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sábado, 20 abril, 2024

A morte de um presidente que vive

«UMA grande nuvem negra sobe do Palácio em chamas. O presidente Allende morre em seu lugar. Os militares matam milhares em todo o Chile. (…) a senhora Pinochet declara que as lágrimas das mães vão resgatar o país. Ocupa o poder, todo o poder, uma Junta Militar de quatro membros, formados na Escola das Américas no Panamá. A Junta é liderada pelo general Augusto Pinochet».

As letras do escritor Eduardo Galeano descrevem o que aconteceu em 11 de setembro de 1973, uma das datas mais profundamente gravadas na história do Chile e da Nossa América. Naquele dia, após várias horas de cerco e bombardeio no Palácio Presidencial de La Moneda, o presidente chileno Salvador Allende morreu sob o fogo dos golpistas.

Como Allende morreu? Cometendo suicídio, declarou a Junta Militar no dia seguinte, 12 de setembro de 1973.

Como uma «figura gloriosa… crivada e rasgada pelas balas das metralhadoras dos soldados do Chile», escreveu Pablo Neruda, em 14 de setembro em seu leito de morte.

«Sob as balas inimigas como um soldado da Revolução», disse sua viúva Hortensia Bussi, quatro dias depois, no México.

Se o presidente morreu nas mãos do exército golpista liderado por Pinochet ou se suicidou antes de se render no Palácio de La Moneda, em Santiago do Chile, em 11 de setembro de 1973, as balas que o mataram — viessem de onde viessem — perpetraram um dos assassinatos mais ultrajantes da história da América Latina.

Seu assassinato permaneceu em silêncio; ele foi secretamente enterrado; apenas a sua viúva foi autorizada a acompanhar aquele cadáver imortal. Dizem que aquele bravo e digno homem resistiu por seis horas com um fuzil que o líder da Revolução Cubana de Fidel Castro lhe deu e que foi a primeira arma de fogo com que Salvador Allende disparou.

Hoje, completam-se 45 anos após a morte de Allende. Naquela noite, as forças do golpe entregaram um breve relato ao general Augusto Pinochet: «Missão cumprida. La Moneda tomada, presidente morto». A Unidade Popular e seu presidente foram aniquilados, iniciando 17 anos de ditadura militar.

Líder da esquerda política chilena, Salvador Allende venceu as eleições em 1970, desenvolvendo uma intensa política de nacionalização do setor industrial e da mineração. No meio da crise econômica, em 1973, ele revalidou seu triunfo eleitoral, o que acabaria provocando a intervenção violenta do exército na vida política do país.

Durante seu primeiro ano de gestão, 47 empresas industriais e mais da metade do sistema de crédito foram nacionalizadas. Com a reforma agrária, expropriou e incorporou cerca de dois milhões e quatrocentos mil hectares de terras produtivas à propriedade social.

Salvador Allende foi o primeiro político chileno de orientação marxista no Ocidente, que chegou ao poder por meio de eleições gerais em um Estado de Direito.

«A contradição mais dramática de sua vida foi ter sido, ao mesmo tempo, inimigo congênito da violência e revolucionário apaixonado, e ele acreditava tê-la resolvido com a hipótese de que as condições do Chile permitiam uma evolução pacífica em direção ao socialismo, dentro da legalidade burguesa», lembrou Gabriel García Márquez em sua crônica A Verdadeira Morte de um presidente.

Estes foram, em poucas palavras, seus verdadeiros crimes, aqueles que o imperialismo e a extrema direita mais reacionária no Chile e na região, não puderam perdoar ao líder carismático que se tornou um povo, a maioria.

AS GUERRAS MAIS CONVENCIONAIS

Golpe de Estado, mortes, um golpe à democracia, ameaça à soberania, um governo vendido, fantoche, um povo que sofre… tudo aconteceu no Chile, há mais de quatro décadas. E hoje, estamos cada vez mais no limiar dessas ameaças?

A realidade é mais do que óbvia: os países progressistas do continente são vítimas de tentativas desestabilizadoras que buscam aquecer as ruas, gerar caos e desestabilizar sem respirar, a ponto de gerar um golpe, dois, seja o que for.

Os Golpes Suaves e a Guerra Não Convencional (GNC) na América Latina permanecem como o atual Plano Condor, apesar de não perseguirem um Chile cheio de cobre, mas atacam consciências, vontades, manipulam a falsidade e a mentira.

Nos documentos que regem a vida política dos Estados Unidos, a GNC é definida como o «conjunto de atividades destinadas a possibilitar o desenvolvimento de um movimento de resistência ou insurgência, coagir, alterar ou derrubar um governo, ou tomar o poder através do uso de uma força de guerrilha, auxiliar e clandestina, em um território inimigo», como explica o doutor em Ciências Jurídicas e pesquisador de Assuntos relacionados à Segurança Nacional, Hugo Morales Karell,

«Na última década, a GNC surgiu como a modalidade mais viável a ser usada pelos Estados Unidos e seus aliados para derrubar governos contrários aos seus interesses», diz Morales Karell. Muitas têm sido as variantes: pretextos para gerar manifestações contra o governo, argumentando descontentamento popular pela situação econômica, política e social da nação, intervenção nos assuntos internos de países por terceiros, alegando uma suposta crise humanitária ou violação de direitos seres humanos, até o suposto desempenho de uma oposição interna.

Há muitos exemplos, até mesmo reconhecidos e declarados pelos Estados Unidos em seus documentos doutrinários: Albânia e Letônia (1951-1955); Tibete (1955-1970); Indonésia (1957-1958); a invasão de Cuba pela Baía dos Porcos (abril de 1961); Laos (1959-1962); Vietnã do Norte (1961-1964); Nicarágua e Honduras (1980-1988); Paquistão e Afeganistão (1980-1991) e Iraque (2002-2003). A estes já confessados, vamos acrescentar o caso da Venezuela, Brasil, Bolívia, em que o objetivo marcante de deter o avanço da esquerda progressista na região é evidente.

Essas são as realidades de hoje, as canhoneiras não estão presentes fisicamente, nem os drones jogam bombas e as nações não são intervencionadas militarmente, mas as agressões continuam; agora há uma boa manipulação para conseguir a participação dos jovens, o uso dos benefícios proporcionados pelas tecnologias de computador e comunicações e intensas campanhas de mídia para exercer pressão política e alcançar, como o Professor Karell afirma, «a mais convencional das guerras».

Mas não duvidem disso, o império retornará, repetidas vezes, ao uso de força brutal e ao cruel assassinato de líderes como Salvador Allende, sempre que for conveniente para seus interesses e não disponham das ferramentas para oprimir os povos e governos que sejam «desconfortáveis» e tentem subverter sua hegemonia.

CRONOLOGIA DO GOLPE: CHILE, 11 DE SETEMBRO DE 1973

5H00 – Operação «Silencio». As Forças Armadas ocupam Valparaíso e Viña del Mar.

7h40 – Allende chega ao Palácio de La Moneda. Pinochet corta as comunicações.

8h42 – Allende recebe o ultimato: «Se não sai de La Moneda será atacado por terra e ar».

9h03 – Segunda mensagem de Allende: «Neste momento passam os aviões, é possível que nos crivem (…) Este é um momento muito duro e difícil, é possível que eles nos esmaguem»

9h10 – 9h15 – Última alocução de Allende: «Com certeza está será a última ocasião em que possa dirigir-me a vocês (…) Perante estes fatos só me resta dizer aos trabalhadores: Eu não vou demitir! Estas são minhas últimas palavras e tenho certeza de que meu sacrifício não será em vão…»

11h50 – Bombardeio aéreo contra La Moneda. Duas aeronaves Hawker Hunter arremetem contra o Palácio.

14h00 – Os golpistas ocupam La Moneda com gases lacrimogêneos.

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