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sexta-feira, 29 março, 2024

Mino Carta: O país do passado

Jantar na casa grande segundo Jean-Batiste Debret

O Brasil começa seu regresso à condição de colônia, como manda a casa-grande e aprovam, horribile dictu, vários moradores da senzala

Mino Carta— Carta Capital
O governo acaba de lançar uma campanha publicitária à sombra do lema “Vamos tirar o Brasil do vermelho”. Campanha maciça e longa, para a alegria da mídia nativa. O slogan seria da lavra do secretário-executivo dos Programas de Parcerias de Investimentos, Moreira Franco, e sutilmente teria duplo sentido: de um lado indicaria a determinação de executar um plano de ajuste fiscal feroz, do outro afirmaria o propósito de liquidar de vez a esquerda vermelha. Lembrei-me do tempo em que se acreditava na presença, atrás de cada esquina, de devoradores de criancinhas.
Neste Brasil primário dos dias de hoje, pretensamente atuais e assim mesmo tão vetustos, multiplicam-se os cidadãos altamente habilitados a acreditar em lorotas, sobretudo entre os moradores dos chamados bairros nobres, que de nobre nada têm.
O resultado das eleições municipais prova, também e felizmente, a existência de alguns, honrosos núcleos de resistência aos vencedores do golpe mais reacionário da história do País. Salta aos olhos, porém, a impossibilidade de maiores ameaças à tranquilidade da casa-grande, quando tantos, inúmeros, relegados à senzala votam no senhor da chibata…
No meu livro O Brasil, lançado em 2013, me ponho ousadamente a contar como o primogênito do senhor da casa-grande se torna herdeiro do pai conforme as leis medievais, enquanto o irmão rejeitado e revoltado, Caim da situação, passa a se dizer de esquerda, para arrepiar a família, amigos e apaniguados.
Falta-lhe a crença entre o fígado e a alma, falta-lhe, sobretudo, a convicção da urgência de acabar com a senzala. No meu entendimento, é o que explica muito do fracasso da esquerda brasileira, sem contar o comportamento de alguns, saídos da senzala, e ainda assim dispostos a concessões e compromissos, quando não candidatos e inquilinos da mansão nobiliar.
Há figuras de excelente fé em certos redutos que o governo define como vermelhos, mas são exceções, fenômenos escassos. De todo modo, resistentes e autênticos são aqueles que não traíram as palavras de ordem iniciais, bem ao contrário de inúmeros traidores. Aludo a resistentes como, por exemplo, os irmãos Gomes no Ceará, ou Marcelo Freixo, no Rio. Exemplos, insisto, porque há outros, velhos combatentes sempre alertas.
Sobra a percepção inexorável: houvesse uma esquerda forte, vermelho-carmesim, os cidadãos em boa saúde mental de um país infeliz, embora destinado à felicidade, surgido para ser potência e agora de volta à condição de colônia, estariam a celebrar outro desfecho de uma eleição que sela a vitória do golpe e garante a continuidade do plano celerado que até hoje o guia.
O big-bang está na eleição de Lula à Presidência, clangor tão ensurdecedor a ponto de não ser ouvido, mas daí se difundiu para alcançar o diapasão mais elevado a partir da segunda eleição de Dilma Rousseff. Agora vibra nos nossos ouvidos, mas para o partido de Lula é tarde.
Se sair do vermelho significa acabar de uma vez por todas com maiores riscos para o sossego da casa-grande, suponho que o momento seja favorável ao atraso ardorosamente buscado pela reação nativa, mesmo porque os ventos vindos do norte neoliberal por ora sopram a favor.
Já se significa sair da crise econômica, aqueles cidadãos acima citados fiquem precavidos. Sair do vermelho, para o governo Temer e quantos o sustentam, é simplesmente vender o Brasil. Como será provado. Confirma-se a normalidade da demência.
E eis que me cai nas mãos a gravura acima, obra de um retratista da casa-grande, um certo Debret, realista e, portanto, impiedoso. E perfeito até hoje. À mesa, toscos, vulgares donos da casa, caricaturas de uma aristocracia de fancaria. Compostos, dignos, os escravos.

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