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quinta-feira, 25 abril, 2024

Macri deve começar novo governo argentino entrando em atrito com a Venezuela

Especialistas apontam que um conjunto de fatores colaborou para a chegada de Mauricio Macri ao poder, como debilidades do candidato opositor e sua campanha eleitoral, além de problemas na atual gestão do governo de Cristina Fernández de Kirchner.

Cristina Fontenele
Adital

Com a vitória histórica em segundo turno, o novo presidente argentino eleito, Mauricio Macri (do Cambiemos – Mudemos, em português), pediu a união do povo para que o país encontre o “caminho do desenvolvimento”. Em contrapartida, o direitista Macri já revela duras que implantará medidas nas relações internacionais argentinas, sinalizando que deve pedir a suspensão da Venezuela do Mercosul, na próxima reunião do bloco. As avaliações sobre a o futuro governo de Macri, que ganhou com apenas 2% de diferença sobre Daniel Scioli (candidato da Frente para a Vitória, apoiado pela atual presidenta, Cristina Fernández), questionam a relação do novo mandatário com os Estados Unidos, e se as políticas de governo terão bases populares.

Em entrevista à Adital, Ramón Pablo Videla, membro do Centro Internacional para a Promoção de Direitos Humanos (CIPDH), destaca que, após 12 anos de convivência com uma política de Estado inclusiva, a partir de 10 de dezembro, quando assume o novo presidente, serão quatro anos de uma proposta cuja filosofia se contrapõe ao que, atualmente, é aplicado na Argentina.

Segundo Videla, que também é funcionário do Ministério da Justiça e Direitos Humanos da Argentina, a chegada de Macri ao governo trará um projeto nacional consolidado a partir de uma política neoliberal de mercado, com base em “relações carnais” com o FMI (Fundo Monetário Internacional). Além de monopólios do capital. Estratégia com a qual “já padecemos os argentinos e a região do Cone Sul, nos anos de terrorismo de Estado.”.

Portanto, de acordo com o ativista, em detrimento das grandes massas atuará o governo “neoliberal” de Macri, que tratará de combater e destruir os ganhos sociais alcançados, e uma resistência opositora, manifestada na defesa dos direitos conquistados. Videla observa que a nova aliança gerenciada por Macri pode gerar uma “economia dual”, que somente garante presente e futuro para um setor relativamente pequeno da sociedade argentina. E “que obtém êxito mediante a exploração e marginalização da grande maioria do povo”.

À Adital, Juan Manuel Karg, cientista político argentino e analista internacional, articulista da Adital, também avalia a vitória de Macri e comenta sobre o que se pode esperar do novo governo. Segundo ele, há um complexo panorama de governabilidade para o novo presidente, com minoria nas duas câmaras do Legislativo e baixa representação entre os governadores das províncias. Mas, em favor do novo mandatário, estariam os meios de comunicação, “que desempenharam um papel de destaque nesse resultado.”, aponta.

O questionamento que faz o cientista político é: “para quem governará Macri?”. Pois existem dúvidas se o presidente eleito manterá as políticas sociais promovidas pelo kirchnerismo e se ele governará direcionado às maiorias.

A forma como Macri se apresenta – “gerente” do próprio governo – é a principal mudança ideológica enquanto presidente, pontua Karg. Outra mudança importante é a “atitude hostil” com a Venezuela e o governo de Nicolás Maduro, o que seria, na visão de Karg, uma clara intenção de incidir sobre a eleição do país venezuelano, que ocorrerá no próximo dia 06 de dezembro. “Macri busca um ‘efeito rebote’ em Caracas [capital da Venezuela], visando a conseguir que a oposição a Maduro, centrada na MUD [Mesa da Unidade Democrática], alcance êxito.”, observa.

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A oposição de Macri em relação a Venezuela seria uma tentativa de desestabilizar o governo venezuelano, diante as próximas eleições no dia 06 de dezembro.

Segundo o analista internacional, a interpretação de Macri em relação à cláusula democrática sobre a Venezuela é errada. “Esta somente pode ser implementada quando há um golpe de Estado em curso no país, tal como ocorreu com o Paraguai, após a chegada de Federico Franco ao governo”. Para Karg, existe um apoio explícito do novo presidente argentino ao MUD e, passadas as eleições da Venezuela, provavelmente, o tom de acusação sobre Caracas diminuirá. “Isto se verificará (para sim ou para não) no próximo dia 21 de dezembro, em Assunção, Paraguai, quando o presidente argentino estreia na Cúpula do Mercosul.”.

Sobre a oposição a Maduro, o Partido Comunista da Argentina rechaça, em nota de imprensa, a postura de Macri e apela para as forças populares e democráticas, que defendam a soberania nacional e a unidade latino-americana. “Ao propor tal cláusula, praticamente como primeira medida de governo, o presidente eleito manifesta o caráter de dependência aos Estados Unidos, uma vez que a campanha de desestabilização contra o legítimo governo de Nicolás Maduro é dirigida de Washington.”

No documento, o Partido lembra os 10 anos de derrota da Alca [Aliança de Livre Comércio das Américas], indicando que a atual conduta de Macri seria uma retomada de conteúdos “pró-imperialistas e antipopulares”.

Relações internacionais

Entre as principais ações de governo, no tocante às relações com os presidentes latino-americanos, Karg aponta que o mandatário argentino tentará vincular-se à Aliança do Pacífico. O presidente mexicano, Enrique Peña Neto, foi um dos primeiros a saudar Macri, e tendo em vista a proximidade ideológica de ambos, a relação pode avançar tranquila. Com a presidenta chilena, Michelle Bachelet, o cientista político avalia que, devido à conduta “pragmática” da chilena, a relação entre os países deve ocorrer sem sobressaltos. No entanto, no tocante à Colômbia pode haver complicações, tendo em vista que Macri apoia há anos o ex-presidente Álvaro Uribe Vélez, ferrenho opositor do atual governo de Juan Manuel Santos, e acusado de envolvimento com os paramilitares.

Para Karg, a relação de Macri com o “bloco progressista” latino-americano buscará um entendimento equilibrado com a presidenta brasileira, Dilma Rousseff; evitará opinar sobre a Bolívia e o Equador, embora Jaime Durán Barba (assessor de campanha, que revitalizou a imagem de Macri) assessore Mauricio Rodas, opositor do presidente equatoriano, Rafael Correa. Sobre a Venezuela, Karg entende que o presidente argentino apresentará suas denúncias contra aquela que é vista como “a nova Cuba”, por parte das forças conservadoras do continente, “que buscarão a todo custo o fim do chavismo”.

abuelas.org
Organizações de direitos humanos estão preocupadas com a postura do novo presidente argentino em relação aos crimes cometidos durante a ditadura.

Direitos humanos

Em matéria de direitos humanos, Macri declarou, em entrevistas, que “comigo se acaba a “ditadura” [curro] dos direitos humanos”. Segundo Karg, a frase foi recebida pelas organizações de direitos humanos como um péssimo indicador. Entidades que há 12 anos têm atuado de forma relevante na vida política e institucional do país.

Para ilustrar a gravidade do tema, Karg citou o polêmico caso envolvendo o editorial do jornal La Nación, no último dia 23 de novembro. Intitulado “No más venganza” (“Não mais vingança”, em português), o editorial divulgou que “a eleição de um novo governo é o momento propício para terminar com as mentiras sobre os anos 1970 e as atuais violações aos direitos humanos”. Afirmando que a cultura de vingança tem sido pregada nos meios de comunicação do Estado e nas escolas habituadas a seguirem as pautas históricas “nada confiáveis do kirchnerismo”, o periódico defendeu o fim dos julgamentos de militares envolvidos em crimes de lesa humanidade.

Logo após a publicação, jornalistas, inclusive, do próprio La Nación, se posicionaram contra o editorial. Também rechaçaram a publicação as Avós da Praça de Maio, organização dedicada a localizar crianças sequestradas e desaparecidas durante a repressão política na Argentina.

Para Pablo Videla, a expectativa é que Macri se pronuncie não somente para afirmar que os julgamentos devem continuar, e que não abrirá as portas dos cárceres para os genocidas, assim como manifestar-se sobre as investigações dos civis cúmplices da ditadura.

Colaborou Marcela Belchior

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Cristina Fontenele

Repórter.
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