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sexta-feira, 19 abril, 2024

Da burguesia compradora ao imperialismo comprador

– Gente poderosa atua como intermediária entre Washington e capitais estrangeiras, a liquidarem riquezas de um império em declínio

Jason Morgan [*]

A vida pregressa de Hillary Clinton.

A expressão “capitalista comprador” não é um elogio. Ela refere-se ao comerciante de um país pobre que negoceia com estrangeiros, transformando o seu conhecimento das condições locais e os seus contatos com comerciantes estrangeiros em enormes lucros para si próprio.

Mesmo – especialmente – quando os estrangeiros se estabelecem com entrepostos comerciais e começam então a manipular e controlar o governo da região ou até de todo o país, o capitalista comprador continua a atuar de ambos os lados. Ele oferece-se como o eterno intermediário, o entrepôt para o mundo estranho que os estrangeiros querem dominar, como representante para negociações entre as autoridades locais e os imperialistas invasores.

Seja o que for que os estrangeiros queiram vender, mesmo venenos destruidores da sociedade tal como o ópio, os capitalistas compradores encontrarão um comprador para isso. Seja o que for que os estrangeiros queiram comprar, mesmo escravos para as suas galés ou para os campos do seu país, mesmo mulheres para os seus quartos, os capitalistas compradores encontrarão um vendedor.

A história do capitalismo comprador veio-me à mente ao ler recentemente uma pilha de livros sobre a corrupção no governo americano. Há muitos livros deste tipo, sem dúvida porque o assunto é praticamente inesgotável. Um destaque dos últimos tempos é o volume Secret Empires de Peter Schweizer, de 2018, que descreve um fenómeno por ele investigado no seu livro de 2015, Clinton Cash.

O modo como o governo federal americano opera ao mais alto nível é, hoje em dia, essencialmente o de um comprador. Pessoas poderosas – os Clintons, claro, mas também jogadores com apelidos como Bush, McConnell, Kerry, Biden e Trump – atuam como intermediários entre a “economia política”, um eufemismo para o “esgoto” de Washington e as economias políticas de capitais estrangeiras.

Uma dupla camada de compradorismo torna tudo isto, de certo modo, legal. As Fundações Clinton, Hunter Biden, Elaine Chao, Christopher Heinz: Não é a personalidade importante que recebe diretamente o suborno; é a “organização caritativa”, o cônjuge, o filho, o enteado que recolhe a “doação” ou os “honorários do discurso” ou o investimento na “parceria estratégica”.

Mas tal como os comerciantes cohong da era Qing em Cantão, o principal é ser a charneira entre dois planos opostos. O ponto em que as forças se ligam é altamente lucrativo e os capitalistas compradores sabem exatamente como maximizar o lucro enquanto navegam pelas realidades do poder.

Mas à medida que reflectia um pouco mais sobre isto, a expressão “capitalismo comprador” começou a parecer estranha. Pois o que está a ser comprado e vendido na América do século XXI não são realmente caixas de chá e porcelana, mas o próprio poder. Veja-se o caso de Sant e Vikram Chatwal e Amar Singh. No capítulo quatro de Clinton Cash Schweizer expõe a forma como estes iniciados muito bem relacionados e muito ambiciosos na política indiana se aproximaram dos Clintons – literalmente, com um assento de honra para Singh perto dos Clintons numa soiree de 2005 da Clinton Global Initiative – a fim de obter autorização para o negócio de armas nucleares que o governo indiano cobiçava. O capítulo oito, “Warlord Economics”, centra-se nas relações aconchegantes dos Clintons com homens fortes transparentemente e quase comicamente corruptos em África. Os próprios Clintons não têm capacidades especiais, para além de um génio para a trapaça. O que eles têm em quantidade é o carisma do poder federal. Eles exalam o aroma de tapetes azuis, mobiliário de mogno e drapejamentos presidenciais. Esta é a moeda do tardio reino imperial: os paramentos nostálgicos do império cambaleante que ainda, tal como a era Qing por volta de 1890, tem símbolos com o peso do passado morto que impressionam peticionários.

Sim, há recompensas físicas e financeiras a ganhar com tudo isto, e são elas o que procuram os subalternos que deslizam para os Clintons. Mas o que os próprios Clintons estão a vender não é o ouro, diamantes, petróleo, urânio, ou o que quer que seja que os seus acólitos desejem. Os Clintons estão a vender a aura do poder americano. Eles estão a vender o brilho do poder. Os cohongs Clintons estão a traficar no próprio império americano, a negociar o acesso às estruturas de poder do império em troca de dinheiro e fama e glória e tudo o mais.

Isto é diferente do capitalismo comprador. Isto é o imperialismo comprador. Tornou-se a forma padrão, talvez a única, de fazer negócios nos escalões superiores da pirâmide do poder federal.

Imperialismo comprador é Burisma, são as garatujas de Hunter Biden, é o estranho rolodex ucraniano de Rudy Giuliani, e até a correria entre quadros do partido em Pequim para matricularem os seus rebentos em Harvard e na NYU. O império americano é uma imagem que se desvanece, mas enquanto perdurar há muita gente no mundo que quer aquecer-se à sua luz moribunda. Pessoas em todos os continentes habitados mexem-se para se apropriarem da iconografia de uma coisa que já não existe, a bandeira Star Spangled Banner a ondular alto sobre um edifício, enquanto lá em baixo as ruas estão cobertas de agulhas e fezes e, no interior, as empresas fantasma que comerciam derivativos de conchas não se podem dar ao luxo de manter as luzes acesas.

Este foto-oportunismo, esta força mágica que vem da proximidade com um flácido casal do poder ou de palavras maliciosas da boca de um senador do Kentucky, é o que os imperialistas compradores estão a oferecer. E as pessoas estão a comprar. Um grande momento. Hunter Biden e os seus associados receberam milhares de milhões de dólares de empresas chinesas com laços profundos com o governo central de Pequim.

Mas fotos com a bandeira americana não são o que os chineses realmente querem, é claro. Os chineses viram as ruas manchadas de fezes e pejadas de agulhadas e rejeitaram o liberalismo desenfreado que dá ao mundo tais prendas. Os chineses não se preocupam com o futuro do poder americano, só com a sua constante falta de uso. Querem reduzir o império americano de modo a poderem tomar o seu lugar como hegemon mundial. Já estão a fazer isto, mas a coisa funciona muito mais eficientemente se alguém dentro da loja gerir a liquidação.

Políticos indianos, mafiosos ucranianos, senhores da guerra africanos, multimilionários canadianos – eles também querem entrar nos saldos. “Declínio administrado” (“Managed decline”) não é o que pensávamos que era. Alguém está a administrá-lo e não é o governo. São os imperialistas compradores, os que estão em fatos muito caros a ajustar negócios com personagens muito desagradáveis em partes do mundo que nem os Instagrammers se importam de visitar. Pensou que me referia a Kinshasa? Não, referia-me a São Francisco.

Mas aí está. São Francisco, a cidade onde foi assinada a Carta das Nações Unidas. Agora é basicamente um antro de ópio do tamanho de uma cidade. Cohongs, na verdade. Este esvaziamento do império é a teoria da dependência de Samir Amin em sentido inverso. A periferia era outrora dependente da metrópole imperial. Agora, a metrópole imunda está dependente da periferia. Porque a periferia em breve será rei. E a “burguesia compradora”, como Marx os chamou, está a vender, mais uma vez ao contrário da teoria original, o seu grande país à “burguesia nacionalista” do terceiro mundo.

O império está a devorar-se a si próprio e são os imperialistas compradores que repartem as porções.

 [NR] Acerca do conceito de burguesia compradora ver esta nota de rodapé.

[*] Professor associado na Universidade Reitaku em Kashiwa, Japão.

O original encontra-se em www.theamericanconservative.com/articles/comprador-imperialism/

Este artigo encontra-se em resistir.info

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