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quinta-feira, 18 abril, 2024

O que Ernst Cassirer tem a ensinar aos juízes encarregados de julgar Lula?

por Fábio de Oliveira Ribeiro
Ao indeferir a liminar no Mandado de Segurança impetrado por Lula contra o bloqueio dos seus bens por Sérgio Moro, o Desembargador João Pedro Gebran Neto, TRF-4, afirmou que o ex-presidente recebe um benefício que foi revogado pela CF/88  http://jornalggn.com.br/noticia/gebran-nega-desbloqueio-em-conta-de-lula-achando-que-ele-tem-auxilio-mas-nao-tem. O erro que ele cometeu é evidente e pode até ser corrigido através de Embargos de Declaração, mas há algo mais que pode ser dito sobre o episódio.
Há décadas a imprensa acusa Lula de ter enriquecido na política. O anti-petismo se tornou um lugar comum nos últimos anos, tanto que se transformou na única plataforma política de Aécio Neves nas últimas eleições presidenciais http://jornalggn.com.br/blog/fabio-de-oliveira-ribeiro/sobre-o-anti-petismo-e-os-anti-petistas-por-fabio-de-oliveira-ribeiro. Velhas raposas do jornalismo e da política e seus jovens aprendizes do MBL vomitam ódio contra o PT diariamente nas redes sociais. Boatos são inventados: a Ficha-Falsa do DOPS de Dilma Rousseff (que poderia ser verdadeira segunda a Folha de São Paulo) e a propriedade da Friboi pelo filho de Lula são os dois boatos mais conhecidos.
Toda uma mitologia foi sendo criada para demonizar o PT e destruir as conquistas sociais dos governos Lula e Dilma. O processo do Triplex, que resultou na condenação de Lula apesar dele não ter recebido a posse e a propriedade do imóvel, se insere dentro deste contexto.
Ao estudar as características da mitologia, Ernst Cassirer notou que para as pessoas mergulhadas num mito:
“… o pensamento não se coloca livremente diante de um conteúdo da percepção a fim de relacioná-lo e compará-lo com outros, através da reflexão consciente, mas, colocado diretamente perante esse conteúdo, é por ele subjugado e aprisionado. Repousa sobre ele: só sente e conhece a sua imediata presença sensível, tão poderosa que diante dela tudo o mais desaparece.” (Linguagem e Mito, Ernst Cassirer, editora Perspectiva, 4ª edição, São Paulo, p. 52)
Um pouco mais adiante, Cassirer é ainda mais específico:
“…aquilo que, para a reflexão subseqüente, parece mera transferência, constitui para o pensamento mítico, na realidade, uma autentica e imediata identidade.” (Linguagem e Mito, Ernst Cassirer, editora Perspectiva, 4ª edição, São Paulo, p. 111)
No caso mencionado no princípio, fica-se com a impressão de que o Direito desapareceu porque a consciência do Desembargador que indeferiu a limitar está mergulhada no mito do anti-petismo. A identidade entre Lula e sua fortuna, seja ela real ou imaginária (como a aposentadoria presidencial) se colocou para o juiz como uma realidade incontestável. Tanto que ele nem mesmo se deu ao trabalho de estudar profundamente a questão.
Lula representou o Brasil no Tribunal de Direitos Humanos da ONU porque o judiciário brasileiro não está agindo com isenção no caso dele. A decisão do Desembargador que, provavelmente inspirado pelo mito do anti-petismo, indeferiu de maneira irrefletida a liminar no Mandado de Segurança parece comprovar esta tese.
A passagem do mito à ciência equivale à renúncia da intuição em favor do rigor dedutivo:
“Se a linguagem deve realmente converter-se em um veículo do pensamento, moldar-se em uma expressão de conceitos e juízos, esta moldagem só pode realizar-se na medida em que renuncia cada vez mais à plenitude da intuição.” (Linguagem e Mito, Ernst Cassirer, editora Perspectiva, 4ª edição, São Paulo, p. 115)
Mutatis mutantis, as palavras de Cassirer se ajustam à questão aqui debatida. Ao distribuir justiça, os membros do poder judiciário devem cumprir e fazer cumprir a Lei (dever funcional deles de acordo com o art. 35, I, da Lei Orgânica da Magistratura). Eles não devem se deixar influenciar por preconceitos e por mitos extra-legais. As decisões que eles proferem devem ser resultado da reflexão racional baseada nas provas e não na intuição ou nos mitos difundidos na sociedade pelos inimigos daquele que é parte no processo.
Jornal GGN

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