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quinta-feira, 28 março, 2024

Macri, Temer e Cartes vetam a Venezuela e bloqueiam o Mercosul

Seguindo com o sistema rotativo por ordem alfabética, Venezuela assumiu em 29 de julho a presidência pro tempore do Mercosul; todavia, os presidentes da Argentina, Brasil e Paraguai não a reconhecem, e ao afetar Caracas bloqueiam este mecanismo regional e servem aos interesses dos Estados Unidos.
Por Emilio Marín, na Prensa Latina
O direito da Venezuela a ocupar a presidência rotativa do Mercado Comum do Sul (Mercosul) era claro. Lamentavelmente, a oposição de três dos sócios também era evidente, porque em junho e julho passado houve declarações e manobras nesse sentido.

Ao final, a colisão se produziu. Uruguai, que ocupava esse lugar desde o final de dezembro passado, considerou que seu mandato havia expirado e em 29 de julho seu presidente, Tabaré Vázquez, assim anunciou. A mesma comunicação estendeu seu chanceler Rodolfo Nin Novoa, que tinha tratado sem êxito de habilitar a transferência da presidência à Venezuela, lidando com o bloqueio das chancelarias da Argentina, Brasil e Paraguai.

Nin Novoa sentiu que a coisa não dava mais quando esses colegas se negaram a participar de uma reunião em 30 de julho em Montevidéu. O trio mais alinhado a Washington o deixou só, para não legitimar a transferência da presidência do bloco a Caracas.

O governo uruguaio, foi o único dos sócios plenos que insistiu que a presidência devia ser para o Palácio de Miraflores, onde mora Nicolás Maduro. Ante o boicote à reunião de Montevidéu, o governo uruguaio pôs um ponto final no seu mandato.

Chegado esse extremo, o governo venezuelano decidiu assumir o lugar que lhe correspondia. E emitiu um comunicado onde dizia: “vimos informar que, a partir do dia de hoje, a República Bolivariana da Venezuela assumirá com satisfação o exercício da Presidência Pró Tempore do Mercosul, fundamentado no artigo 12 do Tratado de Assunção e em correspondência com o artigo 5 do Protocolo de Ouro Preto”.

As referências protocolares fazem alusão a que a rotação se realiza quando transcorrem os seis meses da presidência anterior e quem venha à ocupá-la o faça por ordem alfabética. Vázquez tinha assumido em dezembro de 2015 das mãos do paraguaio Horacio Cartes, em Assunção. E seu período expirava em 1 de julho de 2016. Após o “U” de Uruguai, vem o “V” da Venezuela. Mais claro que isso, só água…

O problema não é de procedimentos, ainda que agora a chanceler argentina Susana Malcorra queira impugnar a transferência à Venezuela dizendo que não houve consenso nem ato. Ela mesma causou essa carência, com seus colegas José Serra (Brasil) e Eladio Loizaga (Paraguai).

O assunto é político até a medula. Os que vetam a Venezuela são aliados dos Estados Unidos e colaboram na campanha empreendida pelo império para tentar derrubar o governo de Hugo Chávez e desde 2013 o de Maduro.

No conjuntural, esse trio veio a fracassar na OEA em suas moções sancionatórias contra o governo bolivariano, ao qual acusaram de se comportar como uma ditadura e violar os direitos humanos. Na Assembleia Geral passada não tiveram êxito, apesar de que tinham conseguido colocar à frente da moção o secretário geral da entidade, o uruguaio Luis Almagro.

Nessa ocasião, quem mais tentou sancionar Caracas foi a representação do Paraguai, ainda que se soubesse que – na semipenumbra – os que moviam esses fios eram o Itamaraty e o Palácio San Martín.

Inclusive, em meio a esta crise visitou Buenos Aires o secretário norte-americano de Estado, John Kerry; disse que veio para relançar o Diálogo de Alto Nível com o governo argentino que se desvaneceu há 15 anos junto com o mandato do presidente Fernando de la Calle quando fugiu de helicóptero da Casa Rosada.

O próprio Kerry, qual claro orientador, afirmou em coletiva de imprensa com Malcorra que “falou extensivamente com ela sobre a Venezuela”, e inclusive não mediu palavras ao se referir à urgência de insistir na realização, o quanto antes, do revogatório contra Maduro e ressaltou que não devia se deixar para o próximo ano.

É assim a premência de Washington tentando dar o golpe contra o governo bolivariano. Daí que em sua passagem por Buenos Aires, obviamente, deixaria as instruções sobre o que mais fazer contra Caracas.

Os culpados

Como costuma ocorrer nos conflitos políticos, cada parte atribui à outra a culpa. Malcorra, Serra e Loizaga estão furiosos com Nin Novoa por ter anunciado o final do mandato uruguaio e não ter aceitado prolongar até agosto ou setembro, como pediam, aguardando uma melhor oportunidade.

Supõem que o governo de Maduro entrará em crise nesse período e poderiam argumentar melhor a negativa de tolerar à frente do mercado comum. E a chancelaria uruguaia disse que fez o correto: seu mandato havia expirado e tinha um país com credenciais constitucionais pronto a ocupar seu lugar.

O leitor pode se perguntar: se Argentina, Brasil e Paraguai detestavam tanto a Venezuela, por que permitiram seu ingresso ao bloco? A resposta é simples. Venezuela obteve sua justa cadeira em 2012, quando Argentina era governada por Cristina Fernández de Kirchner e Brasil por Dilma Rousseff, e Paraguai estava suspenso, sancionado pelo golpe de Estado parlamentar que tinham consumado contra o presidente Fernando Lugo. Nessas condições excepcionais, com apoio também do uruguaio José Mujica, foi que Chávez, no período final de sua vida, pôde ver realizado o sonho integracionista de se somar ao Mercosul.

Como é óbvio, várias dessas circunstâncias têm mudado dramaticamente. Com Macri pela via eleitoral, com Temer pela via golpista e com Cartes por eleições organizadas por um governo golpista, esse tripé do Mercosul tornou-se anti-Venezuela ao ponto de desrespeitar os regulamentos.

É bem possível que a Bolívia seja tratada de maneira semelhante. Na cimeira de Brasília, em julho de 2015, Evo Morales conseguiu que os demais presidentes assinassem o protocolo de incorporação de La Paz ao Mercosul, ao qual era associado. Passou assim a ser membro pleno, mas seu trâmite de incorporação – que ia se completar no fim desse ano ou início de 2016 – segue inconcluso. Como além de sua afinidade política com a Venezuela, Bolívia saudou assumir a presidência pro tempore de 30 de julho como um fato muito auspicioso, é provável que como castigo, os pesos pesados do clube demorem mais para lhe entregar o documento de adesão.

Trata-se de um mercado importante, que nasceu em 1991 como uma zona livre de impostos entre os sócios, mas que foi adquirindo qualidades de integração no decorrer dos tempos terceiro-mundistas que começaram a viver depois da derrota da ALCA em 2005.

Integram-no Argentina, Brasil, Paraguai, Uruguai e Venezuela, com Bolívia na condição descrita, e Guiana, Suriname, Equador, Peru, Colômbia e Chile como sócios e convidados.

Resultados

Atendendo a seus números, como bloco econômico o Mercosul é a quinta economia do mundo e representa mais de 70% da população (290 milhões de habitantes) e do Produto Interno Bruto (PIB) da América Latina.

Quando nasceu, há 24 anos, seu intercâmbio comercial era de somente 5.100 bilhões de dólares e se multiplicou por 10 até 58.200 bilhões em 2012. Se nos últimos dois anos isso baixou foi por consequência das crises econômicas a nível internacional e em particular do sócio majoritário, Brasil.

Mais ainda, com as presidências de Macri e Temer, os dois países mais significativos já dão mostras de recessão, retrocesso interno e no intercâmbio com os sócios.

Parecem voltar a suas fontes, como quando em 1991 o titular do Mercosul era Carlos S. Menem, no Planalto estava Fernando Collor de Mello, e em Assunção o golpista geral Andrés Rodríguez, consogro do ditador Alfredo Stroessner.

Os problemas econômicos e comerciais do Mercosul têm duas soluções possíveis muito diferentes.

Uma seria retomar a integração latino-americana, com defesa dos recursos da região, planos para um desenvolvimento industrial que supere os modelos extrativistas, um Banco do Sul proposto oportunamente por Rafael Correa e alianças com o BRICS, fundamentalmente China e Rússia.

Um modelo regional desta natureza buscaria no plano político consolidar as autonomias conquistadas desde que em novembro de 2005, em Mar del Plata, vários presidentes conseguiram sepultar o projeto de George Bush.

Claramente não é isso o que pensam Macri, Temer e Cartes. Sua cartilha é acoplar o Mercosul com a Aliança do Pacífico, onde dão as mãos Chile, Peru, Colômbia e México, sócios privilegiados dos EUA.

O trio que hoje bloqueia a Venezuela no Mercosul quer retomar as negociações para assinar um acordo com a União Europeia, que desde 2004 até 2010 estiveram interrompidas e desde então até hoje não conseguiram prosperar pelas condições leoninas pretendidas por Bruxelas.

Macri e Temer acreditam que a negociação chegará a resultados positivos e serão abertos aqueles mercados para seus produtos e choverão investimentos de milhares de milhões de dólares.

Argentina, Brasil e Paraguai têm ilusões de acompanhar a Casa Branca no Tratado Pós Pacífico (TPP) com os sócios de Washington naquela região asiática, sem se importar que isso suponha embarcar em um plano contra Pequim, com todos os riscos que isso implica.

Esse programa, ao qual Macri se refere, está à vista. Recebeu Obama como um herói em março e hoje se reúne com John Kerry; foi à reunião da Aliança do Pacífico em 1 de julho em Punta Varas e abraçou Peña Nieto na Casa Rosada como se fosse um grande democrata, além de ir a Paris, Bruxelas, Berlim e Idaho, e cumprir com seu ritual nos CEO de Davos.

Para os pops do neoliberalismo, Venezuela é uma espinha atravessada em seu plano de se realocarem como sócios menores dos impérios estadunidense e europeu. E é tal seu ódio a Caracas que são capazes de romper o Mercosul ou até mandá-lo ao freezer, com o objetivo de não lidar com Maduro e ter as mãos livres para aplicar uma política nada soberana.

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