primeiro momento visto que “está ligado à posição do Partido Verde, que não quer se desacreditar, já que sabemos, pelo seu posicionamento é o de que o gasoduto deveria ser fechado”, explicou a pesquisadora.
O logotipo do projeto do gasoduto Nord Stream 2 é visto em um tubo de grande diâmetro na fábrica de laminação de tubos de Chelyabinsk, de propriedade do Grupo ChelPipe, em Chelyabinsk, NA Rússia, no dia 26 de fevereiro de 2020 - Sputnik Brasil, 1920, 25.11.2021
O logotipo do projeto do gasoduto Nord Stream 2 é visto em um tubo de grande diâmetro na fábrica de laminação de tubos de Chelyabinsk, de propriedade do Grupo ChelPipe, em Chelyabinsk, NA Rússia, no dia 26 de fevereiro de 2020
Além desse fato, a analista ressalta que Berlim está esperando para ver como ficará “a questão da correspondência entre o Nord Stream 2 e o Terceiro Pacote Energético”, ao mesmo tempo que “busca garantias sobre o trânsito do gás através da Ucrânia“.
“[As garantias] elas existem por um certo prazo, como todos nós sabemos, mas a Alemanha não quer se prender à questão do gasoduto nesse acordo de coalizão, para o caso de a situação do trânsito do gás seguir por um caminho diferente”, explica.
Entretanto, Khorolskaya vê com otimismo o assunto uma vez que “no final, o gasoduto foi construído, está aí“, e simultaneamente “a nação germânica está apostando no gás natural neste período de transição energética, e isso nos dá um otimismo moderado de que a situação não vai mudar de maneira crucial para pior, novamente, se não acontecer nenhuma crise”, conclui.

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