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sexta-feira, 29 março, 2024

Coragem e Humanidade em forma de Mulher

Texto: Jacqueline Moreno
“Quem tem brinquedo quebrado? Quem tem sonho partido?”.  A peça “O Consertador de Brinquedos” (de autoria de Stella Leonardos) começou pontualmente. Os olhos da menina nos seus 4 anos de peraltice, pareciam dois faróis acesos no meio da plateia. No palco, a peça dava vida aos brinquedos, cantorias, jogos de luz e participação da criançada. Marccela era o nome da menina. Ela acompanhava cada movimento, cada salto, cada gargalhada, cada silêncio do ator principal Tio Fábio e do palhacinho Musicalim. Filmava tudo com o seu par de faróis, meticulosamente. Momento mágico foi quando no final do espetáculo, o Tio Fábio convidou as crianças para se dirigirem voluntariamente até o palco. Marccela, ainda que tímida, se levantou cheia de coragem e se juntou às demais que aceitaram o desafio. Chegando lá, o ator deu boas vindas e perguntou:
– O que mais gostou da peça?
Um menino falou:
– do Palhacinho Musicalim!
Uma menina acrescentou:
– Das bonecas feitas de pano!
Outra menina emendou:
– E da casinha feita de papelão!
Quando chegou a vez de Marccela, ela respondeu:
– Eu gostei das perguntas.
O ator intrigado falou:
– Que perguntas?
Marccela então recitou:
– Quem tem brinquedo quebrado? Quem tem sonho partido?
Tio Fábio ficou surpreso, assim como a plateia. Por que será que aquela menina, havia escolhido perguntas ao invés de brinquedos?
Desde pequena que palavras e perguntas fascinam Marccela, ainda mais quando há uma cena, um enredo, uma conversa, uma história a ser contada.  Lembro que voltando para casa fizemos daquelas frases da peça, a nossa brincadeira preferida: a primeira fala era dela, a segunda era minha e vive versa. E nesse ir e vir, ficou claro que mãe e filha tinham um código em comum: ler as entrelinhas dos acontecimentos.
Naquela época eu já tinha meu próprio negócio chamado Vegah na área de comunicação internacional que escolhi em homenagem ao segundo nome de Marccela. Como eventos eram e são o cerne da questão, sempre que podia, a levava para reuniões para ela ir se acostumando com diferentes linguagens, culturas e assim ia aprendendo a conhecer novos mundos. Aos 11 anos já falava inglês quase que fluentemente e resolvi levá-la para um jantar para testar seu entendimento. O ano era 2000 e era tempo de eleições nos Estados Unidos. Os dois clientes americanos discutiam sobre os candidatos George W. Bush (republicano) e Al Gore (democrata). Marccela ouviu os dois atentamente e com muita educação pediu a palavra:
–  Vocês não acham que o democrata combina mais com democracia?
Os dois clientes olharam para Marccela e olharam para mim e olharam um para o outro. Um deles a favor de Al Gore quebrou o silencio e falou:
–  Boa garota!
O outro a favor de Bush, ficou intrigado e se pôs a interagir com Marccela para saber mais sobre a opinião dela. Marccela então fez mais perguntas e eu tratei de responder algumas para evitar qualquer saia justa. Essa era a pré-adolescente já mostrando as suas garras.
Escolhi essas duas narrativas para espelhar o estilo de ser dessa mulher que hoje completa 31 anos de questionamentos, ativismo, justiça social, beleza e pé de igualdade de amor e respeito à vida.  Educar e ser educada por Marccela Vegah tem sido uma infindável aventura das boas. Um rico aprendizado nutrido de muito diálogo, poder argumentativo, pensamento crítico, imaginação, arte e pontos de interseção.  Marccela realmente tem um par de faróis no olhar que me aponta a direção. Todas as decisões que tomo, olho para ela e daí, sigo caminho.
E em pensar que a nossa jornada começou no dia 24 de junho de 1989! Foi um dos dias mais frios e ensolarados de Porto Alegre. Passei e manhã, a tarde e boa parte da noite meditando e respirando entre uma contração e outra. A ideia era ir ao hospital só para ter o bebê de parto natural. Fiz questão de não saber se ia ser menino ou menina. O quarto foi preparado para receber uma vida. Na porta tinha o aviso bordado pela Vovó Marlizinha, “Aqui mora um pedacinho da natureza”. E assim foi todo o enxoval multicolorido. Os nomes já tinham sido escolhidos: Marccela ou Igor.
O rebento veio ao mundo naturalmente no seu tempo. A hora exata? às 23h34min. Uma menina!!!!! O pai acompanhou todo o parto, me dando a maior força, principalmente na hora que o nosso fruto veio ao mundo. Beto colocou aquele ser nos meus braços ainda com o cordão umbilical conectado em mim. E foi nesse momento que um milagre aconteceu: Marccela procurou logo meu peito e instintivamente abriu os olhos e me fitou sem pressa, como se me reconhecesse há anos. Foi o olhar mais penetrante e profundo que já vi na minha vida. E ao chegar a hora de cortar o cordão que ainda pulsava, o pai se encarregou de assim fazer. Bem que eu tentei ajudá-lo, mas não tinha forças. E hoje entendo. Naquele momento eu queria o filhote só para mim. O corte do cordão é a certeza da autonomia de voo que a vida sempre vai exigir.
A gente já passou por muitas travessuras e travessias juntas e até hoje, sempre que preciso saber a direção eu olho para o par de faróis da cria para seguir em frente ou mesmo para voltar atrás se preciso for. Assim venho aprendendo a ser mãe de uma mulher incrível e admirável chamada Marccela Vegah. O “c” a mais no nome Marccela, foi decisão minha. Hoje percebo o quanto esse “c” é consonante com a palavra coragem extra que precisamos ter para seguir viagem quando a noite vem, como diz a letra da música “Tatuagem” do Chico Buarque. E da onde veio o nome Vegah? De um sonho que tive ainda grávida: uma voz falava que a criança teria que ter o nome Vega com h. Eu então perguntava porque o h no final?  E a voz respondia: “h de humanidade”. Ao acordar, fui pesquisar o nome Vega e descobri que “é a estrela mais brilhante da constelação de lira do céu boreal”. Em 1997 assisti ao filme Contato baseado no livro do cientista e escritor Carl Sagan, estrelado no cinema pela atriz Jodie Foster onde Vega é vista  como ponto de encontro de uma civilização infinitamente mais adiantada que a nossa. Percebi então que a inserção do “h” foi bem apropriado. Precisamos cada vez de humanidade na Terra que habitamos. Aqui é o lugar para ser o melhor de nós. Marccela Vegah é essa soma portanto. O seu nome hebraico Liora significa “minha luz” e muito bem te traduz. E como “pedacinho da natureza” que é, relembro aqui nessa fotografia o dia em que a vesti de filhote de panda quando completou 1 mês de vida. Aquele pacotinho de gente olhou para mim com os seus faróis brilhantes e me deu um memorável sorriso que me fez lembrar do primeiro instante que a gente se encontrou. Assim é o requinte irretocável de humanidade e coragem dessa encantadora e inquiridora mulher ao se movimentar pelo planeta.
Feliz 31 primaveras meu amor! Que venham muitas longas e saudáveis estações cheias de renascimentos e novos ciclos de luz. Te amo e nunca vou parar de te amar!
Mamãe Jacqueline Moreno
Conheça o nosso projeto Storytelling “infindáveis aventuras” Pais e Mães, Mais e Pães que queriam contar a história do rebento (ou será rebentos?) desde do momento que semearam a sua chegada seja pelo ventre ou pela escolha da adoção! Como foi a escolha do nome? Qual o momento que quer transformar em um capítulo da história desse livro com páginas a serem escritas com infindáveis aventuras?  Será fascinante ouvir e transformar em história no presente com gosto de futuro que teremos pela frente. Dez por cento (10%) do valor será destinado para instituições que trabalham com crianças em vulnerabilidade social e situação de risco.

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