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quarta-feira, 17 abril, 2024

Ao responsabilizar igualmente Haddad e Bolsonaro pela violência, a mídia isenta candidato do PSL

Imagem por Agência Brasil
por Michel Nicolau Netto, Mariana Chaguri e Sávio Cavalcante

Não se trata de acaso que as principais vítimas da violência eleitoral sejam os grupos mais atacados por Bolsonaro não somente nesta campanha, mas ao longo dos 27 anos de sua vida pública, ou seja, mulheres, negros e a população LGBTI

A mídia brasileira insiste em dizer que vivemos uma eleição polarizada, na qual os candidatos estão equidistantes nos polos. Produzir a falsa equivalência entre extremos é fundamental para que a mídia possa equalizar Bolsonaro e Haddad, transformando ambos numa igual ameaça à democracia, como já apontamos.

Passo seguinte no esforço de equalização, a mídia busca, agora, aproximar os candidatos ao dizer que ambos são responsáveis pela onda de violência eleitoral. Em editorial publicado em 12 de outubroO Globo afirma que os “candidatos têm de ajudar a conter a onda de violência”, demandando que ambos demonstrem “firmeza, de forma absolutamente inequívoca, para conter os seus radicais partidários nas ruas, nas redes, nos palanques, onde for”. Os dois teriam, portanto, a mesma responsabilidade pela escalada da violência. No mesmo dia, o site UOL publicou matéria do jornalista Jamil Chadeinformando que a Comissão Interamericana de Direitos Humanos e o Alto Comissariado das Nações Unidos para os Direitos Humanos expressaram preocupação “com o clima de violência nas eleições brasileiras”. No topo da matéria, o UOL traz uma ilustração em que pessoas vestidas de vermelho enfrentam pessoas vestidas de amarelo, indicando que a violência seria igualmente culpa dos dois campos da disputa.

É evidente que a imprensa deve cobrar que os candidatos se oponham à violência, mas cabe exigir que Bolsonaro deixe de enunciá-la. Não se trata de acaso que as principais vítimas da violência eleitoral sejam os grupos mais atacados por Bolsonaro não somente nesta campanha, mas ao longo dos 27 anos de sua vida pública, ou seja, mulheres, negros e a população LGBTI.

A mídia parece saber disso. Peguemos apenas os dois textos citados acima. No UOL, é citada a Comissão Interamericana de Direitos Humanos que afirma que a instituição “condena atos de violência no contexto eleitoral no Brasil e expressa preocupação com a incidência desproporcional em mulheres e população LGBT.” Já a porta-voz do Alto Comissariado da ONU, Ravina Shamdasani, afirma que “o discurso violento e inflamatório dessas eleições, especialmente contra LGBTI, mulheres, afrodescendentes e aqueles com visões políticas diferentes, é profundamente preocupante, especialmente dado os relatos de violência contra tais pessoas”. Em seu editorial, O Globo afirma que “são listados, diariamente, casos de violência de gênero, ideológica, racial e religiosa com raízes no ambiente de polarização político-eleitoral”. Ainda, cita uma pesquisa da FGV-DAPP sobre postagens durante a campanha eleitoral que contabilizou, “entre outras, 1,8 milhão de manifestações de discriminação aos nordestinos; 1,4 milhão de apoio ao nazifascismo; 1 milhão contra mulheres; 1 milhão contra minorias LGBT e outro milhão contra evangélicos, comunistas e negros”.

Isso demonstra que há uma relação direta entre os grupos mais violentados e aqueles atacados por Bolsonaro. Não se pode esconder que Bolsonaro atacou as mulheres com frases como “jamais ia estuprar você porque você não merece”; os negros, afirmando que quilombolas “não fazem nada! Eu acho que nem procriadores servem mais”. Os homossexuais são seu alvo preferencial e daria para fazer uma longa compilação de ataques deferidos pelo candidato contra esse grupo. Fiquemos só com uma: “Seria incapaz de amar um filho homossexual. Não vou dar uma de hipócrita aqui. Prefiro que um filho meu morra num acidente do que apareça com um bigodudo por aí”.[1]

Bolsonaro não só agride esses grupos verbalmente, mas indica que a agressão deve se dar fisicamente. É isso que ele faz quando sugere “metralhar a petralhada” ou quando afirma, tal qual fez ainda em 1999, que “através do voto você não vai mudar nada nesse país, nada, absolutamente nada! Só vai mudar, infelizmente, no dia em que partir para uma guerra civil aqui dentro, e fazendo o trabalho que o regime militar não fez. Matando uns 30 mil, começando pelo FHC, não deixar ele para fora não, matando! Se vai morrer alguns inocentes, tudo bem, tudo quanto é guerra morre inocente”.[2]

A violência, para Bolsonaro, merece ser homenageada. O policial, ele diz, “se matar dez, 15 ou 20, com dez ou 30 tiros cada um, ele tem que ser condecorado e não processado”.[3] A tortura, um dos mais graves ataques aos direitos humanos, deve ser saudada na pessoa do herói do candidato: o torturador coronel Carlos Brilhante Ustra.

Cabe perguntar: onde estão as declarações equivalentes do candidato do PT? Se elas existissem, aí sim seria possível aproximar os candidatos. Será que os discursos violentos de Bolsonaro e os atos violentos feitos por seus apoiadores em seu nome são normalizados pela mídia porque dirigidos a grupos específicos? Não precisamos responder para afirmar que ao não tratar com a devida gravidade os ataques de Bolsonaro, a mídia reafirma a visão do candidato do PSL: que a vida de uma mulher, um negro, uma pessoa de esquerda ou um homossexual vale menos que a de um homem, de um branco, de uma pessoa de direita e de um heterossexual.

Bolsonaro incentiva a violência não apenas por não se opor veementemente a ela, mas por ser ele próprio um propagador de ataques contra os grupos mais violentados. Se a mídia exige que os candidatos igualmente se oponham à onda de violência, ela admite, corretamente, que as palavras e atos dos candidatos têm impacto direto na postura de seus seguidores. Dessa forma, a mídia precisa admitir que as palavras e atos de Bolsonaro não são apenas bravatas, mas responsáveis diretas pela violência que seus seguidores cometem. Ao fingir que Haddad e Bolsonaro são igualmente responsáveis, a mídia se torna complacente com a violência eleitoral. Por isso, é a ela que se deve clamar: aja para “conter a onda de violência”.

*Michel Nicolau NettoMariana Chaguri e Sávio Cavalcante são professores do Departamento de Sociologia da Unicamp.

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