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quinta-feira, 28 março, 2024

Colapso do Rio Doce é a maior tragédia socioambiental brasileira

BrasilDiário Liberdade – [Clarice Macieira] Passaram-se varios dias desde o rompimento criminoso da barragem de rejeitos de minérios de Fundão no dia 5 de novembro, que destruiu completamente o município de Bento Rodrigues e também cobriu Paracatu de Baixo com lama tóxica, distritos próximos a Mariana, no estado de Minas Gerais.

A lama de rejeitos alcançou rapidamente o Rio Doce e seguiu devastando não só a bacia hidrográfica, a maior do sudeste brasileiro, como afetou diretamente a vida da população que dependia do rio, seja para a captação de água, seja para atividades de autossustento como a pesca e a agricultura familiar; a morte do Rio Doce também ocasionou a perda de uma entidade espiritual para os índios da etnia Krenak e de toda uma forma de viver relacionada a ele.

Ao todo, são 700 km e 3,5 milhões de pessoas atingidas ao longo do rio, que atravessa os estados de Minas Gerais e do Espírito Santo; os rejeitos alcançaram o mar no município de Regência (ES) no dia 21 de novembro, ameaçando a desova de tartarugas gigantes e comprometendo todo o ecossistema marítimo do entorno; a lama adentrou o mar confundindo a cor ocre da lama e o azul das águas, sugerindo a logomarca da algoz Vale.

gvAté o momento, as ações tomadas pelas empresas responsáveis Samarco, Vale e BHP Billiton em auxílio aos atingidos são insuficientes; em comunicado, no dia 25 de novembro, a ONU criticou veementemente a negligência tanto das empresas como do Estado brasileiro pela demora em realizar medidas efetivas nas cidades atingidas e em divulgar informações concretas sobre a toxidade da lama e a real situação dos rejeitos derramados no rio. A Samarco nega, desde o rompimento da barragem, a presença de metais pesados nas águas do rio.

A prefeitura de Governador Valadares, respaldada pelo governador do Estado de Minas Gerais, Fernando Pimentel, publicou, em 16 de novembro, uma nota informando que a água tratada pelo Serviço Autônomo de Água e Esgoto seria potável. As tentativas de convencer a população de que a água é segura para consumo vão desde a veiculação da imagem da prefeita bebendo um copo de “água tratada” até a proibição da entrada de garrafas de água mineral nas escolas municipais por parte do Secretário de Educação, Jaider Batista da Silva, no último dia 27. A medida foi revogada graças à revolta dos pais que, assim como a população valadarense, desconfiam da água distribuída pelo SAAE, que chega amarelada, com cheiro e gosto contaminados. Segundo o Secretário de Educação, “assim como não pode levar lanche de casa, não pode levar água de casa. É obrigação nossa prover água de qualidade, e água de qualidade é a água tratada pelo SAAE”.

O parecer técnico divulgado pelo Ministério Público de Minas Gerais no dia 30 de novembro assegura que a água tratada se encontra dentro dos padrões de metais pesados do Ministério da Saúde. Já na nova nota, no dia 4 de dezembro, o MPMG alertou para a não potabilidade da água, haja vista que os elementos alumínio, manganês, além da turbidez da água e seu aspecto de cor aparente, foram encontrados em níveis superiores aos determinados na Portaria do Ministério da Saúde.

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SOCIEDADE CIVIL SE ORGANIZA EM PROL DOS ATINGIDOS

A situação de emergência e o cenário de destruição digno de filmes apocalípticos em Bento Rodrigues e Paracatu de Baixo sensibilizaram grandemente a sociedade civil. Desde o rompimento criminoso da barragem de Fundão, houve um grande montante de doações de água, roupas, ração para os animais, dentre outros artigos, dirigidos às cidades que passavam por estado de calamidade.

Além de bens materiais e da iniciativa de enviar água potável principalmente a Governador Valadares, cuja população ultrapassa os 280 mil habitantes e a captação de água potável dependia exclusivamente do Rio Doce, pesquisadores, engenheiros ambientais, artistas, dentre outros profissionais, percorrem a via crucis da destruição oferecendo conhecimento e construindo uma rede autônoma de documentação, investigação e propondo soluções a curto e longo prazo. Essas redes criam vínculos entre aqueles que acompanham de longe e a população atingida diretamente pela lama de detritos despejada no Rio Doce, contribuindo tanto com as comunidades quanto para que a “tragédia” não seja esquecida.

Muitas dessas iniciativas que acompanham de perto o que passam os moradores de Governador Valadares, Colatina (ES), Baixo Guandu (ES), Regência (ES), etc., partiram da forte comoção diante da maior “tragédia” ambiental brasileira e, também, das informações difusas que chegam em outros estados que não Minas Gerais e Espírito Santo. Dentre essas iniciativas está a Expedição Rio Doce Vivo que está na estrada desde o domingo (13) e já passou por Paracatu de Baixo, Ouro Preto, Governador Valadares e Colatina. O grupo, composto por profissionais de várias áreas, partiu de São Paulo rumo a Minas Gerais para oferecer conhecimentos práticos, tais como oficinas de criação de cisternas para captação de água da chuva e rodas de conversas sobre permacultura e, paralelamente, coletam amostras brutas do rio para que a análise da água seja feita de forma independente. Também desenvolvem atividades culturais como a “cinekombi” em praças públicas, trazendo filmes e documentários sobre a situação das Minas.

A Expedição Rio Doce Vivo iniciou a viagem com recursos próprios e sem esperar que o dinheiro arrecadado em uma plataforma de financiamento coletivo atingisse a meta proposta. No entanto, contam com o auxílio para hospedagem nas próprias comunidades em que aportam; o trabalho que realizam é de grande valor para a população, que abraça todos que queiram oferecer auxílio e trocar conhecimentos que possam transformar a realidade local, sem depender do poder público ou de outras instituições.

Parte da Expedição Rio Doce, o grupo GIAIA também se dispõe a analisar a qualidade da água do rio. Na terça-feira (15/12), o grupo independente de análise de impactos ambientais apresentou o primeiro laudo constando resultados sobre presença de metais pesados em amostras brutas do rio e da água tratada em Governador Valadares. Preliminarmente, o elemento arsênio foi encontrado em níveis quatro vezes acima do tolerável em um ponto de coleta da água tratada em Governador Valadares.

Sabemos que a lama de rejeitos precede vários acordos e politicagens que favoreceram o licenciamento e livre acesso das empresas de minério para a exploração compulsória de recursos naturais. O financiamento privado de campanhas, em vários âmbitos dos poderes legislativo e executivo, fazem com que a população esteja receosa em acreditar em laudos oficiais divulgados pelo poder público. Judicialmente, o histórico de multas ambientais pagas no Brasil, segundo dados do TCU (Tribunal de Contas da União), atinge o montante de 3%. A impunidade das empresas que cometem crimes ambientais é também respaldada pela justiça, uma vez que os responsáveis podem recorrer das decisões em pelos menos duas instâncias no Ibama e podem, ainda, apelar para o poder judiciário.

O desamparo das populações atingidas por “desastres” ambientais desa magnitude, por parte das autoridades governamentais e da justiça, só não é total graças ao auxílio e da grandeza de ações movidas pela própria sociedade civil. As mobilizações de civis voluntários que buscam soluções práticas imediatas e urgentes junto às comunidades provocam um processo de empoderamento dos atingidos à medida que se criam sistemas de captação de água autônomos, discutem-se as questões ambientais (que dizem respeito a todos) e várias análises da água são feitas, gerando laudos independentes do governo e, portanto, passando longe dos interesses das empresas e do capital.

As ações desenvolvidas nas cidades afetadas pelo rompimento das barragens, embora sejam realizadas de forma autônoma, não isentam de culpa as empresas responsáveis. Muito pelo contrário, buscam refletir sobre e informar cada vez mais a população dos danos socioambientais causados, reivindicando a responsabilização penal da Samarco (Vale e BHP Billiton). Passou-se 47 dias do maior crime ambiental brasileiro. Não nos esqueceremos.

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