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quinta-feira, 28 março, 2024

A luta pela hegemonia

por Samuel Pinheiro Guimarães [*]

O fenômeno político, econômico e militar mais importante, anterior à emergência do Coronavírus e que, após o fim da Pandemia, permanecerá, é a firme disposição dos Estados Unidos de manter sua hegemonia mundial, seu poder de Império, face à ascensão e à competição chinesa.

A hegemonia em nível mundial é a capacidade de elaborar, divulgar e fazer aceitar pela maioria dos Estados uma visão do mundo em que o país hegemônico é o centro; de organizar a produção, o comércio e as finanças mundiais de forma a captar para a sede do Império uma parcela maior do Produto Mundial para uso de sua população, e muito em especial de suas classes hegemônicas e de seus altos funcionários; a capacidade de impor a “agenda” da política internacional; a força para punir os Governos das “Províncias” do Império que se recusem a aceitar ou se desviem das normas (informais) de seu funcionamento.

As normas (informais) que os Governos das “Províncias” (que são Estados nacionais) devem seguir são: ter uma economia capitalista, aberta ao capital estrangeiro, com mínima intervenção estatal; dar igualdade de tratamento às empresas de capital nacional e às de capital estrangeiro; não exercer controle sobre os meios de comunicação de massa; ter um regime político pluripartidário com eleições periódicas; não celebrar acordos militares com Estados adversários, a saber Rússia e China; apoiar as iniciativas dos Estados Unidos.

Sempre que conveniente aos interesses do Império Americano estas normas são “flexibilizadas”, como, a título de exemplo, no caso de monarquias do Oriente Próximo.

Durante, após e desde a Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos, ao suceder o combalido Império Britânico, organizaram, em 1946, o sistema político mundial com as Nações Unidas e suas agências na Conferência de San Francisco; o sistema econômico, com o FMI, em 1944, para regular o sistema financeiro internacional, com base em taxas fixas de câmbio e no padrão ouro-dólar; o Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD, hoje Banco Mundial) criado em 1944 para financiar a reconstrução europeia; o Acordo Geral de Tarifas Aduaneiras e Comércio (General Agreement on Tariffs and Trade, o GATT), em 1947, para regular o comércio internacional com base na cláusula da nação mais favorecida; a Organização Mundial do Comércio (OMC), em 1994, que administra acordos sobre comércio de bens, de produtos agrícolas, de serviços, sobre investimentos e propriedade intelectual, e solução de controvérsias; e o Plano Marshall, em 1948, para, através de doações e de financiamentos a juros baixos, em valor atual de 100 mil milhões de dólares; a reconstrução da Europa, conter a influência dos partidos comunistas e reativar a indústria americana de bens de capital; o sistema militar, com a OTAN, em 1949, que garantiu a presença de tropas americanas em bases na Europa Ocidental; os pactos regionais de defesa “mútua” como o TIAR, o Cento, a SEATO, o acordo com o Japão, o ANZUS (Austrália, Nova Zelândia, Estados Unidos); as bases militares, que fora do território americano são mais de 700; as sete Frotas, que patrulham os mares e oceanos; o Tratado de Não Proliferação Nuclear (TNP), em 1968, que estabelece um oligopólio nuclear que permite aos Estados Unidos, Grã-Bretanha, Rússia, França e China produzir, exportar, importar, armas e material nuclear e proíbe aos demais Estados; o sistema de “atração dos melhores cérebros” (que é o outro lado do “brain drain” ) de todos os países e de geração de ciência e tecnologia; e o sistema mundial de formação da opinião pública e de interpretação da realidade, através dos meios audiovisuais e da Internet.

Desde 1945, lograram os Estados Unidos e suas classes hegemônicas (o establishment?) extraordinárias vitórias. Executaram uma eficiente política externa bipartidária. Contribuíram para desmantelar os impérios coloniais francês, britânico, holandês e português, através da ONU, e por ações de apoio a movimentos de independência; não objetaram a abertura da China ao capital megamultinacional, em apoio implícito às políticas de Deng Xiaoping; desintegraram a União Soviética com o auxílio de M. Gorbachev e Boris Ieltsin; obtiveram a aceitação como “natural”, pelos países subdesenvolvidos, da divisão de trabalho entre produtores de matérias-primas e produtores industriais; superaram as crises de 2001 e 2008; eliminaram (assassinaram ?) Bin Laden e assim vingaram o crime de lesa majestade cometido em 2001; mantiveram esmagadora supremacia militar e nuclear.

A China realizou extraordinários feitos desde 1945. O Exército de Libertação Popular e o Partido Comunista Chinês venceram e expulsaram os exércitos invasores japoneses; derrotaram e puseram em fuga Chiang Kai Shek, o Kuomintang (Partido Nacionalista Chinês), junto com seu exército de dois milhões de soldados para Taiwan; estruturaram o Estado socialista chinês; enfrentaram os Estados Unidos na Guerra da Coréia sem serem derrotados (1950 a 1953); detonaram sua primeira bomba atômica em 1964; obtiveram o reconhecimento diplomático americano; em 1971 ingressaram no Conselho de Segurança e nas agências da ONU no lugar de Taiwan; fizeram a reforma agrária e com amplos movimentos populares romperam as estruturas elitistas herdadas da China imperial e que tinham permanecido durante a China republicana (1911-49); superaram os efeitos do cisma com a URSS, em 1960; auxiliaram o Vietnam em sua vitória final contra os Estados Unidos, em 1975; expandiram os sistemas de educação e saúde e reduziram a pobreza de forma eficaz e significativa, sendo hoje os chineses em situação de extrema pobreza menos de 1% de sua população. O seu míssil Dongfeng-41 desenvolve velocidade de 8.500 m/segundo superior em 25 vezes a velocidade do som que é de 340 m/segundo e pode atingir alvos a 13.000 km, sem que haja arma comparável no arsenal americano.

A China se recusou a fazer parte do Pacto de Varsóvia, assinado em 1955 entre os países do leste europeu, e rejeitou a política de coexistência pacífica de Kruschov (1953-1964) anunciada em 1955, a qual a China denunciou como “revisionista”. Em 1958, a China recusou solicitação soviética de uso de portos. A confrontação ideológica fez com que a União Soviética, em 1958, após a Segunda Crise do Estreito de Taiwan, temendo o confronto entre China e EUA, suspendesse a cooperação nuclear; revogasse a promessa de fornecer tecnologia para a construção de bomba atômica pela China e, em 1960, ordenasse a saída de todos os especialistas russos. A aproximação da China dos Estados Unidos, em 1972, fez com que as relações com a URSS se mantivessem distantes até a década de 1980 quando Gorbachev iniciou processo de aproximação que levaria a sua visita à China em 1989.

No Império Americano os sistemas políticos, econômicos e militares estão em reformulação permanente para atender às suas necessidades internas e externas. Assim ocorreu nos episódios de abandono unilateral pelos Estados Unidos da paridade ouro-dólar; de tornar indefinida a vigência do TNP; da aceitação da Índia como potência nuclear; da reformulação da política externa desde 2016 pelo Governo de Donald Trump, com base nos conceitos de America First, de anti-multilateralismo, de desrespeito às decisões do Conselho de Segurança, de unilateralismo, de uso da violência, de negação da mudança climática.

Desde o remoto ano de 1607, quando foi fundada a vila de Jamestown, na Virginia, e depois, com a fundação de cada uma das Treze Colônias, os Estados Unidos da América têm a convicção de que cabe a eles liderar o mundo (e não apenas o Ocidente) como nação “indispensável” e “excepcional” por serem a mais antiga democracia, a mais rica e dinâmica economia, a mais poderosa potência militar, a mais benevolente e generosa nação, e aquela que organizou o sistema internacional depois dos desastres da Grande Depressão: os desemprego que chegou a 30% nos EUA; o nazismo com seus campos de extermínio e experiência humana, e trabalho escravo e sua doutrina de superioridade racial ariana; e a Guerra Mundial, quando morreram 50 milhões de pessoas.

Os Estados Unidos da América, desde a Guerra da Independência em 1776 sempre estiveram em conflitos com outros Estados, numa longa prática de intervenção militar ao redor do mundo.

A China que, com cinco mil anos, é a mais antiga civilização, sempre foi a maior economia e o mais poderoso Estado, ainda que humilhada pelas Potências ocidentais entre 1840 e 1949, com um amplo e pioneiro legado de inovações tecnológicas, sempre se manteve um Estado com economia e instituições organizadas, e uma sociedade de grande criatividade filosófica, artística e literária. Hoje, como República Popular, ostenta grande pujança econômica e tecnológica.

A China raramente esteve em conflito militar com outros Estados e quando esteve foi como resultado de agressão externa, como o caso das agressões ocidentais e a invasão japonesa.

Deng Xiaoping definiu os requisitos indispensáveis para o desenvolvimento da China: estabilidade interna e ambiente de paz internacional.

Os dirigentes da República Popular reiteram em todas as ocasiões que seu desenvolvimento é pacífico e cooperativo e a China se apresenta como um Estado que deseja participar das instituições internacionais e não destruí-las ou substituí-las, procurando, todavia, reformá-las.

A China procura se apresentar como um parceiro confiável, pacífico, cooperativo em especial em relação aos países de sua vizinhança mais próxima. É importante mencionar que entre os principais investidores na China se encontram empresas de Taiwan e Hong Kong e as comunidades, prósperas e influentes, da Diáspora chinesa em vários países da Ásia, que somam cerca de 10 milhões de descendentes de chineses.

A partir de 1978, a reorientação radical, porém gradual e experimental, comandada por Deng Xiaoping da política econômica da República Popular da China com base na abertura externa, na atração do capital multinacional e na economia de mercado, foi possível graças à destruição (ou pelo menos ao forte abalo) das estruturas feudais e elitistas do Império chinês no período de Mao Zedong (1949-1976), quando o PIB da China cresceu à taxa anual de 4-5%.

A China atrai anualmente, após os Estados Unidos, o segundo maior fluxo de investimento estrangeiro direto, promove intensa transferência de tecnologia, expande e diversifica suas exportações, cresceu à média de 10% ao ano entre 1978 e 2008 (trinta anos) e continua a crescer a taxas elevadas. Tornou-se a segunda maior economia do mundo, o maior país exportador e o segundo maior importador, detentor das maiores reservas internacionais (três milhões de milhões de dólares), o maior investidor em títulos do Tesouro americano e grande gerador de tecnologia.

Xi Jinping tem insistido que o grande sonho chinês é a revitalização da cultura, do Estado e da civilização chinesa e a unidade do território, com a reincorporação de Taiwan e a realização do socialismo com características chinesas.

A China tem duas metas temporais: a do centenário de fundação do Partido Comunista Chinês, em 2020, e a do centenário da Revolução Comunista, em 2049. A meta estabelecida para o centenário de 2020 era criar uma economia moderadamente próspera e a meta para o centenário de 2049 é atingir uma economia próspera e poderosa.

A China executa uma estratégia de política externa com as seguintes características e objetivos:

manter relações de não-confrontação em geral e, acima de tudo, evitar a confrontação militar com os Estados Unidos;

assegurar fontes diversificadas de matérias primas para a economia chinesa;

abrir mercados para as exportações e para os investimentos chineses;

não interferir em assuntos internos políticos ou econômicos dos países;

não impor condicionalidades políticas ou econômicas para a cooperação econômica nem fazer críticas sobre a situação de direitos humanos ou sobre o regime político de terceiros países;

fortalecer seus laços com os países vizinhos através da Organização de Cooperação de Shangai (SCO), do acordo com a ASEAN (Associação de Países do Sudeste Asiático) integrada por Brunei; Camboja; Indonésia; Laos; Malásia; Mianmar; Filipinas; Singapura; Tailândia; Vietnam; de acordos bilaterais com a Rússia e das obras de infraestrutura do Cinturão e Rota da Seda.

A China desenvolve iniciativas de aproximação e programas de cooperação com os países africanos, com os países latino-americanos, com os países árabes e com os países que se encontram no que se chamou de Cinturão e Rota da Seda.

Três iniciativas chinesas tiveram grande importância. A primeira foi a criação dos BRICS, em companhia da Rússia, da Índia, do Brasil e África do Sul. No âmbito dos BRICS foi criado, em 2014, o Novo Banco de Desenvolvimento para financiar projetos de infraestrutura e os Acordos de Reserva Contingente, para fazer face a dificuldades de balanço de pagamentos.

A segunda, a Organização de Cooperação de Shangai (SCO), que foi fundada em 2001, com a Rússia, o Cazaquistão, o Tadjiquistão, Quirquistão e Uzbequistão, e da qual, em 2017, a Índia e o Paquistão se tornaram membros. Sua finalidade principal é a cooperação em matéria de segurança e de combate ao terrorismo, ao separatismo e ao extremismo.

A terceira iniciativa foi a criação, em 2014, do Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura. A criação do Banco atraiu grande interesse europeu e suscitou a oposição americana. Todavia, metade dos países da OTAN e os grandes países asiáticos assinaram, à exceção do Japão. Seus membros fundadores mais importantes foram a Áustria, Reino Unido, Itália, Alemanha, Holanda, Nova Zelândia, Noruega, Austrália, China, Coréia do Sul, Paquistão, Rússia, Índia, África do Sul e Brasil.

Oito presidentes americanos, de Nixon a Obama, executaram uma estratégia de engajamento, baseada na convicção de que abraçando a China política e economicamente fariam com que ela se tornasse gradualmente mais capitalista e liberal.

Essa estratégia criou a maior relação comercial entre dois países. Há cerca de 70 mil companhias americanas na China e, em 2005, iniciou-se um grande fluxo de estudantes chineses para os Estados Unidos, que são o maior grupo nacional de estudantes nos Estados Unidos.

Assim, até a presidência de Barack Obama (2007-2015), a estratégia americana se fundava na visão de que o crescimento econômico chinês levaria à abertura política e à democracia e a uma convergência chinesa com as políticas ocidentais.

Obama se proclamou o “primeiro presidente americano do Pacífico” (America’s First Pacific President). Sua política tinha como objetivo conter a ascensão da China que viria, em 2010, a ultrapassar o Japão e a se tornar a segunda maior economia do mundo.

O fato de a China ter superado os Estados Unidos em produção industrial causou grave preocupação aos estrategistas americanos, pois estes consideram que a manufatura é a base da indústria e que uma manufatura forte permite um poder militar forte e, com ele, a capacidade de competir pela hegemonia global.

A ênfase na Ásia (rebalance to Asia-Pacific), slogan da política externa de Obama, era sustentada por quatro pilares: a alocação de 60% da força naval e aérea americana para a Ásia; a negociação da Trans-Pacific Partnership, com exclusão da China; a exploração das disputas da China com seus vizinhos; a manutenção do contato com a China.

Em termos de paridade de poder de compra (PPP) a China superou os Estados Unidos como maior economia do mundo em 2014; em 2016 o Produto real (GDP) chinês era 12% maior que o americano e, em 2015, o produto manufatureiro chinês foi 150% maior. Em cada um dos cinco anos até 2016, a China foi o primeiro país em pedidos de patentes.

Os Estados Unidos negociaram acordos militares com países da região como o Japão, a Coréia do Sul, a Austrália, as Filipinas. Na área econômica negociaram, sigilosamente e fora da OMC, o TransPacífic Partnership Agreement (TPP), entre 12 países, entre os quais se destacam EUA, Japão, Canadá, Austrália, México e Vietnam, amplo acordo de livre comércio e de normas em muitas áreas, em um esquema de normas OMC-Plus e mesmo KAFUS-Plus, (acordo Coréia do Sul-Estados Unidos).

A negociação do TPP procurava isolar a China de seus vizinhos próximos. Os Estados Unidos, ademais, insistiam em suas críticas à situação de direitos humanos e ao regime político chinês, acusado de ditatorial, provocando irritação nas autoridades chinesas enquanto sua política de venda de armas a Taiwan e estímulo à sua independência contrariava seus compromissos.

A estratégia de Obama de ênfase na Ásia não só fracassou como fez aumentar as desconfianças do Governo da China e o estimulou a tentar contrabalançar a ação americana com iniciativas tais como a Parceria Econômica Abrangente; a Área de Livre Comércio da Ásia-Pacifico; o projeto de Um Cinturão, uma Rota, e a criação do Banco dos BRICS e do Banco Asiático de Infraestrutura. De outro lado, a China tem continuado a expandir sua presença em altos cargos de organismos como o FMI, o Banco Mundial e as Nações Unidas.

Um conceito estratégico foi proposto por Xi Jinping a Obama em 2013: não ao conflito e não à confrontação; respeito mútuo; cooperação ganha-ganha (win-win). Os Estados Unidos não aceitaram nem rejeitaram este conceito de Xi Jinping para reger as relações China/Estados Unidos.

Barack Obama foi sucedido em 2016 por Donald Trump, assumidamente um “outsider” (estranho) em relação à política e ao próprio Partido Republicano, e que provocou uma reviravolta, inclusive emocional e voluntarista, na condução da política externa americana e, em especial, quanto à China.

Seu lema America First resume sua visão antagônica em relação a compromissos e organismos internacionais, às negociações multilaterais, em relação à não intervenção política. Trump tende a considerar que a política externa é, em realidade, uma negociação comercial em que ele, Trump, acredita que prevalecerá por ter maior experiência como homem de negócios.

Donald Trump identificou a China não só como competidora, mas também como a principal adversária econômica, política e militar dos Estados Unidos e que tem de ser tratada com firmeza.

A abordagem de confrontação de Trump atraiu surpreendente apoio bipartidário. Os empresários americanos passaram a se queixar do roubo de segredos comerciais, de transferência forçada de tecnologia e dos subsídios às empresas chinesas que tornavam a competição impossível. E os políticos denunciaram as prisões de ativistas de direitos humanos e de lideranças de minorias étnicas.

A estratégia de Donald Trump de decoupling (desconexão) da China para contenção do crescimento econômico e político chinês tem como objetivos:

eliminar o déficit comercial bilateral dos EUA, de cerca de US$360 mil milhões anuais;

impedir a transferência, por empresas americanas e europeias, de tecnologia avançada; reduzir a presença de estudantes chineses nos EUA, que seriam 370 mil em 2019, dez vezes o número de 2009;

impedir a adoção da tecnologia 5G da Huawei;

promover o retorno da produção industrial e de empregos para os Estados Unidos;

expandir o orçamento e a presença militar na Ásia;

alinhar os países europeus com os Estados Unidos contra a China.

Em março de 2018, Trump declarou que “guerras comerciais são boas e fáceis de vencer” e aumentou tarifas sobre aço e alumínio importados da China. Beijing retaliou com tarifas sobre exportações americanas.

Em setembro de 2018, um navio de guerra chinês e um navio americano chegaram a 50 metros um do outro no Mar do Sul da China e quase colidiram.

Em outubro de 2019 os Estados Unidos colocaram em “lista negra” empresas de tecnologia e dirigentes do Partido Comunista Chinês pelo seu envolvimento na prisão de muçulmanos em Xinjiang.

O secretário de Estado Mike Pompeo declarou que a América e seus Aliados deveriam assegurar que a “China mantivesse apenas seu lugar próprio no mundo”. Pompeo declarou que a “China quer ser a potência econômica e militar dominante no mundo, disseminando sua visão autoritária da sociedade e suas práticas corruptas”.

Em março de 2019, o Comitê do Perigo Presente, dos anos 50, foi reativado e um de seus integrantes, Newt Gingrich, que foi Presidente da Câmara de Representantes, republicano e conservador, publicou o livro Trump vs. China e apontou a China como a maior ameaça aos Estados Unidos, muito maior do que fora a Alemanha nazista ou a União Soviética.

Donald Trump:

taxou em 100% as importações chinesas, usando o argumento de segurança nacional, em violação dos compromissos assumidos pelos EUA na OMC;

bloqueou o funcionamento do mecanismo de solução de controvérsias da OMC;

retirou os EUA da Trans Pacífic Partnership;

proibiu a venda de empresas americanas de alta tecnologia;

pressionou os países europeus a se alinhar com sua política anti-China;

denunciou as despesas militares chinesas como exageradas e provocativas;

renovou os tratados de aliança militar com o Japão e a Austrália;

retirou os EUA do Acordo de Paris sobre mudança climática;

publicou uma lista de dezenas de empresas chinesas, entre elas a Huawei, com as quais as empresas americanas não podem fazer negócios. A China, em retaliação, fez uma lista semelhante de empresas americanas.

Em janeiro de 2020, foi assinada a Fase 1 do acordo comercial entre China e Estados Unidos que prevê:

cancelamento de tarifas que passariam a vigorar em 15/12/19 e incidiriam sobre US$160 mil milhões de produtos chineses; redução de 15% para 7,5% das taxas sobre outros produtos no valor total de US$120 mil milhões importados da China;

foram mantidas as tarifas americanas de 25% sobre US$250 mil milhões em produtos importados da China;

a China assumiu o compromisso de comprar US$200 mil milhões de produtos agrícolas, de energia e manufaturas americanas até 2021; o acordo inclui seções sobre propriedade intelectual, transferência forçada de tecnologia, alimentos, finanças, moeda, câmbio e solução de disputas.

Estão em curso as negociações da Fase 2 do acordo comercial.

Em 2018, a China superou a duração da URSS (1917-1991) e se tornou o mais antigo Estado comunista sobrevivente.

A comunidade de inteligência americana espiona governos estrangeiros desde a organização na Segunda Guerra do Office of Strategic Services (OSS), precursor da CIA. Hoje, a China faz o mesmo, sob veementes protestos americanos.

O governo chinês tem condicionado a presença de companhias americanas a programas de transferência de tecnologia. Empresários, inicialmente entusiastas das relações com a China, vieram a se tornar críticos veementes.

A principal área de competição entre China e Estados Unidos é pela liderança da próxima geração de tecnologias. Inicialmente os executivos do Silicon Valley minimizaram o desafio chinês em tecnologia, argumentando que controles rígidos na política e na educação na China iriam impedir inovações radicais. Mas esta sua visão não mais prevalece.

No plano “Made in China 2025” foram destinados milhares de milhões de dólares em subsídios à pesquisa para ajudar as companhias chinesas a superar seus competidores em áreas de fronteira como veículos elétricos e robótica. De seu lado, como percentagem da economia, o investimento federal nos Estados Unidos em pesquisa caiu a seu menor nível desde 1955.

Em maio de 2019, o Departamento do Comércio proibiu a Huawei de comprar microchips americanos o que prejudicou sua capacidade de produzir smartphones e equipamentos de rede (networking). Os Estados Unidos solicitaram a 61 países que proibissem o uso de equipamento da Huawei, mas somente três atenderam ao seu pedido: Austrália, Nova Zelândia e Japão.

O sistema 5G é a futura geração de telecomunicação móvel. Cinco empresas vendem equipamentos e sistemas 5G para operadoras: Huawei, ZTE, Nokia, Samsung e Ericsson. Diante da forte campanha contrária americana, que alega riscos para a segurança nacional dos Estados, a China tem desenvolvido intensos esforços diplomáticos para fazer com que o sistema da Huawei de 5G para telefonia venha a ser adotado em especial pelos países europeus.

Os Estados Unidos não dispõem de uma tecnologia alternativa 5G para competir com a China.

A imprevista Pandemia do Coronavírus criou uma oportunidade para a China prestar auxílio aos países europeus atingidos, em especial à Itália e à Espanha e demonstrar sua eficiência, como Estado, pela capacidade de controlar a Pandemia com medidas eficazes e rápidas, sofrendo a China relativamente poucos contágios e mortes, suscitando uma comparação com os Estados Unidos, a esses desfavorável.

Dificilmente a estratégia de “decoupling” de Donald Trump poderia ser bem sucedida. A renda [NR] total das companhias americanas na China, em 2017, foi de US$544 mil milhões. Algumas companhias estão construindo fabricas na Índia, no Vietnam e no México, mas a maioria das companhias americanas deseja mais acesso ao mercado chinês. Em plena “guerra comercial” Starbucks anunciou planos para abrir 3.000 lojas na China e a Tesla, companhia de carros automáticos, abriu uma fábrica em Shangai para construir 150.000 carros por ano. A China é o mais lucrativo mercado, com um valor de 4 mil milhões de dólares, para a National Basketball Association (NBA) e a Nike fez mais de 1,5 mil milhões de dólares por ano na China.

O mercado chinês se tornou tão importante para as companhias americanas que estas estão aceitando pressões para realizar adaptações culturais. Hollywood aceitou editar filmes, como o filme sobre Freddie Mercury, para poder ter acesso ao mercado chinês.

Em 2019, dez Faculdades americanas fecharam Institutos Confúcio. Em Beijing, o governo determinou que as instituições públicas removessem todo equipamento de computador e programas de software estrangeiros.

Os Estados Unidos tem enormes vantagens militares sobre a China, mais de 20 vezes armas nucleares, força aérea muito superior, e orçamentos de defesa três vezes maiores que os da China, aliados como Japão e Coréia do Sul e potenciais aliados, como Índia e Vietnam, com capacidades militares próprias. A China não desfruta de situação sequer semelhante no Hemisfério Ocidental.

Em 2012, a China lançou seu primeiro porta-aviões e, em 2019, o segundo, e está construindo seis porta-aviões convencionais de natureza defensiva. A China também desenvolveu misseis, equipamento de defesa aérea e submarinos. Os Estados Unidos tem doze porta-aviões nucleares.

Beijing considera importante controlar o Mar do Sul da China devido aos recursos naturais e a sua localização estratégica. Em 2012, a China ocupou um banco de areia perto das Filipinas chamado Scarborough Shoal ato ao qual os EUA não reagiram. Em 2014, a China começou a construir ilhas artificiais em cima de sete recifes no Mar do Sul, que considera como necessárias à sua defesa.

A mais perigosa fronteira entre os Estados Unidos e a China se encontra em territórios contestados no Pacífico Ocidental: Taiwan, o Mar do Sul da China e uma série de recifes e bancos de areia. Desde 2016, ocorreram 18 encontros inseguros, de quase colisão no ar ou no mar, entre a China e os EUA.

Taiwan se encontra a 130 km do Continente chinês. Há 23 milhões de taiwaneses, sendo que 850 mil moram na China Continental e outros 404 mil lá trabalham. Em 2019, 2,71 milhão de chineses visitaram Taiwan.

Em janeiro de 2019, Xi Jinping declarou que, eventualmente, Taiwan deverá e será reunida à República Popular da China e que a China se reserva o direito de usar de força contra qualquer intervenção de forças estrangeiras.

A competição entre China e Estados Unidos também envolve pequenas ilhas e rochedos no Mar do Sul da China, sobre os quais diversos Estados reivindicam soberania. Os Estados Unidos tem se colocado do lado desses Estados contra a China, em uma questão importante para a navegação da Sétima Frota americana designada para operar na região oeste do Oceano Pacífico e no Oceano Índico, com base em Yokosuka no Japão.

Em 2017, Xi Jinping afirmou que a China oferece um novo caminho para países subdesenvolvidos que desejam acelerar seu desenvolvimento e preservar sua independência.

Nas últimas décadas a balança de poder na Ásia Oriental se inclinou em favor da China. A China tem mísseis, aeronaves, navios de tal forma que pode afirmar que atingiu superioridade militar na região, enquanto Washington não consegue afirmar sua supremacia na região. As capacidades navais da China e o desenvolvimento de lasers, drones, ciber operações, e espaço exterior estão alcançando as dos Estados Unidos.

Os Estados Unidos e a China parecem estar se movendo em direção a uma separação que é menos econômica do que política e psicológica. Haverá uma decisão de “lutar, mas não esmagar” e tudo indica que a coexistência não será nem decoupling (desconexão) nem appeasement (apaziguamento), já que as economias destes dois países estão hoje, e estarão no futuro previsível, ligadas.

A luta pela hegemonia está, em grande parte, em suspenso pela Pandemia. Vencida esta, a luta voltará e será um processo importante para o Brasil devido aos seus importantes vínculos com os Estados Unidos e com a China.

[NR] No Brasil chamam de renda a qualquer espécie de rendimento.

[*] Diplomata brasileiro. Foi secretário-geral do Itamaraty (2003-09) e ministro de Assuntos Estratégicos (2009-10).

O original encontra-se em

jornalggn.com.br/artigos/a-luta-pela-hegemonia-por-samuel-pinheiro-guimaraes/

Este artigo encontra-se em https://resistir.info/ .

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