Soldados que atuam na região do Grajaú, zona sul de São Paulo, foram presos em flagrante, por volta das 21h da última segunda-feira (30/01), com grande quantidade de drogas dentro da viatura. O kit flagrante, que geralmente é utilizado por PMs para forjar prisões, estava com os soldados de 1ª classe do 50º Batalhão da PM, no Jardim Guanabara, André Nascimento Pires e Rodrigo Guimarães Gama.
Veja a matéria da Ponte Jornalismo que denuncia detalhadamente o caso
O kit flagrante é mais um caso que levanta a discussão acerca do nosso sistema de justiça, racismo estrutural e do poder da palavra do policial, em um momento em que a crise e perversidade do nosso sistema carcerário se escancara.
Nos tribunais e em fóruns espalhados pelo país, reina a máxima de que a palavra do policial tem credibilidade suficiente para, somente com seu depoimento, condenar uma pessoa. Em termos práticos, significa que se a pessoa for levada ao distrito policial e o único material para acusação for a palavra do próprio policial que efetuou a prisão, isso é o bastante para que ela seja condenada em todas as instâncias do Judiciário. Não por acaso, muitos dizem que os juízes e promotores se transformaram em extensões da viatura policial.
Em casos de roubo, furto e tráfico isso é muito comum e distancia o sistema de acusação de colher provas para sustentar um caso, ampliando a margem de erro judicial e diminuindo drasticamente o direito de defesa.
O Delegado de polícia civil do Rio de Janeiro, Orlando Zaccone, diz que é preciso pensar politicamente na construção do delinquente no Brasil. “A legitimidade na ação letal da polícia é baseada na identificação do morto como um jovem que mora na favela, às vezes, tem uma passagem na polícia e isso é suficiente para legitimar a sua própria morte. Isso serve também para legitimar a veracidade da narrativa policial”, afirma. Ele relembra o caso emblemático do assassinato do Amarildo, que gerou comoção e revolta social e em todos os jornais do país foi publicada a machete: “PM do Rio assassinou um pedreiro”.
Orlando indaga se Amarildo fosse traficante se haveria comoção e, neste sentido, é muito fácil um PM incriminar um morador da favela como traficante. Para ele, é necessário pensar a ação policial como um aparelho do Estado. “Os policiais não construiriam flagrantes onde essa construção não fosse já previamente definida em um ambiente social, esse é que o problema”, diz.
Cada vez que o juiz encontra um fundamento para entender desnecessário o seu controle da ação policial, quando legitima uma busca sem mandado porque, afinal, encontrou-se droga na residência, ou condena com base em confissões informais do qual apenas o policial que prendeu o réu foi testemunha, dá aval para uma ação sem limites.
– Marcelo Semer, Juiz de Direito, em artigo publicado no Justificando.