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sexta-feira, 19 abril, 2024

O ano do tigre começa com um estrondo sino-russo

Pepe Escobar [*]

O Ano do Tigre da Água Negra começará, para todos os efeitos práticos, com um estrondo em Pequim nesta sexta-feira, quando os Presidentes Xi Jinping e Vladimir Putin, após uma reunião ao vivo antes da cerimónia inicial dos Jogos Olímpicos de Inverno, emitirão uma declaração conjunta sobre relações internacionais.

Isso representará um movimento crucial no tabuleiro de xadrez Eurásia vs. OTANstão, pois o eixo anglo-americano está cada vez mais atolado na Fila do Desespero: afinal de contas, a “agressão russa” recusa-se teimosamente a concretizar-se.

Depois de uma espera interminável, possivelmente devido à escassez de funcionários devidamente aptos para escrever uma carta inteligível, o par EUA/OTAN acabou por cozinhar em jargão burocratês uma previsível “resposta” não-resposta às exigências russas de garantias de segurança.

O conteúdo foi divulgado a um jornal espanhol, membro pleno da mídia do OTANstão. Quem revelou, segundo fontes de Bruxelas, pode estar em Kiev neste momento. O Pentágono, em modo de controlo de danos, apressou-se a asseverar: “Não fomos nós que o fizemos”. O Departamento de Estado disse: “é autêntico”.

Mesmo antes da fuga da “resposta não-resposta”, o ministro dos Negócios Estrangeiros Sergey Lavrov foi forçado a enviar mensagens a todos os ministros dos Negócios Estrangeiros da OTAN, incluindo o secretário norte-americano Blinken, perguntando como entendem o princípio da indivisibilidade da segurança – se é que realmente entendem.

Lavrov foi extremamente específico: “Refiro-me às nossas exigências de que todos implementem fielmente os acordos sobre a indivisibilidade da segurança que foram alcançados no seio da OSCE em 1999 em Istambul e em 2010 em Astana. Estes acordos preveem não só a liberdade de escolher alianças, mas também condicionam esta liberdade à necessidade de evitar quaisquer medidas que reforcem a segurança de qualquer Estado à custa de infringir a segurança de outros”.

Lavrov atingiu o cerne da questão quando salientou, “os nossos colegas ocidentais não estão simplesmente a tentar ignorar este princípio-chave do direito internacional acordado no espaço euro-atlântico, mas sim a esquecê-lo completamente”.

Lavrov também deixou muito claro “não vamos permitir que este tópico seja ‘embrulhado’. Insistiremos numa conversação honesta e numa explicação das razões pelas quais o Ocidente não quer cumprir as suas obrigações, de todo ou exclusivamente de forma seletiva e a seu favor”.

De modo crucial, a China apoia plenamente as exigências russas de garantias de segurança na Europa e concorda plenamente em que a segurança de um Estado não pode ser garantida infligindo danos a outro Estado.

Isto é o mais grave possível: a combinação EUA/OTAN está empenhada em esmagar dois tratados cruciais que afetam diretamente a segurança europeia e eles pensam que podem escapar impunes porque há menos de zero discussão acerca do conteúdo e das suas implicações nos media do OTANstão.

A opinião pública ocidental permanece absolutamente despistada. A única narrativa, martelada 24 por dia é a da “agressão russa” – a propósito, devidamente enfatizada na “resposta” de não-resposta da NATO.

Queres verificar o nosso equipamento técnico-militar?

Pela enésima vez Moscovo deixou bem claro que não vai fazer quaisquer concessões sobre as exigências de segurança só porque o Império do Caos continua a ameaçá-la – o que mais? – com sanções extra duras, a única “política” imperial exceptuando o bombardeamento total.

O novo pacote de sanções, de qualquer modo, está pronto a ser aplicado já há algum tempo, possivelmente capaz de cortar Moscovo do sistema financeiro ocidental e/ou casino, e de visar, entre outros, o Sberbank, VTB, Gazprombank e Alfa-Bank.

E isso leva-nos ao que Moscovo vai fazer a seguir – considerando a previsível “atitude extremamente negativa” (Lavrov) do OTANstão. O vice-ministro dos Negócios Estrangeiros, Alexander Grushko, já havia dado a entender que a OTAN sabe perfeitamente bem o que está para vir, mesmo antes da “resposta de não resposta”:

“A OTAN sabe perfeitamente bem que tipo de medidas técnico-militares podem seguir-se à Rússia”. Não fazemos segredo das nossas possibilidades e estamos a agir de forma muito transparente”.

Ainda assim, os “parceiros” americanos não estão a ouvir. Os russos permanecem inabaláveis. Grushko enquadrou-o em termos de realpolitik: medidas concretas dependerão dos “potenciais militares” que poderão ser utilizados contra a Rússia. Este é o código para o tipo de armas nucleares que serão instaladas na Europa Oriental e que tipo de equipamento letal continuará a ser descarregado na Ucrânia.

De fato, a Ucrânia – ou país 404, segundo a definição indelével de Andrei Martyanov – é apenas um mero peão no seu jogo (imperial). Para além da miséria de Kiev em todas as frentes, o chefe do Conselho Nacional de Segurança e Defesa da Ucrânia, Alexei Danilov, quase entregou o jogo (regional).

Numa entrevista à AP, Danilov disse que “os Acordos de Minsk podem criar o caos”; admitiu que Kiev perdeu totalmente a guerra em 2014/15 e depois assinou os Acordos de Minsk “sob ameaça das armas russas” (falso: Kiev foi completamente derrotada pelas milícias Donbass); mas acima de tudo admitiu que Kiev nunca teve qualquer intenção de cumprir os Acordos de Minsk.

Assim, essencialmente, Kiev está a violar o direito internacional: os Acordos de Minsk são garantidos pela resolução 2022 (2015) do Conselho de Segurança das Nações Unidas, adoptada por unanimidade. Até os EUA, Reino Unido e França votaram “Sim”. Portanto, infringir a lei não é difícil, desde que seja permitido pelas “grandes potências”.

E nessa invisível “agressão russa”, bem, nem mesmo Danilov consegue ver “a prontidão das forças russas perto da fronteira para uma invasão, que levará de três a sete dias”.

Tragam os cavalos dançarinos

Nada do acima exposto altera o facto fundamental de que a combinação EUA-Reino Unido – mais os proverbiais caniches da OTAN, Polónia e os Bálticos – estão a girar como loucos a tentar provocar uma guerra. E o único meio de o fazer é lançar Falsas Bandeiras. Pode ser em fevereiro, pode ser durante os Jogos Olímpicos de Pequim, pode ser antes do início da Primavera. Mas elas virão. E os russos estão prontos.

O preâmbulo foi encenado [com inspiração] direta do Monty Python Flying Circus – completo com o Crash Test Dummy, também conhecido como POTUS a gritar ao comediante Zelensky que, num vulgar ressurgimento mongol, “Kiev será saqueada” (ao som de Bring On the Dancing Horses?); um Zelensky indignado a dizer ao POTUS, vá lá homem, volte atrás; e a Casa Branca a jurar que os Estados Unidos montou (gamed) 18 cenários para a “invasão russa” (Lavrov: 17 foram escritos pela inteligência da sopa de letras, o 18º pelo Departamento de Estado).

Itens do frenético e incessante armamento do país 404 – tudo, desde Javelins e MANPADs até ondas de “conselheiros” da Blackwater/Academi a preços superfaturados.

Afastando-se da farsa, para não mencionar cenários mal orientados que partem da premissa errada de uma “invasão”, a única jogada racional que Moscovo pode estar a contemplar é reconhecer de facto as Repúblicas Populares de Donetsk e Lugansk, e enviar um contingente para a manutenção da paz.

Isso, claro, enfureceria a infestada matriz neo-con da War Inc. até o paroxismo intergaláctico, pois anularia todas aquelas elaboradas operações psicológicas (psyops) destinadas a incutir o Medo de Deus nas insuspeitas vítimas do Canato Reencenado da Horda de Ouro, queimando e saqueando por toda a parte até…às planícies húngaras?

Mapa do Império Mongol.

Depois há a questão espinhosa de como desnazificar a Ucrânia Ocidental: esse será um assunto estritamente ucraniano, com zero envolvimento russo.

O fantasma de Mackinder está em modo de loucura total a contemplar com impotência o brilhantismo imperial de decidir travar uma guerra em duas frentes contra a parceria estratégica Rússia-China. Pelo menos há Monty Python para o resgate: o Ministério dos Passeios Imbecis foi gloriosamente ressuscitado como o Ministério das Estratégias Imbecis.

O lugar de honra vai para o telefonema feito pelo Pequeno Blinkie ao ministro dos Negócios Estrangeiros chinês Wang Yi – o qual contém todos os elementos de uma brilhante cena cómica. É estelar como a combinação por trás daquela nulidade (“Biden”) pode pensar que a liderança de Pequim influenciaria Putin para não exercer “agressão russa” contra o 404. À parte, talvez pudesse haver alguma discussão sobre a chantagem do “Indo-Pacifico”.

A trama veio abaixo, mais uma vez, com Wang Yi – lembra-se do Alasca? quando fez de Blinkie sopa de barbatana de tubarão. A lição-chave levou a melhor: A China apoia totalmente a Rússia; são os EUA que estão a desestabilizar a Europa; e se vierem mais sanções, a Europa pagará um preço terrível, não a Rússia, que naturalmente pode contar com uma ajuda séria da China.

Agora compare-a com a chamada telefónica entre Putin e Macron. Para começar, foi, para começar, cordial. Discutiram a “morte cerebral” (copyright Macron) da OTAN. Discutiram as proverbiais lantejoulas anglo-saxónicas. Discutiram mesmo a possibilidade de formar um grupo pan-europeu – uma espécie de anti-AUKUS – com a Rússia incluída, refreando a influência dos Cinco Olhos e inclinando-se a evitar por todos os meios uma guerra em solo europeu. De momento, é tudo conversa. Mas as sementes que mudam o jogo estão todas lá.

Cenários mal orientados insistem em que Putin explorou habilmente a obsessão imperial com a ascensão e crescimento da China para restabelecer a esfera de influência da Rússia. Disparate. A esfera esteve sempre lá – e não se mexe. A diferença é que Moscovo finalmente se fartou do pesado simbolismo que permeia a confusão não resolvida do 404: a mistura de Russofobia bruta em Washington e a contenção/encercamento da OTAN a bater à porta.

Metaforicamente, este pode vir a ser o Ano dos dois – sancionados – Tigres das Água Negra, um chinês e um siberiano. Serão perseguidos sem parar pela águia sem cabeça, cega à sua própria decadência irreversível e recorrendo sempre a passes desesperados em série na única “política” que conhece.

O perigo final – especialmente para os serviçais europeus – é que a águia sem cabeça nunca mais abandone o seu antigo estatuto de “indispensável” sem provocar outra guerra devastadora. Em solo europeu. Ainda assim os tigres persistem: em Pequim, antes de os Jogos começarem, eles darão mais um passo para enterrar irreversivelmente está “ordem internacional baseada em regras”.

[*] Analista político independente, jornalista.

O original encontra-se em www.strategic-culture.org/news/2022/02/03/the-year-of-tiger-starts-with-sino-russian-bang/

Este artigo encontra-se em resistir.info

 

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