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quinta-feira, 25 abril, 2024

O BRASIL EMPAREDADO E A OBRIGAÇÃO DE AGIR

Ernesto Marques*
Nunca foi o idiota excêntrico subestimado ao longo de 28 anos de vida parlamentar, tendo como um de seus momentos altos, a confissão indecorosa de uso indevido do auxílio-moradia, privilégio de deputado federal, para “comer gente” como prova cabal da sua qualidade ética, como político e pai de família.
Não é o gênio diversionista que desacredita a imprensa e os poderes constituídos, enquanto maneja, sem falsos pudores, todos os recursos da comunicação digital – inclusive qualquer sordidez permitida na chamada deep web, ou internet profunda.
Não é o idiota excêntrico, não é o gênio diversionista. Mas o erro de subestimá-lo enquanto cometia crimes contra o decoro parlamentar ofereceu aos criadores de tempestades perfeitas, uma espécie de “solução final”, diante do risco iminente de Lula e o PT voltarem ao governo em 2018.
A tal democracia burguesa à brasileira é obra muito mais das elites chucras que capturaram o poder político perdido pela monarquia, e que, na prática, vivem em eterna reparação pela perda do trabalho escravo. E mesmo a república torta, nascida do primeiro golpe militar da nossa história e renascida depois de enterrarmos (vivo) o último golpe fardado, já nos faz falta.
Sim, o comunista mais sectário, ativistas sem temor algum, caminhantes de muitas passeatas e manifestações; qualquer destes e destas, sente saudades das liberdades e direitos que se esvaem junto com o tempo perdido no retrocesso a ser interrompido, de preferência pelo caminho das urnas. Para ortodoxos, é cortante admitir saudades daquela democracia burguesa, temer sua ruína e ainda guardar disposição para defendê-la.
A república torta que começou a ser demolida com o golpe de 2016 pelo menos tinha alguma chance de melhorar. A de hoje, efeito colateral daquele golpe, é o cumprimento da promessa feita pelo messias cujo destino e missão é conter mais uma ameaça comunista. Ameaça tão verdadeira quanto a mamadeira de piroca, símbolo da campanha de 2018.
O dia 19 de julho entra para a história como a data em que o Brasil, representado por Bolsonaro, deixou de ser apenas medíocre e ridículo, e foi alçando à indignidade.
Por muito menos, o homem que operou a saída do Reino Unido da União Europeia viu seu gabinete ruir e, desgastado por mentiras, renunciou depois de perder auxiliares importantes por uma simples mão boba. Décadas antes, um presidente americano quase caiu por causa de mentiras envolvendo uma estagiária, beijos e charutos.
Como se fosse pequena a lista de absurdos sem precedentes na história, o portador da faixa presidencial, tal e tal seu aliado Daniel Silveira fez com a placa da rua em homenagem a Marielle Franco, partiu a nossa República em pedaços diante de embaixadores de 40 dos mais importantes países do mundo. Mentiu contra as instituições do Estado Brasileiro, diante de representações diplomáticas de 40 nações.
Não é o idiota excêntrico, não é o gênio diversionista. É o mesmo “mau militar” a que se refere Geisel em depoimento histórico à FGV. É o mesmo “bunda-suja” sem qualquer importância para a ditadura exaltada por ele, e que não lhe incumbiu de qualquer missão relevante. Nem para torturador serviu.
A manobra desesperada revela um presidente reduzido a um siri numa lata, bem informado que está sobre a derrota inevitável. Vai agora usar o seu exército de fanáticos, dispostos, como se viu em Foz do Iguaçu, a matar e morrer pelo mito.
A prevalecer a nossa cordial tradição conciliadora, mais adiante se verá que a garantia de impunidade para si e para os filhos bastará para selar o armistício garantidor pelo menos para assegurar posse ao eleito. Governar com a oposição de meio milhão de cromagnons legalmente armados e municiados não é agonia que se deixe para outro dia.
Se tal ocorrer, entronizaremos a indignidade como símbolo de uma nação incapaz de transformar suas riquezas na felicidade geral da nação. Já nos basta a vergonha de termos anistiado crimes contra a humanidade. Não se relativiza a barbárie, e este é o dilema indigesto que nos foi imposto ao vivo e para todo o planeta. Um país que aceita ser emparedado por um néscio não tem futuro.
Quem está sentado em cargos com responsabilidades sobre esta bagunça, tem a obrigação de agir para nos devolver o Brasil que tinha alguma chance de confirmar o ufanismo dos hinos que levam descerebrados armados, fardados ou não, a defender o indefensável.
De preferência, antes do 7 de Setembro.
*Ernesto Marques é jornalista e radialista

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