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quinta-feira, 28 março, 2024

Ato da USP denuncia o que está por trás do golpe

Intelectuais analisaram episódios recentes, como a saída do PMDB do governo, a inconsistência do pedido de impeachment e o que está por trás do golpe

Tatiana Carlotti/Carta Maior

Na noite desta terça-feira, 29 de março, estudantes da USP, professores universitários, artistas e representantes de movimentos sociais se reuniram no vão do prédio da História e da Geografia no ato “USP Contra o Golpe!”.

Organizado por estudantes de vários departamentos, o ato contou com a participação de intelectuais, como Marilena Chauí, Paulo Sérgio Pinheiro, Leda Paulani, Luis Bresser Pereira, Paulo Arantes, Laura Carvalho, Pedro Paulo Zahluth Bastos, Sérgio Mamberti, entre outros. Também estiveram presentes representantes de vários entidades sociais como a Frente Brasil Popular, Marcha das Mulheres, MST, CUT, FUP, UNE e outros movimentos.

Unânimes quanto à importância das mobilizações na luta contra o golpe e em defesa da democracia, eles analisaram episódios recentes, como a saída do PMDB do governo, a inconsistência do pedido de impeachment e, também, o que está por trás do golpe e o que é possível fazer para estancá-lo neste momento.

O mito da estabilidade com o impeachment
Professores de Economia presentes no ato foram unânimes quanto às reais intenções dos golpistas na seara econômica. Laura Carvalho (FEA-USP) destacou o severo ajuste fiscal que está por trás do falso discurso da estabilidade econômica caso aconteça um impeachment. Destacando que a FIESP “jamais pagou o pato”, ela apontou que o governo brasileiro cedeu, justamente, às exigências da FIESP, em uma tentativa que “se mostrou frustrada no sentido de se criar uma base política e solucionar a crise”.

“O que esperar de um governo já capitaneado por essa mesma FIESP e pelo PMDB que anunciou uma estratégia ainda mais agressiva e que ameaça os direitos constitucionais e dos trabalhadores?”, questionou.

Segundo Paulo Pedro Zahluth Bastos (Economia – Unicamp), o golpe tem como objetivos principais estancar as investigações em curso no país. “Não tem nada a ver com uma disputa contra a corrupção”, afirmou, destacando que além de Michel Temer e Eduardo Cunha, 65% dos deputados da Comissão do Impeachment são suspeitos de atos de corrupção ou estão implicados na Lava Jato”. Ele também destacou o objetivo político de prender o ex-presidente Lula e de cassar os partidos de esquerda do país.

Já na seara econômica, Paulo Pedro explicou que os defensores do golpe querem que o projeto de desenvolvimento do país seja liderado pela iniciativa privada. A intenção, detalhou, é acirrar ainda mais a política de austeridade no país, transformando a Constituição de 88, para acabar com os vínculos constitucionais que garantem, por exemplo, a educação e saúde gratuitas. E, sobretudo, acabar com a CLT. “Eles querem transformar o legislado nas relações trabalhistas, pelo negociado”, apontou.

O economista Luiz Carlos Bresser Pereira também afirmou que não se trata apenas de mudar um presidente, mas de uma “mudança de regime”. “Eles querem instalar um novo ciclo de subserviência. Nossas elites se associam às elites dos EUA e Europa. A ideia de Nação desaparece”.

Citando o grande ciclo democrático desde a década de 80, Bresser Pereira apontou os avanços democráticos e, sobretudo, as conquistas sociais nos últimos anos. “É isso que está em jogo agora. Se não vencermos, teremos uma luta muito grande pela frente. Há muita coisa em jogo”, alertou.

Pré-sal na mira dos golpistas

Uma das coisas em jogo é o pré-sal, como destacou Cibele Vieira, da Federação Única dos Petroleiros (FUB). Vestida com o jaleco da Petrobras, ela destacou o orgulho de ser petroleira, lembrando que a categoria encontra-se “no olho do furacão”. “Há dois anos, todos os dias, o noticiário manipula a opinião pública contra Petrobras. O pré-sal é sim uma das principais disputas do golpe”.

“Todos acreditam que tem interesse dos EUA no Oriente Médio por causa de petróleo. Por que não acreditam quando é o caso do Brasil?”, questionou Cibele, ao lembrar que o pré-sal já é realidade e origem de 30% da produção nacional de gasolina e diesel. “Depois que descobrimos o pré-sal, que desenvolvemos a tecnologia, que o preço de extração está 9 dólares, eles vêm tirar o pré-sal do Brasil. E ainda falam que é combate à corrupção…”, complementou.

A professora Marilena Chauí (Filosofia – USP) também destacou o papel fundamental do pré-sal no golpe. Ao explicar por que o juiz Sérgio Moro tem o poder que ele tem, ela afirmou que o juiz de Curitiba tem duas tarefas designadas pelas grandes empresas e bancos dos Estados Unidos: “entregar o pré-sal a seis companhias americanas de petróleo; e permitir o retorno da ALCA, contra todo o trabalho realizado contra a ALCA e pelo fortalecimento do MERCOSUL neste país”.

Destacando que o Congresso brasileiro é movido “pelo boi, pela bala e pela Bíblia”, na proposição de pautas que não são conservadoras, mas “reacionárias e fascistas”, Chauí também analisou a permanência de Eduardo Cunha na Câmara. “Cunha se mantém porque está vinculado a fundos financiadores das igrejas evangélicas”, internacionais inclusive, “e às empresas de petróleo”.

Ações nos Três Poderes

Segundo Chauí, é necessário realizar ações que intervenham nas instituições e nos Três Poderes. Uma delas ações é convencer os congressistas que não irá acontecer uma ‘operação abafa’ caso eles votem pelo impeachment. “Os 200 nomes na lista da Odebrecht não vão desaparecer. Bastará o golpe para rolar a cabeça de todos, uma a uma. É preciso que eles compreendam o engano da aposta que estão fazendo”.

A segunda frente de ação é “fazer com que o STF não se sinta mais acuado e atropelado com o bando de enlouquecidos e violadores da Constituição do Estado de Direito”. Em sua avaliação, é preciso realizar ações dirigidas ao Congresso e ao STF e, também, ao Executivo. “Ele [Executivo] só terá força e capacidade de impedir o golpe, se nos tiver como seus aliados e seus defensores. Se ele não for para a esquerda, com todas as políticas exigidas por nós, estará completamente desamparado”.

Joaquim Palhares, secretário político do Fórum 21, destacou a necessidade de usar todos os meios jurídicos possíveis para impedir o impeachment. “É uma afronta à Presidente da República, eleita por 54 milhões de votos, ser retirada do governo por deputados que ou são réus na Suprema Corte ou serão julgados daqui dois ou três anos”, apontou. O processo de impeachment, explicou, será conduzido por Eduardo Cunha, considerado réu pela Suprema Corte e por 31 parlamentares investigados e citados na lista da Odebrecht.

Ele também frisou a necessidade de usar o expediente Jurídico e legal na Suprema Corte, estabelecendo um diálogo com o ministro Ricardo Lewandowski, presidente do STF, e os demais ministros da Corte. “Eles terão a mácula de terem concordado com a retirada do Governo de uma mulher digna, em detrimento de 32 bandidos que serão futuramente condenados”, concluiu.

Democracia sob ameaça

Sob o lema de que “não existem limites para o arbítrio”, a professora Leda Paulani (FEA-USP) afirmou que “se não tivermos liberdade, vamos ingressar novamente em um período nefasto do ponto de vista da democracia”. Crítica ao ajuste fiscal do governo, ela afirmou: “Não estou defendendo Dilma ou a política da Dilma, mas o direito de 54 milhões de brasileiros que votaram nela e aquilo que a Constituição prevê como direitos civis e democráticos. Para que eles não sejam desrespeitados”.

O diplomata e professor Paulo Sérgio Pinheiro, por sua vez, foi categórico: “o impeachment é golpe. Quem leva adiante esse processo é um réu do STF e o faz em defesa própria, por motivos espúrios”. Na sua avaliação, nesta terça-feira, “o golpe palaciano começou a ser dado pelo vice-presidente da República. Ele não chegaria ao poder pelas eleições, mas pretende chegar pelo golpe”.

Destacando que o pano de fundo do golpe é desmantelar a Constituição, Pinheiro trouxe a lista dos empresários que apoiam o impeachment, divulgada nos principais jornais do país nesta terça-feira. “Não há mais nenhum pudor. Está claríssimo quem está a favor do golpe. Eles estão facilitando o trabalho dos futuros historiadores”, ironizou.

Já o professor Paulo Arantes (Filosofia – USP) começou sua intervenção lembrando as mobilizações antes do golpe militar de 1964. “Há 52 anos, nós imaginávamos que seria um simples pronunciamento militar. Imaginávamos que aquilo seria derrotado porque enfrentaria um movimento social bem organizado, que dispunha de um dispositivo militar que virou uma miragem. Nós não tínhamos ideia do que seriam os vintes anos de ditadura. Hoje, nós não temos ideia do que vem pela frente”.

Arantes destacou a própria Constituição permite às Forças Armadas a decisão de decidirem quando a “lei a ordem estão sendo tumultuadas”, para interferirem. “O que vem pela frente não é brincadeira. Vamos ter ocupações, vamos invadir terras, vamos parar o metro, estrangular rodovias? Com um Congresso crapulizado, um Judiciário duvidoso, se a nossa resistência tiver impulso, isso vai barbarizar o outro lado”, afirmou.

Ele também destacou que ao contrário de 1964, hoje, a esquerda está desmoralizada no país. “Vamos viver alguns meses sob a ´garantia da lei e da ordem´. Com o que vai sair disso, não será possível apelar para a Constituição, confiar no Judiciário, em delegado, em coronel da PM”, concluiu.

Mais otimista, o jornalista e professor universitário Gilberto Maringoni destacou a intensa mobilização e politização da sociedade brasileira. Ele também apontou que “o problema não é termos 171 deputados para barrar o impeachment, mas eles contarem com 342 votos para aprová-lo.”

“Eles têm a Globo, a mídia promovendo o caos, mas não é fácil reunir esse número. A pressão tem que continuar. O ato no dia 31 de Março tem que ser gigantesco”, afirmou. Já sobre a saída do PMDB do Governo Dilma, Maringoni lembrou que “o PMDB saiu do governo para entrar em outro. O PMDB não fica fora do governo”. E avaliou: “Depois dos tucanos, chegaram os patos. Eles chegam como farsa escancarada. Todos eles”.

Recado à presidenta

O ator Sérgio Mamberti, por sua vez, lembrou o papel fundamental de Leonel Brizola em defesa da Rede da Legalidade. Ele recordou o clima de forte mobilização no país, nas vésperas do golpe, citando seu número no exército da resistência, em Porto Alegre: 33 mil.

“Como hoje, naquele momento, os artistas, estudantes e intelectuais estavam unidos. Nós já temos essa experiência, construímos uma longa caminhada. Temos que ter noção clara que o dia 31 de março será muito importante para mostrarmos que o Brasil não quer retrocesso. O Estado Democrático de Direito não pode retroceder. Não podemos renunciar a conquistas que significaram a morte de tantos companheiros”.

Mamberti faz parte da comitiva que irá se reunir, nesta quinta-feira, com a presidenta Dilma Rousseff. Aos presentes no ato, ele garantiu: “Vamos transmitir o espírito que está aqui presente. Ela tem que ouvir a voz das ruas. Sua permanência depende, justamente, dessas decisões que ela precisa tomar”.

A importância da mobilização nesta quinta-feira, dia 31 de Março, foi destacada por vários representantes dos movimentos sociais presentes no evento. Entre eles, Nalu Faria, da Marcha Mundial das Mulheres que destacou a força do movimento Fora Cunha, na Marcha das Margaridas, em 2015.

Frisando que “sem democracia não há como a gente conquistar os nossos direitos”, Nalu destacou a luta de classes presente no golpe. “Ninguém mais pode dizer que não têm enfrentamento de classe. A classe trabalhadora está do lado do projeto de mudança”.

E complementou: “A luta contra o impeachment não está separada da luta para que Dilma retome o programa pela qual foi eleita em 2016”.  

Papel crucial das mobilizações populares

Em sua intervenção, Carina Vitral, presidente da UNE, destacou que no momento em que se realizava o ato na USP, outras dez universidades brasileiras promoviam manifestações semelhantes e simultâneas em defesa da democracia.

“A universidade tem sido mais uma vez o palco da resistência democrática. Uma democracia que não está na estrutura da USP, mas em seus professores, trabalhadores e estudantes”, apontou.

Ela também soou o alerta: “O Plano do Temer, em conluio com o PSDB e partidos da oposição, quer a cobrança de mensalidade nas universidades públicas”. E convocou todos os estudantes a irem às ruas na luta contra o golpe.

Também presente no ato da USP, o senador Eduardo Suplicy fez uma breve intervenção, chamando todos, nesta quinta-feira, 31 de Março, a se concentrarem na Praça da Sé, na capital paulista: “Vamos nos encontrar nesta quinta-feira para dizer o quanto é importante que a democracia esteja em vigor neste país”.

Créditos da foto: Paulo Pinto / Fotos Públicas

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