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sexta-feira, 19 abril, 2024

Cooptação do Estado e práticas mafiosas do poder na Guatemala (II)

Guatemala (Prensa Latina) Independente de adjetivos mais ou menos acertados para identificar cada expediente ou caso relativo às manobras realizadas por Pérez Molina e Baldetti, ambos são apenas a cara visível de um fenômeno que por décadas ronda o âmago do poder político e econômico na Guatemala.

Segundo o Índice de Percepção da Corrupção, calculado pela organização não governamental Transparência Internacional (TI), este país é o quinto mais afetado por esse problema no nível nuestro-americano, depois de registrar uma queda de oito posições.

Esta classificação responde à queda estrepitosa do ano passado, que o situou em 123Â� lugar dos 168 países avaliados, mas essa posição não está muito distante da 115 avaliada em 2014, nem do posto 120 obtido em 2005, como indicam relatórios anuais deste grupo com sede em Berlim, Alemanha, e ramificações em cerca de 70 países.

“A corrupção não é um desastre natural, é o roubo frio e calculado de oportunidades aos homens, mulheres e crianças menos capazes de se proteger”, define a TI, para cujos diretores esta problemática afeta tanto países ricos como pobres, freia o desenvolvimento econômico, espanta aos investidores estrangeiros e alimenta a pobreza.

Por essas razões, o analista do Instituto de Pesquisas sobre o Estado (ISE), Vice-reitoria de Pesquisa e Projeção, Universidade Rafael Landívar, Mario Sosa, questiona a tese da cooptação do Estado de 2012 a 2015.

Em sua opinião, a corrupção ou a cooptação constituem características consubstanciais do Estado na Guatemala, que contém a primeira como um mecanismo e uma norma tácita na gestão da política pública.

“A corrupção tem sido um dos conteúdos das relações econômicas e políticas que se articulam nas instituições e nas políticas de Estado. Um mecanismo exacerbado a tal ponto que um grupo criminoso teve a capacidade de se organizar como partido político, ganhar eleições e levar a cabo um dos maiores roubos ao erário público já registrado na história do país”, afirma.

Mas o assunto vai para além da rede criminosa do PP, opção eleitoral de vários dos grupos corporativos nas eleições de 2011, destaca o antropólogo, para quem o médio e grande capital guatemalteco criou, controlou e negociou até agora os mecanismos de corrupção com o objetivo de acumular riquezas. Para Sosa, os casos de corrupção revelados evidenciam um mecanismo histórico utilizado por aqueles que de suas empresas, grupos corporativos e grêmios controlaram sempre o Estado, decidiram leis, políticas e garantiram altas taxas de lucro, com o qual aprofundaram a miséria no país.

Com base nessa visão, Sosa comulga com vários setores que manifestam sua preocupação pela dificuldade que será varrer a corrupção da Guatemala, a não ser que estes grupos sejam deslocados do controle estatal e se avance na criação de um Estado capaz de garantir o bem comum.

MODIFICAR A ESTRUTURA DE BASE

Já o filósofo e psicólogo Marcelo Colussi faz um chamado a ter cuidado para não olhar só através dos espelhinhos coloridos, no meio de tanta fanfarra devido estas cacetadas contra a corrupção.

“Lutar contra a corrupção, como parece agora estar na moda, é algo politicamente correto. Inclusive louvável. Mas tem a inconveniência de não servir realmente para modificar a estrutura de base”, adverte.

Colussi destaca que nesse momento em que uma luta frontal contra a corrupção se estabeleceu na agenda política do país – não pela população protestando na rua, mas devido aos meios de comunicação – caberia se perguntar qual a percentagem real que fica nos bolsos da burocracia de Estado e se é a corrupção a verdadeira causa da pobreza histórica da Guatemala.

“O importante destes dois casos é que tenham destapado, revelado, o que meio mundo via e fazia de conta que era besta”, comentou à Prensa Latina o ex-colunista do Jornal Diario de Centroamérica e do Nuestro Diario, Gustavo Adolfo Bracamonte.

Mas, acrescentou, “o fundamental é romper, rachar esse sistema corrupto e as formas mafiosas de fazer política no país. Por outro lado, e sempre o manifestei, a cada quatro anos surgiam outros ricos e se empobrece o país. O sistema deve ser mudado, caso contrário, continuarão saqueando o país”.

Justamente nessa posição coincidem de certa maneira vários atores sociais na Guatemala, que reconhecem a necessidade de deixar de lado velhas práticas e promover uma transformação em diferentes ordens, que contemple como prioridade o ser humano e possibilite a todas as pessoas exercer sua cidadania.

“Na medida em que mudemos as condições do país, estaremos mais integrados e seremos mais felizes. Há que humanizar a economia, há que humanizar o mercado, há que humanizar as empresas e se conseguimos fazer isso, vamos ter mais pontos em comum que se focamos em setores”, declarou o ministro de Economia, Rubén Morales.

Para a presidenta da Junta Diretiva da Associação de Pesquisa e Estudos Sociais, Raquel Zelaya, é decisivo analisar os elevados índices de informalidade e a falta de acesso à inclusão social vinculada a isso; bem como contemplar no debate político o que foi estabelecido nos Acordos de Paris 2015.

Também sugeriu considerar o movimento cooperativo que seguem os 48 cantões de Totonicapán e Sololá, no oeste do país, devido a sua forma de operar mais próxima a uma modalidade associativa.

Em resposta à Prensa Latina, a reconhecida economista afirmou que o valor arrecadado a partir dos tributos ou impostos não resolverá a falta de recursos do Estado para enfrentar os problemas essenciais nacionais e é preciso reavaliar de uma vez o tema do peso impositivo.

Outra questão a priorizar é a inclusão educativa, que deve ser elevada a níveis aceitáveis, sublinhou Zelaya.

Os outros membros do painel organizado pela Fundação para o Desenvolvimento da Guatemala (Fundesa), em ocasião da apresentação de um novo número da revista American Quarterly, dedicado à situação do emprego e da juventude na América Central, também contribuíram com suas considerações sobre o assunto.

“Guatemala vem se transformando economicamente, mas é necessário acelerar o ritmo de inclusão de pessoas”, reconheceu o vice-presidente da Fundesa, Salvador Paiz, mas recomendou agregar a isso tecnologia, mercados e novos serviços, entre outros.

Com igual ênfase aludiu ao peso emocional arrastada pela sociedade guatemalteca, que saiu de uma guerra interna sangrenta há apenas duas décadas, e convocou a “procurar o modo de curar feridas e recuperar a dignidade que nos danificaram”.

O secretário de Política Criminosa do Ministério Público, Rootman Pérez, mencionou o esforço que essa pasta e o Governo realizam com base em quatro eixos essenciais: a prevenção, a investigação, a sanção penal – não entendida como vingança – e a reeducação e reinserção social dos ex-detentos.

“Como democracia estamos dizendo: já não se pode mais, até aqui. Precisamos um país diferente”, expressou o presidente da Fundesa, Felipe Bosch, ainda que em conversa aparte com a Prensa Latina admitiu a divergência de opiniões em relação a como organizar, viabilizar e especificar essa transformação na Guatemala.

*Correspondente da Prensa Latina na Guatemala.

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