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sexta-feira, 29 março, 2024

Os Estados Unidos ainda espionam o Brasil, diz especialista americano

Quase quatro anos após o incidente diplomático envolvendo espionagem do governo dos Estados Unidos contra o Brasil, é muito provável que os norte-americanos continuem a espionar a política e a economia brasileira, de acordo com o jornalista norte-americano James Bamford.

Em entrevista exclusiva à Sputnik Brasil, o especialista que escreve há 35 anos sobre órgãos de inteligência do seu país, incluindo a Agência de Segurança Nacional (NSA), avaliou que é “provável” que a Casa Branca ainda esteja interessada em dados do mundo político e econômico brasileiro.

“Eu acho que provavelmente [a espionagem] ainda continua. Eu me lembro quando aquilo aconteceu [em 2013], que havia esse plano da NSA de espalhar ‘malwares’ por todo o Brasil”, disse Bamford, em referência aos documentos divulgados pelo ex-funcionário da NSA, Edward Snowden, que davam detalhes sobre os métodos de espionagem dos norte-americanos.

“Os documentos divulgados por Edward Snowden mostraram que o plano era espalhar ‘malwares’ por todo o mundo, desde país nos quais você esperaria como Rússia, China e Coreia do Norte, mas também em países amigos dos Estados Unidos como o Brasil”, relembrou o jornalista, que está no Brasil para o evento CryptoRave, em São Paulo.

Em 2013, documentos divulgados por Snowden mostravam que Washington tinha acesso às comunicações – redes de telefonia, Internet, servidores de e-mail e redes sociais – da então presidente Dilma Rousseff (PT) e seus principais assessores. O episódio fez com que a petista cancelasse uma viagem para se encontrar com o então presidente dos EUA, Barack Obama.

“No começo foi difícil, quando foi descoberto isso a presidente Dilma Rousseff se recusou a vir à Casa Branca para uma jantar oficial, o que é uma decisão de momento. As relações melhoraram quando os Estados Unidos disseram que iriam diminuir o nível de espionagem que estavam fazendo. De uma forma ou outra as relações melhoraram de lá para cá”, analisou Bamford.

Embora a NSA e a Casa Branca tenham se comprometido a diminuir os níveis de interceptações, o especialista crê que um país como o Brasil sempre estará no radar da atuação da agência.

“Os Estados Unidos estão sempre interessados no que outros países estão fazendo. E no Brasil especialmente, que é um país muito importante na América do Sul. O que acontece no Brasil afeta muito o que acontece nos demais países da região. Os Estados Unidos estão interessados nos aspectos políticos e econômicos do Brasil, acredito que seja por isso que eles fizeram o que fizeram”.

Guerra cibernética

O cenário de espionagem cibernética não se resume a Estados Unidos e Brasil. Questionado se o planeta hoje vê em andamento uma guerra cibernética na rede mundial de computadores, Bamford disse acreditar que esse conflito existe e afeta a todos que estão conectados, de uma maneira ou de outra, com a Internet. E Washington está no centro disso.

“Neste momento os Estados Unidos são o principal envolvido em guerras virtuais, já que é o único país que realmente atacou outro país para destruir a sua infraestrutura física, como aconteceu quando houve o ataque contra o Irã e suas instalações [entre 2010 e 2011, os EUA criaram um vírus chamado Stuxnet, que infectou os sistemas de operação de uma usina de enriquecimento de urânio iraniana localizada em Natanz, inutilizando cerca de 1.000 das 5.000 centrifugas em operação]”.

Ainda segundo o jornalista, o principal objetivo de conflitos virtuais é destruir estruturas físicas reais. “Mas há outros tipos de ataques acontecendo. Os Estados Unidos acusam os russos de ataques, de invasões de e-mails e a divulgação dos mesmos, então se isso for verdade é um outro tipo de guerra virtual em andamento. Outros se focam no roubo de dados e assim por diante”.

Falando nos russos, Bamford minimizou o comentário feito nesta semana pelo diretor do FBI James Comey, que afirmou que a Rússia “é a maior ameaça para qualquer país no mundo”, em referência ao suposto envolvimento do Kremlin com a corrida presidencial dos Estados Unidos no ano passado.

“Acho que qualquer país que possua uma capacidade cibernética muito sofisticada representa um perigo. Veja os Estados Unidos como foram perigosos quando atacaram o Irã. E o Irã contra-atacou os Estados Unidos por conta disso. A Rússia possui uma capacidade cibernética vibrante e eles podem ser considerados perigosos, assim como outros países também podem”, afirmou.

Dentro dos Estados Unidos, a questão da espionagem e interceptação de dados ainda gera controvérsias. Dados oficiais divulgados nesta semana apontam que a NSA teve acesso a 151 milhões de registros telefônicos apenas em solo norte-americano em 2016, embora tivesse autorização judicial para interceptar apenas 42 suspeitos de terrorismo.

“Eu acho que isso surpreendeu muita gente porque depois que a NSA diminuiu o tamanho da espionagem nos Estados Unidos, há ainda uma quantidade muito grande de dados interceptados pela agência”, comentou Bamford, que disse ainda que tal ação de inteligência tem, inevitavelmente, impacto sobre outros países.

“O que se deve ter em mente é que se há esse tamanho de comunicação interceptada nos Estados Unidos, onde existem leis rígidas, você pode imaginar o tamanho das interceptações em países como o Brasil, que não possuem leis tão rígidas. A maneira com que as comunicações funcionam [no mundo], boa parte dos equipamentos como cabos para todas as partes do mundo, passam pelos Estados Unidos, então existe uma grande oportunidade aí para a NSA atuar”.

‘Fake news’

Um outro aspecto da guerra cibernética em andamento é a difusão de notícias falsas, as populares ‘fake news’. Na opinião de Bamford, o fenômeno é muito difícil de ser vencido, sobretudo por não ser crime em países como os Estados Unidos a produção de notícias falsas. Mas há como combatê-lo, de acordo com o jornalista.

“É muito difícil de derrotar por conta das leis, como as que envolvem liberdade de expressão nos Estados Unidos. Não é contra a lei criar notícias falsas, por mais bobo que isso possa parecer. Então eu acho que é possível diminuir, mas não eliminar. Acho que as pessoas precisam ser mais inteligentes com o que elas leem ou entendem, mas não acho que as notícias falsas vão desaparecer em um futuro próximo”, concluiu.

Sputnik

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