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sexta-feira, 29 março, 2024

Irã contra Iraque: a guerra de mártires que levou 2 países à devastação

ORIENTE MÉDIO E ÁFRICA

Sputnik – Em 22 de setembro, é comemorado o 40º aniversário do início da Guerra Irã-Iraque. Este conflito sangrento estendeu-se por oito longos anos, levando centenas de milhares de vidas. Efetivamente, a guerra foi em vão: nenhuma das partes alcançou seus objetivos. A Sputnik traz os destaques deste conflito.

Ao longo da história, as relações entre Irã e Iraque foram sempre complexas e, em alguns períodos, turbulentas. Durante décadas e séculos, os laços foram afetados por questões fronteiriças. Reclamações territoriais e luta pelo domínio do golfo Pérsico foram determinantes. Com o passar do tempo, as relações se deterioraram, culminando em 1980 com início de conflito armado.

De fato, durante todo o século XX, as terras adjacentes – ricas em petróleo – ao rio Shatt Al-Arab, que desagua no golfo Pérsico, foram a razão da discórdia entre os dois países vizinhos.

Em 1975, as relações entre Teerã e Bagdá estavam no seu ponto mais alto em décadas. O Estado Imperial do Irã, liderado pelo xá Mohammad Reza Pahlavi, assinou um acordo sobre a fronteira com o Iraque: ficou estabelecida ao largo do rio Shatt Al-Arab.

O ano de 1979 foi o ponto de inflexão tanto para o Irã como para o Iraque. Nesse ano, Saddam Hussein chegou ao poder como presidente iraquiano, enquanto no Irã a Revolução Islâmica culminou, de igual modo, com o estabelecimento de uma República Islâmica. Hussein voltou a apresentar reclamações territoriais por parte do Iraque, uma vez que acreditava que Teerã estava demasiada fraca após a revolução para resistir. O líder iraquiano também exigiu a criação de uma autonomia árabe na província iraniana do Cuzistão.

Porém, o presidente iraquiano se enganou: o líder supremo do Irã, aiatolá Ali Khamenei, renegou as exigências do seu vizinho árabe. Consequentemente, Hussein anunciou a anexação dos territórios a leste do rio Shatt Al-Arab e, em 22 de setembro de 1980, ordenou que as Forças Armadas iraquianas invadissem o Irã.

Interesses externos

Vale destacar que os Estados Unidos tiveram o maior interesse em um conflito armado entre Irã e Iraque, uma vez que Teerã acabava de sair da zona de influência de Washington. Quando o regime de xá caiu no Irã, o país começou a seguir a sua própria política independente, algo que os “falcões” americanos não podiam tolerar. Assim, apostaram em Bagdá, juntamente com o reestabelecimento de suas relações diplomáticas, fazendo um esforço conjunto para o fornecimento de armamento às Forças Armadas do Iraque.

Parecia mais conveniente aos EUA ter relações com um Iraque meio-socialista, do que com um Irã islâmico e radicalmente antiamericano. Washington começou a considerar Iraque o seu bastião para estabelecimento na região do golfo Pérsico. Especialistas bélicos americanos temiam a crescente influência do Irã, bem como as suas possíveis tentativas de exportar a Revolução Islâmica a outros países na região.

Washington também se preocupava com o crescente papel da URSS no Oriente Médio, após a invasão soviética no Afeganistão. Um conflito entre o golfo Pérsico poderia minar a estabilidade na região, bem como desacelerar a influência de Teerã ou de Moscou nesta zona específica. Na primavera de 1980, Washington tomou a decisão de favorecer a escalada de tensões entre Iraque e Irã, e tal esforço se mostrou produtivo.

Míssil na exposição em comemoração da Semana da Defesa Sagrada que marca o início da Guerra Irã-Iraque, de 1980 a 1988, 25 de setembro de 2019
© AP PHOTO / VAHID SALEMI
Míssil na exposição em comemoração da Semana da Defesa Sagrada que marca o início da Guerra Irã-Iraque, de 1980 a 1988, 25 de setembro de 2019

 

Saddam Hussein denunciou o acordo bilateral com o Irã sobre o limite no rio Shatt Al-Arab. O líder iraquiano apresentou reclamações sobre a província do Cuzistão – que tinha uma minoria árabe significativa, pois com a Revolução Islâmica, os movimentos separatistas dentro da nação persa levantaram as suas vozes, e Hussein tratou de tirar proveito do momento.

Também acreditava que o Irã fosse fraco nas áreas econômica e militar, mas subestimou a determinação da nação persa e do seu Exército.

O curso da guerra

O conflito entre os dois países do golfo Pérsico pode ser dividido em quatro períodos. O primeiro é relativamente curto, mas muito intenso: entre setembro e novembro de 1980, tomou lugar uma manobra ofensiva de grande escala por parte do Iraque. Então, as forças iranianas defenderam o seu território destemidamente. O segundo período da guerra, entre dezembro de 1980 e agosto de 1981, caracterizou-se pela estabilização das linhas de frente.

O terceiro período situou-se entre setembro de 1981 e agosto de 1982, e se destacou pela ofensiva iraniana: as forças persas liberaram o seu território nacional e cruzaram a fronteira com o Iraque. O quarto e último período é o mais longo, tendo se arrastado por quase seis anos, até 20 de agosto de 1988. Este foi caraterizado por uma guerra de desgaste. No final, a guerra terminou porque as partes envolvidas não conseguiram resolver o conflito através da violência.

Curiosamente, na primeira etapa, Teerã não conseguiu dar uma resposta sólida à invasão iraquiana por sofrer uma escassez drástica de munições, armas e outros materiais bélicos. Faltavam peças de artilharia e veículos blindados, fazendo com que Irã apostasse nos seus soldados e nas milícias populares. Isto explica o porquê das perdas iranianas de pessoal terem sido tão altas no primeiro período do conflito armado.

Míssil Ghadr-H frente ao retrato do supremo líder iraniano, Ali Khamenei, Teerã
© AP PHOTO / VAHID SALEMI
Míssil Ghadr-H frente ao retrato do supremo líder iraniano, Ali Khamenei, Teerã

 

Muitos soldados iranianos sacrificaram suas vidas expulsando o Exército invasor, e muitos estavam decididos a morrer pelo Irã. E assim foi em muitos casos: houve, inclusive, muitas situações em que era claro prever morte certa. Nas linhas de frente persas não lutaram apenas homens, mas mulheres e adolescentes.

No Irã, esta guerra foi considerada uma luta sagrada contra os Estados Unidos e o sionismo, e não uma guerra contra outro país muçulmano. Com o passar do tempo, as forças persas conseguiram pôr fim à invasão iraquiana.

Um empate é melhor que uma derrota

Durante a guerra, Saddam Hussein entendeu que não conseguiria vencê-la. Deste modo, em várias ocasiões propôs acordos de paz. No final, celebraram-se, pelo menos, cinco conferências de paz, mas sem sucesso, uma vez que Irã estava determinado a lutar até a vitória. Adicionalmente, a população persa via o fim da guerra como algo negativo, naquela etapa.

O povo iraniano não queria sair da guerra, apesar da devastação econômica e a brutalidade dos combates. Os beligerantes causaram a maior quantidade de danos imagináveis, não se tratando somente das vítimas militares, mas do grande dano na economia nacional. Por exemplo, o conflito se destacou pela “guerra dos navios-tanque”, tendo sido estes atacados por bombas e mísseis.

Por sua vez, o Iraque recorreu à guerra química contra as forças iranianas. Resumidamente, registraram-se mais de uma dezena de casos de uso de substâncias químicas, o que resultou na morte de milhares de persas.

Bagdá, entre outras coisas, tinha uma grande vantagem pela sua Força Aérea. Contudo, os iranianos se sobressaíram em valentia. Em abril de 1981, a Força Aérea iraniana realizou uma operação arriscada contra a base iraquiana H-3, localizada longe da fronteira com o Irã: esta base se encontrava na parte ocidental do Iraque, na fronteira com a Jordânia. Os pilotos iranianos destruíram quase 50 aeronaves iraquianas, e não sofreram baixas nem qualquer tipo de retaliação.

Mulher iraniana chorando ao lado do caixão de soldado que foi morto durante a Guerra Irã-Iraque, de 1980 a 1988. Cujos restos foram recentemente encontrados no campo de batalha, 26 de junho de 2019, em Teerã, Irã
© AP PHOTO / VAHID SALEMI
Mulher iraniana chorando ao lado do caixão de soldado que foi morto durante a Guerra Irã-Iraque, de 1980 a 1988. Cujos restos foram recentemente encontrados no campo de batalha, 26 de junho de 2019, em Teerã, Irã

 

Nenhuma das partes rivais foi capaz de alcançar seus objetivos, mas foi o Iraque que saiu em pior estado, pois fracassou nas tentativas de anexação do Cuzistão. Nas etapas seguintes da guerra, Bagdá entendeu que tudo tinha sido em vão, e por isso estava pronta para assinar acordo de paz, preferindo um empate em vez de derrota incondicional.

Metas da guerra não alcançadas

A política ocidental nas etapas finais da guerra foi destinada a não permitir que nenhuma das partes envolvidas saísse vitoriosa. Quando ficou claro que o Irã tinha maior vantagem, o Ocidente aumentou a sua ajuda ao Iraque que, na verdade, estava prestes a sofrer a derrota, e no final, a guerra acabou com um empate.

A União Soviética criticou a guerra entre as duas nações do Oriente Médio, e em várias ocasiões chamou atenção dos beligerantes para que pusessem um fim ao conflito. Por outro lado, a URSS fornecia armamento e outros materiais bélicos tanto ao Irã como ao Iraque, pois ambos os países colaboravam com Moscou.

De acordo com diferentes informações, o Iraque perdeu entre 100 mil e 500 mil soldados, enquanto o Irã perdeu entre 200 mil e 600 mil militares. Mais de 100 mil civis perderam as suas vidas no conflito. Nem o Irã nem o Iraque alcançaram as suas metas na guerra. O conflito entre Teerã e Bagdá apenas devastou suas economias e infraestruturas, causando uma grande crise em ambos os países, com calamidade mais visível sendo percebida no Irã depois da guerra.

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