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sexta-feira, 29 março, 2024

A sobrinha do Tio Sam e o arremedo judicial

Este artigo faz parte do livro “Relações Obscenas”, dos Institutos Declatra e Joaquín Herrera Flores, que será lançado em setembro pela editora Tirant Lo Blanch.

por Marcelo Ribeiro Uchôa

Marcelo Ribeiro Uchôa conclui com a #VazaJato aquilo que sempre desconfiávamos, a operação Lava Jato sempre foi um arremedo judicial com um interesse único: prender o presidente Lula. Leia a análise do professor Doutor em Direito Internacional Público, na Unifor e membro da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia. Este artigo faz parte do livro “Relações Obscenas”, dos Institutos Declatra e Joaquín Herrera Flores, que será lançado em setembro pela editora Tirant Lo Blanch.

As primeiras informações trazidas a lume pelo The Intercept Brasilconfirmaram o que muitos juristas já denunciavam: que a operação Lava Jato sempre foi um arremedo judicial interessado especificamente em prender o ex-presidente Lula da Silva, custasse o que custasse em termos de malabarismos processuais. Lawfare praticado não apenas por um juiz, mas todo um corpo de procuradores da república, que não mediram esforços em confabular sobre estratégias de elaboração de teses de acusação, hipóteses probatórias, linhas de ação em audiências, até mesmo de datas de prática de atos formais, além de medidas de vazamento de informações.

Não bastasse, as matérias publicadas endossaram que os meios de provas suscitados no processo do triplex para justificar o suposto crime de corrupção do ex-presidente, considerados esdrúxulos por um sem número de estudiosos do Direito, também eram considerados frágeis, para não dizer infundados, pelo principal procurador acusador.

Em interminável ti-ti-ti confabulatório, procuradoras e procuradores da República expunham todo seu interesse punitivo motivado por razões político-ideológicas.

Mas, afinal, o que se pode questionar ou deduzir da atitude jornalística do The Intercept BrasilEm primeiro lugar, não há como aferir, de modo categórico, a inocência do ex-presidente Lula da Silva pelas informações divulgadas, mas é possível pressupor que ele não estaria preso se não fossem as tramoias realizadas pelo sistema de justiça. Nem estaria preso, e, provavelmente, nem seria condenado, porque o próprio Ministério Público considerava sua principal prova da acusação, a suposta entrega do triplex, motivo insuficiente para justificar a vinculação do ex-presidente com o esquema de corrupção da Petrobras. Além disso, não confiava que tal apartamento havia sido efetivamente presenteado ao ex-presidente, menos ainda em suborno. Dessa maneira, o mínimo que lhe seria reconhecido seria o benefício da presunção de inocência até que eventual prova contrária irrefutável aferisse um improvável crime.

Outro fato indiscutivelmente abstraído pelas informações divulgadas é que o ex-presidente jamais foi julgado por um juízo isento, imparcial, o que confere total validade aos recursos internos de sua defesa, bem como às alegações levadas ao conhecimento do Comitê de Direitos Humanos da ONU, de descumprimento do processo legal brasileiro e, por consequência, do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos concluído pelo Brasil. Ou seja, para todos os efeitos, o julgamento e o eventual encarceramento do ex-presidente foram totalmente nulos, devendo ser desfeitos de imediato, nem que seja para submeter-lhe a novo processo adequadamente instaurado.

Outra conclusão importante é que houve uma deliberada intenção não apenas de prender o ex-presidente, como de evitar sua nomeação como ministro da Casa Civil do governo da ex-presidenta Dilma Rousseff, sendo de ampla consciência dos atores do sistema judiciário que o vazamento dos áudios grampeados da ex-presidenta, sem autorização do Supremo Tribunal Federal, sob amparo em suposto interesse público, devia ser realizado e repassado à grande mídia, a fim de obter comoção social que evitasse a nomeação ministerial e desidratasse, ainda mais, o mandato da presidenta, em vias de questionável processo de impeachment. Na mesma toada, houve uma deliberada maquinação para impedir que o ex-presidente Lula da Silva concorresse à presidência da república, tanto existindo temor real acerca de uma provável vitória eleitoral petista, que a estratégia de manipulação também se repetiu para evitar que, já preso, concedesse entrevista jornalística, a qual se imaginava pudesse favorecer o candidato Fernando Haddad.

Afinal, foi correta a ação do The Intercept Brasil de disponibilizar para o grande público conteúdo sobre textos e áudios de juiz federal e procuradores da república sem o respectivo consentimento dos autores? Essa questão é nodal no presente debate, porque sempre foi comezinha no Direito a compreensão de que provas assim devem ser autorizadas judicialmente sob pena de nulidade, devendo ser evitadas. Contudo, foram as próprias vítimas do atual vazamento que justificaram a legitimidade deste tipo de ação, quando aplicaram a estratégia contra uma presidenta da República sem a devida autorização da Corte Suprema, amparando-se no interesse geral.

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Enfim, para todos os efeitos, considerando-se a possibilidade de um revés judicial interno acerca da exposição do material divulgado, os jornalistas do The Intercept Brasil, de antemão, anunciaram que todo conteúdo probatório já estava em poder de jornalistas estrangeiros, de modo que os fatos ora narrados continuarão vivos para conhecimento da humanidade, a fim de que doravante ninguém duvide de que no país houve um julgamento de exceção em que investigadores, acusadores e juízes transformaram-se em uma só pessoa, não motivada em encerrar a corrupção no país, mas em impedir que um partido, uma mulher e um homem, pudessem continuar realizando suas obras de prover o social em favor da maioria excluída, naturalmente, em detrimento de uma minoria aristocrática, acuada pelo crescimento social do grupo oposto.

A Lava Jato não atentou apenas contra a liberdade do ex-presidente Lula, mas contra a democracia brasileira, na medida em que turbinou propositadamente o impeachment da ex-presidenta Dilma e impediu que as eleições presidenciais de 2018 chegassem a um resultado diferente do alcançado.

O que talvez não estivesse no script do conluio é que seus desdobramentos práticos acabariam, ao criminalizar a política, por enterrar a economia nacional e entregar o poder ao retrocesso civilizatório. Mas se isso não pode ser terminantemente afirmado, por outro lado, um fato concreto que não pode ser negado é que o principal juiz-protagonista de todo tumulto social-institucional causado converteu-se em ministro da Justiça do novo governo, o qual dificilmente teria alcançado o poder caso o próprio juiz houvesse se retraído às funções constitucionais para as quais recebeu sua toga.

Finalmente, para os que duvidam da idoneidade do The Intercept Brasil, não custa lembrar que seu editor-chefe, Glenn Greenwald é um dos mais importantes jornalistas do mundo, já havendo sido laureado, à época em que contribuía com o The Guardian, com um Prêmio Pulitzer, por haver trazido à tona todo enredo por trás de Edward Snowden, o imoral programa de monitoramento global de informações (espionagem virtual) dos Estados Unidos.

Sobrinha do Tio Sam?

As revelações exibidas pelo The Intercept Brasil já abriram capítulo especial na história nacional, tanto pela gravidade das informações que vêm trazendo à lume, como pela hesitação dos implicados em confrontá-las: ora contestando a existência de diálogos, ora denunciando distorções em textos, ora negando participação na trama, mas em todas as situações veementemente atacando o veículo informativo, ao ponto de se socorrer de um suposto esdrúxulo expediente de intimidação sobre as operações financeiras do jornal e dos jornalistas responsáveis, via articulação do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF) e da Polícia Federal, esta última subordinada ao Ministro da Justiça, personagem mais que comprometido nos diálogos, em reação extrema de censura à atividade de imprensa jamais vista desde a retomada do processo democrático brasileiro nos anos 1980.

À medida que o tempo passa, porém, a sociedade mais se convence da veracidade dos diálogos divulgados. Por um lado, pela insistência dos envolvidos em não facilitarem o trabalho das perícias entregando-lhes os celulares com os áudios questionados ou endossando-lhes acesso às contas da rede social Telegram (em que se deram as conversas). Por outro lado, pela inferência objetiva de que uma simples confrontação dos diálogos revelados pelo The Intercept Brasil com os pormenores processuais da Lava Jato casa perfeitamente com o curso e o desfecho dos processos, de modo que indubitavelmente se fortalece a presunção de que as tramoias trazidas à baila são verdadeiras, não o contrário.

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As narrativas expostas no site do vencedor do Pulitzer Glenn Greenwald expõem um conluio umbilicalmente consolidado entre o juiz Sérgio Moro e o procurador Deltan Dallagnol, mostrando um consórcio pernicioso atentatório a um verdadeiro Estado democrático de Direito, na forma de condenável promiscuidade entre Judiciário e Ministério Público. Porém, sem reduzir a importância de nenhuma publicidade até então trazida ao conhecimento, sobretudo a injusta e indubitavelmente imoral prisão do ex-presidente Lula da Silva, é de chamar atenção a última revelação exposta, que faz alusão a uma possível trama interessada em vazar informações processuais supostamente para a oposição venezuelana, com vistas a buscar desestabilizar o governo do presidente Nicolás Maduro.

Havendo veracidade na informação (e tudo leva a crer que há, porque os principais envolvidos nas denúncias arranjam mil e um motivos para não colaborar com a elucidação definitiva das assertivas), duas conclusões podem ser imediatamente abstraídas: a primeira, é que a operação Lava Jato sempre teve total consciência sobre seu poder de servir como mecanismo de desestabilização política de uma nação. Portanto, nada de defender que era uma operação judicial normal, que visava apenas acabar com um episódio isolado de corrupção. O intuito da operação no Brasil sempre foi retirar o Partido dos Trabalhadores do poder nem que, para isso, fosse necessário sabotar o Direito e a estabilidade política do país, arruinar a economia nacional e abrir caminho para a entrega do governo às forças mais reacionárias existentes; a segunda conclusão é que a operação Lava Jato buscou agir em consórcio com forças conservadoras não só nacionais, mas internacionais também no exterior. Sabe-se, por ora, que na Venezuela a iniciativa foi pensada, porém provavelmente frustrada em seu objetivo principal. No que toca ao Peru, porém, o próprio atual Ministro da Justiça brasileiro, outrora juiz todo-poderoso da operação (juiz-investigador-acusador), por ocasião da recente final da Copa América entre as seleções brasileira e peruana, gabou-se em rede social da operação haver logrado êxito. Ou seja, também na nação andina a operação Lava Jato estendeu seus tentáculos prometendo evitar uma suposta sangria de cofres públicos, megaoperação transcontinental que precisa ser investigada com rigor, porque não só Brasil, Peru e Venezuela, mas também Argentina, Bolívia, Chile, Equador e Paraguai, e até mesmo Colômbia e Uruguai, como se sabe, vivem dias de insegurança institucional, com presença de um judiciário cada vez mais ostensivo no papel de criminalizador da política e de suposto guardião moral das sociedades, o que não espantaria se isso derivasse da presença física da Lava Jato ou de suas ramificações e repercussões.

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Independentemente, um fato concreto é que a notícia de uma tentativa da operação curitibana em auxiliar num possível desmonte venezuelano trazem à tona debate mais antigo, pouco levado a sério (embora inúmeras vezes alertado pela imprensa não tradicional), sobre as constantes idas e vindas dos protagonistas da operação Lava Jato aos Estados Unidos para infindáveis cursos e reuniões no Departamento de Estado norte-americano. Após a recente denúncia da Venezuela faz todo sentido não apenas suspeitar, mas correlacionar a ligação aproximada das autoridades de justiça do Brasil e as homólogas no país do Norte como algo bem maior que rotineiras cooperações judiciais. Ao contrário, algo possivelmente programado e tencionado para fins previamente determinados, como, por exemplo, servir ao governo dos EUA dentro do Brasil, na América do Sul, com possibilidades de chegar em outros países da América Latina, Caribe, África e até Europa, como, por exemplo, Portugal, onde até um ex-premiê já foi preso em ação de questionável idoneidade.

A propósito, para os norte-americanos a Lava Jato brasileira já possui relevância. Por aqui, mais do que alijar o PT do poder, a operação abriu caminho para a venda de estatais e a exploração de recursos nacionais, até mesmo compartilhamento de base e tecnologia espacial estratégica, acolhendo de vez o imperialismo yankee como algo comum à rotina brasileira.

A situação, se consumada em outras nações, dificilmente repercutiria de modo diferente. O que resta saber é se seria a Lava Jato, de fato, um instrumento geopolítico do Tio Sam, uma operação transnacional orquestrada, instruída e monitorada pelo Departamento de Estado dos EUA? Uma versão mais ampla, sútil e moderna da Operação Condor, com asas de maior envergadura? Para tristeza e desencanto geral não há razão nenhuma para descartar-se, de antemão, qualquer hipótese especulativa, pois a história das nações trata de demonstrar que conspirações assim são factíveis e menos raras de acontecer que qualquer mente privilegiada possa mensurar. Que venha o The Intercept Brasil com mais revelações.

Marcelo Ribeiro Uchôa, Professor Doutor de Direito Internacional Público da Universidade de Fortaleza (UNIFOR); Membro da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD) — Núcleo Ceará; Advogado sócio de Uchôa Advogados Associados; e-mail: marceloruchoa@gmail.com

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Fonte: Jornal GGN

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