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quinta-feira, 28 março, 2024

A Política Exterior que cabe ao Brasil

Por Maynara Nafe*

A diplomacia e as relações internacionais são uma poderosa ferramenta a serviço de um projeto nacional de desenvolvimento. Isso foi verdade em todas as civilizações exitosas no mundo, e não deveria ser diferente da realidade brasileira. Apesar disso, o brasileiro ainda importa-se muito pouco com a trajetória do Brasil no mundo e muitas vezes se detém a impressões muito rasas da política internacional e o papel geoestratégico do Brasil. É necessário que se lance luz sobre a necessidade de oferecer à nação uma política de defesa para que o país seja capaz de dissuadir as pressões externas e uma inserção internacional atrelada a um projeto interno afirmando a soberania nacional, a fim de se construir um caminho para o desenvolvimento brasileiro.

Assim, faz-se necessário a formulação de uma política exterior que materialize a capacidade do Brasil dizer “não”. Portanto, a política exterior que cabe ao Brasil deve evitar dois desvios comuns. O primeiro diz respeito à ideia de se fazer um terceiro mundismo externo, barulhento, e eloquente, para mascarar às rendições internas aos ditames neoliberais. O segundo diz respeito entender a política externa simplesmente como uma ferramenta para vender nossos produtos e serviço ao exterior, política que tem como símbolo o mascate. A política exterior não serve para isso. Ela é uma política de Estado gêmea da política da defesa, a fim de nos ajudar a abrir caminho no mundo para o nosso projeto interno. Logo, torna-se imprescindível a existência de um projeto interno concebido de maneira não sectária, apto a transcender a política partidária e suas divisões ideológicas que, sustentado por uma ampla maioria, seja capaz de sobreviver a eventuais governos.

Essa ideia, porém, não é uma mera intenção utópica apartada da experiência. O Brasil possui momentos em que a política exterior esteve intimamente atrelada ao projeto interno de nação. Após a Revolução de 30, com a ascensão de Vargas ao poder, a diplomacia brasileira se concentrou basicamente em duas tarefas: resolver a questão do preço do café que havia colapsado alguns anos antes e o papel de conseguir a transferência de tecnologias sensíveis para a construção de uma indústria nacional. Um exemplo dessa política é a criação da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) durante o Estado Novo após a conclusão dos Acordos de Washington que previa a construção de uma usina siderúrgica que pudesse fornecer aço para os aliados durante a Segunda Guerra Mundial e, na paz, ajudasse no desenvolvimento do Brasil. Essa política teve continuidade com mais ou menos êxito durante toda a República Liberal-Conservadora (1945-1964).

Atualmente a condução da política exterior brasileira chegou a uma situação calamitosa. Hoje o Brasil encontra-se como um pária internacional após basear suas relações com figuras políticas e não com Estados. A condução política executada pelo olavista Enersto Araújo levou o Brasil a se isolar em prol de uma viagem ideológica maluca. Embora o Brasil se encontre nessa posição de fragilidade no contexto internacional, ainda há solução. Em primeiro lugar é necessário que o Brasil volte a crescer, mas não um crescimento insustentável que permita-nos voltar a essa situação que nos encontramos hoje, mas por meio da união do povo em torno de um diagnóstico pacificado que responda os motivos da nossa derrocada.

As portas de uma eventual saída para o Brasil ainda estão abertas. O Brasil deve, sem abrir mão das parcerias tradicionais, adensar as relações com os países em desenvolvimento. Isso significa não só adensar a nossa integração regional, o MERCOSUL, fazendo que ele seja capaz de cumprir o próprio destino: tornar o Conesul capaz de competir com as cadeias de valor globais, mas também olhar para outras áreas do mundo como a África, Oriente Médio e Ásia.

Na década passada o Brasil buscou construir parcerias nos diversos continentes ainda que essas ações não estivessem alinhadas a um projeto interno de nação. Essa postura possibilitava que o Brasil quando resolvesse atrelar a sua política externa a um projeto de desenvolvimento nacional tivesse meios e parceiros para isso. No continente africano, exemplificado por iniciativas como o Cotton Four por meio de cooperação na área tecnológica, principalmente via Embrapa e a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, cujo principal objetivo é a difusão e o adensamento das relações dos países de língua portuguesa (CPLP). Em relação ao Oriente Médio o Brasil sempre teve uma boa relação com os países da região seja pela pauta de exportação de produtos como carne bovina, carne suína, frango, café e tabaco, seja pela participação brasileira nas missões de paz na região, sendo a última delas o comando brasileiro a frente da Força-Tarefa Marítima da UNIFIL 2011-2020. Em relação ao continente asiático, a situação parece ser mais dramática. A China desde 2009 tornou-se nosso principal parceiro econômico, construindo uma relação bilateral pautada cada vez mais na confiança e no adensamento nos âmbitos políticos e econômicos. Porém essas iniciativas perderam força e relevância com a chegada de Bolsonaro ao poder que tem privilegiado quase exclusivamente a relação entre Brasil e Estados Unidos.

Hoje todas essas iniciativas estão deterioradas pelo ideologismo de quinta categoria que assolou o Ministério das Relações Internacionais. Por isso urge a revitalização de parcerias estratégicas para o Brasil, porém, não somente adstrita às novas e tradicionais parcerias como: EUA, Argentina, França, Portugal, Rússia, China, Índia e África do Sul. É necessário criar novas relações em novos temas para que o Brasil possa se reinserir no contexto internacional sob novas bases. Nesse sentido, olhar para a formação da população brasileira pode ser um bom caminho a ser seguido.

O Brasil pode e deve aprofundar suas relações com os países do continente africano, como Nigéria, Egito, Angola, Benin, Burkina Faso, Coîte d’Avoire, Chade e África do Sul. Essa aproximação deve ser pautada pela aproximação mediante cooperação, embora de modo diferente do que foi feito no passado, pelos países desenvolvidos, exigindo contrapartidas para o investimento. Outra frente que pode ser aberta, buscando uma relação mais profunda e sólida é com os países árabes, uma vez que a comunidade árabe no Brasil é volumosa fazendo que o Brasil tenha mais interesses com esses países do que uma simples relação política e econômica. A complementaridade das nossas exportações permitiria uma aproximação com os países árabes com certa facilidade no âmbito do MERCOSUL, no formato 4+1. Além disso, a capacidade da diplomacia brasileira na resolução de conflitos pode ser um ativo importante para a promoção da paz na região.

*Maynara Nafe e membro  da Juventude Árabe-Palestino-Brasileira

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