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quinta-feira, 28 março, 2024

Maior consumidor de drogas: qual papel dos EUA no combate ao narcotráfico na América Latina?

AMÉRICAS

Sputnik – A Sputnik Brasil conversou com o professor da RI da UFF e especialista em políticas latino-americanas Thiago Rodrigues para esclarecer qual o verdadeiro papel dos EUA, maior consumidor de drogas do mundo, no combate ao narcotráfico, bem como se o Brasil precisa da ajuda norte-americana contra as drogas.

Os EUA acusam os países da América Latina de serem produtores de drogas e exigem que a Colômbia retome o uso de herbicidas. Contudo, os EUA são o maior consumidor de drogas do mundo.

Para esclarecer o papel dos EUA no combate ao narcotráfico, a Sputnik Brasil conversou com o professor da RI da UFF e especialista em políticas latino-americanas Thiago Rodrigues.

“Os EUA são o maior consumidor de todas as drogas ilegais, não apenas da cocaína. Claro que com a América Latina o principal produto é a cocaína, mas não é o único também. Agora há uma produção muito grande de heroína e de opioides sintéticos, que também são produzidos principalmente no México, e não na Colômbia”, explicou o professor.

De acordo com o professor, a cocaína ainda é basicamente colombiana, contudo, também há em regiões da Bolívia, Peru, enquanto outras drogas sintéticas são produzidas no México ou dentro dos próprios EUA e no Canadá.

“Os EUA, apesar do discurso de combate ao narcotráfico e das práticas de combate ao narcotráfico na América Latina, eles nunca deixaram de ser os principais consumidores. Aliás, o mercado de drogas ilegais só tem crescido ao longo das décadas […] apesar da chamada guerra contra o narcotráfico ter aumentado. Há um paradoxo nessa história, que a guerra contra o narcotráfico ficou mais intensa, mas ao mesmo tempo o consumo de drogas ilegais cresceu […] A guerra contra o narcotráfico não funciona para diminuir a produção de drogas ilegais e nem o seu consumo”, ressaltou.

O professor afirma que este fracasso se deve ao fato de as ações terem uma ênfase repressiva, e não uma ênfase de educação ou prevenção.

É possível quebrar este círculo vicioso?

Uma estratégia que vem sendo utilizada contra este círculo vicioso, inclusive pelos EUA, é a política de legalização de drogas ilegais.

“Nos EUA e no Uruguai, que são países onde se tem experimentado a legalização da cannabis, os resultados têm sido muito bons, tem diminuído o consumo de cannabis e diminuiu praticamente tudo do tráfico ilegal, ou seja, o comércio e a venda de cannabis passou a ser legal, ou por empresas, no caso dos EUA, ou, no caso do Uruguai, por produtores particulares autorizados pelo Estado”, declarou.

Polícia da Costa Rica encontra maconha e cocaína durante buscas
© AFP 2021 / EZEQUIEL BECERRA
Polícia da Costa Rica encontra maconha e cocaína durante buscas

Outra estratégia que pode ser utilizada é a preventiva, que nada mais é que a educação não repressiva, ou seja, educar os jovens para que eles conheçam melhor estas drogas, em vez de terem contato com substâncias de que não possuem qualquer conhecimento.

“A combinação entre educação, prevenção, tratamento médico para as pessoas que tenham problemas com o uso de droga, ou seja, a não criminalização do usuário. Então, são elementos que combinados podem diminuir os prejuízos do narcotráfico, mas a repressão, que é a tática principal ainda adotada, tem se mostrado não só ineficaz, mas também prejudicial”, adicionou.

Situação do Brasil e possível apoio dos EUA

Com relação ao Brasil, o professor acredita que o país esteja significativamente atrasado em termos de legislação de drogas, com a atual lei tendo sido aprovada em 2006.

De acordo com Thiago Rodrigues, esta lei tem uma contradição, já que procurou, por um lado, descriminalizar o usuário, contudo, por outro, aumentar as penas para o traficante.

“Ao invés dela descriminalizar tanto a produção e o comércio quanto o uso, ela procurou aliviar a pena para o usuário e aumentar a pena para a produção, para o tráfico, para a venda de drogas ilegais. O resultado disso foi um aumento muito grande do número de presos sob a acusação de narcotráfico […]”, ressaltou.

Além disso, o professor ressalta que parte do problema brasileiro é o consumo do próprio país e da Europa, pois a cocaína que passa pelo Brasil não é destinada aos EUA, mas sim ao próprio Brasil e à Europa, através da África, ou pela Espanha, Portugal, Itália e Bálcãs.

Agentes da Agência de Investigação Criminal Técnica recolhem pacotes de cocaína durante operações policiais no batalhão da Polícia Militar em Honduras
© REUTERS / FREDY RODRIGUEZ
Agentes da Agência de Investigação Criminal Técnica recolhem pacotes de cocaína durante operações policiais no batalhão da Polícia Militar em Honduras

“A relação do Brasil com os EUA é mais no sentido do apoio conceitual à proibição, à repressão […] mas não existe muita relação de mercado, porque o Brasil já é considerado o segundo maior mercado consumidor de cocaína do mundo, depois dos EUA”, observou.

Para o professor, há uma pressão dos EUA para que o Brasil mantenha esta política repressiva internamente, e essa pressão tem apoiadores no Brasil, como políticos, Foças Armadas, polícias e uma grande parte da população brasileira.

Guerra contra narcotráfico

Thiago Rodrigues destaca que a guerra contra o narcotráfico é “um sucesso no fracasso”, ou seja, cada vez que ela fracassa, é um sucesso por sempre fracassar.

“Quando ela fracassa, e ela sempre fracassa, a proposta é que ela seja renovada, ao invés de mudar, continua com a mesma tentativa […]”, afirmou.

Além disso, o professor enfatiza que a política de repressão existe devido a muitos interesses econômicos na guerra contra o narcotráfico, já que ela custa muito dinheiro, ou seja, “a compra de equipamentos, armamentos, veículos, satélites, aviões, barcos, a mudança de equipamentos das polícias, isso tudo custa dinheiro, e as principais indústrias do mundo que produzem este tipo de equipamento estão justamente na Europa e nos EUA”.

“A proibição exige que os países como o Brasil, os EUA, os Estados, gastem muito dinheiro para comprar, equipar e renovar equipamentos de polícia e militares. A continuação da repressão exige a continuação das compras. Então, é um grande negócio, um negócio importante para a indústria das armas”, explicou.

Polícia de Portugal e da Espanha apreendem 5,2 toneladas de cocaína em Almada, Portugal, 18 de outubro de 2021
© REUTERS / PEDRO NUNES
Polícia de Portugal e da Espanha apreendem 5,2 toneladas de cocaína em Almada, Portugal, 18 de outubro de 2021

Ele também destacou que o negócio também é importante para a indústria química, que ganha muito com a existência do narcotráfico, pois a produção de drogas exige o uso de produtos químicos, como acetona, éter, gasolina, vários tipos de solventes e outras substâncias químicas.

“Parte dessa produção é desviada para o mercado ilegal. É muito rentável a existência de um mercado grande ilegal. A indústria de armas, em especial, ganha muito dinheiro porque as armas são vendidas para todos. As mesmas armas que são compradas para a polícia e para o Exército, são compradas pelos traficantes também. O tráfico de armas é muito vinculado ao tráfico de drogas, porque as organizações ilegais consomem muitos armamentos […]”, afirmou.

Além disso, há interesses políticos como, por exemplo, os políticos que defendem a proibição.

“Como existem muitas pessoas que acreditam que a proibição seja o melhor caminho para combater as drogas, estas pessoas tendem a votar em políticos que defendem a repressão. O discurso da repressão é um discurso que conquista votos”, destaca.

Discurso contra o narcotráfico pode ser utilizado nas eleições no Brasil?

“Do lado conservador, do lado de Bolsonaro por exemplo, esse é o discurso, que é preciso reprimir mais ainda, que é preciso que a polícia use a violência contra a população pobre, que é preciso prender mais ainda. O discurso conservador bolsonarista é muito repressivo”, segundo o professor.

De acordo com Thiago Rodrigues, isso impacta também no discurso da esquerda, porque a tendência é que a esquerda seja mais conservadora, justamente para evitar ser acusada pelo bolsonarismo de ser favorável às drogas.

Guerra sem vencedores que custa caro

Segundo o professor, o importante é as pessoas saberem que a guerra contra o narcotráfico nunca é vitoriosa, e continua porque existem muitos interesses econômicos e políticos para que ela continue.

O mercado de droga não varia com a diminuição da oferta, porque as pessoas que consomem drogas e que são viciadas não vão parar de usar drogas se tiver menos. Isso vai apenas elevar o preço das drogas, resultando no surgimento de outras drogas mais baratas, que geralmente são piores para a saúde.

Polícia Civil apreende 7 fuzis e 2 toneladas de maconha em caminhão de frango na Avenida Brasil, na cidade do Rio de Janeiro
© FOLHAPRESS / JOSE LUCENA
Polícia Civil apreende 7 fuzis e 2 toneladas de maconha em caminhão de frango na Avenida Brasil, na cidade do Rio de Janeiro

“Só pensa em alternativa quem efetivamente quer controlar e acabar com o narcotráfico, porque na verdade a repressão não tem conseguido acabar com o narcotráfico, e a história tem mostrado que não vai acabar, mas a maioria das pessoas acredita que a repressão é o caminho e por conta dessa crença, a política não muda”, observa.

Thiago Rodrigues diz que é preciso que as pessoas pensem de uma forma diferente, para entenderem que o melhor caminho para enfraquecer o narcotráfico é diminuir a repressão, legalizando, e não criminalizando, o narcotráfico.

As opiniões expressas nesta matéria podem não necessariamente coincidir com as da redação da Sputnik

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